24 Outubro 2022
O comentário do Pe. Criveller, missionário do PIME e sinólogo: “Um acordo provisório novamente depois de dois anos em que apenas dois bispos foram nomeados. Restrições à prática religiosa aplicadas com uma severidade nunca vista. Dúvidas sobre a sinceridade do lado chinês no diálogo em curso”.
A Santa Sé formalizou hoje a renovação do acordo com a China sobre a nomeação dos bispos. Um anúncio acompanhado de duas entrevistas em que também são abordados os elementos críticos presentes no acordo.
O comentário é de Pe. Gianni Criveller, sinólogo e missionário do Pontifício Instituto das Missões Exteriores (Pime), publicado por AsiaNews, 22-10-2022.
Em particular, sobre a presença de apenas seis bispos, o secretário de Estado, Card. Pietro Parolin, explicou ao Vatican News: “São os primeiros, enquanto outros procedimentos estão em andamento. Ao mesmo tempo, estamos cientes que ainda há muitas dioceses vagas e outras com bispos muito idosos. Há também dioceses em que o caminho para a reconciliação, tão desejado pelo Papa Francisco, marca o passo. Finalmente, há dioceses em que, apesar dos esforços e da boa vontade, não é possível manter um diálogo frutífero com as autoridades locais. Esperamos sinceramente que nos próximos dois anos possamos continuar a identificar, de acordo com o procedimento estabelecido, bons candidatos ao episcopado da Igreja na China. Obviamente, não nos escondem as muitas dificuldades que afetam a vida concreta das comunidades católicas, sobre as quais colocamos a maior atenção e para cuja boa solução são necessários novos passos em uma relação de colaboração que tem múltiplos protagonistas: a Santa Sede, as autoridades centrais, os bispos com suas comunidades, as autoridades locais”.
Sobre o sentido geral desse acordo, também conversou com a Agência Fides o cardeal Luis Antônio Tagle, do dicastério para a Evangelização: “A Santa Sé nunca falou do acordo como a solução de todos os problemas. Sempre se percebeu e afirmou que o caminho é longo, pode ser difícil e que o próprio acordo poderia causar incompreensões e desorientação. A Santa Sé - continua o cardeal - não ignora e nem minimiza nem mesmo as diferenças de reações entre os católicos chineses diante do acordo, onde a alegria de muitos se confunde com as perplexidades de outros. Faz parte do processo. Mas é preciso sempre ‘sujar as mãos’ com a realidade das coisas como elas são”.
Abaixo reproduzimos a primeira parte de um comentário dedicado à renovação desse Acordo pelo Pe. Gianni Criveller, missionário do PIME e sinólogo:
Como já antecipado nos últimos meses pelo Papa Francisco e pelo Cardeal Pietro Parolin, o acordo entre a Santa Sé e a República Popular da China foi renovado por mais dois anos: o anúncio foi feito hoje pela assessoria de imprensa do Vaticano.
Trata-se de uma renovação provisória: é um detalhe interessante porque, pelo que nos resulta, nos planos originais de 2018, ano em que o acordo foi assinado, estava prevista uma possível prorrogação de dois anos (o que de fato aconteceu em 2020) para depois proceder à formalização estável do acordo, ou à sua suspensão. Escrevemos com reservas porque não nos baseamos em documentos escritos, mas é uma afirmação que se baseia em informações recebidas na época de fontes autorizadas.
Após dois anos, em outubro de 2022, o acordo não foi suspenso nem confirmado permanentemente. É uma renovação provisória. Um sinal evidente de que, pelo menos do lado do Vaticano - o único do qual temos declarações públicas sobre o assunto - há uma vontade de continuar o diálogo, mas também uma certa insatisfação com os resultados obtidos. Acreditamos que a Santa Sé não renovou o acordo de ânimo leve, mas com a aguda consciência da responsabilidade histórica e dos grandes riscos para a vida dos crentes, da fé e da evangelização na China.
O Card. Parolin tinha afirmado, no passado dia 11 de abril, esperar que das negociações em curso fosse possível obter esclarecimentos e mesmo a "revisão de alguns pontos". Não se sabe se esses desejos foram concedidos. Tememos que não.
Por sua parte, o próprio papa, em pelo menos duas ocasiões, em 1º de setembro de 2021 e em entrevista à Reuters em julho passado, havia afirmado que as coisas estão indo devagar com resultados abaixo das expectativas. No entanto, o papa também afirmou que algo havia sido feito, ou seja, algumas nomeações, e que precisava continuar no caminho do diálogo. Ele acrescentou que devem ser levados em consideração os tempos da China, que ele descreveu como lentos, porque a China tem uma perspectiva histórica longa e não tem pressa.
Observadores e funcionários do Vaticano sugeriram que a pandemia, ao impedir o contato direto por mais de dois anos, teria desempenhado algum papel no sucesso limitado do acordo. No entanto, permanece secreto e, portanto, é difícil avaliar com precisão os resultados.
A AsiaNews recentemente recapitulou as nomeações episcopais seguidas pelo acordo: são apenas seis, das quais pelo menos duas já haviam sido decididas antes do acordo. Houve também a instalação em suas dioceses de seis bispos, três não oficiais e, portanto, reconhecidos pelo governo; e três oficiais que ainda não haviam entrado nas dioceses que lhes foram atribuídas.
Deve ser lembrado que antes do acordo, ao lado de casos condenáveis de eleições ilegítimas (ou seja, não reconhecidas pela Santa Sé), houve casos em que a Santa Sé e as autoridades chinesas convergiram autonomamente para a mesma pessoa. Ou depois de algum tempo um lado reconhecia a escolha do outro. Portanto, a nomeação acordada de bispos nem sempre deveria ser tão difícil.
As nomeações realizadas em 2021 são apenas duas, nenhuma em 2022. O resultado é bastante modesto, que deve ser comparado com o grande número de dioceses ainda sem bispo: pelo menos 36, mais de um terço das 96 dioceses reconhecidas pelo governo na China.
Esta situação não resolvida mostra que o acordo não é um motor que reiniciou a vida eclesial na China. Esses seriam os melhores anos para novas e numerosas nomeações: de fato, não faltam sacerdotes em idade episcopal, não faltam candidatos. Enquanto no futuro poderia haver escassez de sacerdotes adequados à nomeação, uma vez que estão diminuindo também na China os candidatos ao sacerdócio e um certo número de presbíteros está deixando o ministério.
Nas duas décadas anteriores ao acordo, Liu Bainian, o líder histórico da Associação Patriótica dos Católicos Chineses, justificava o recurso massivo às ordenações ilegítimas dos bispos, como a de 6 de janeiro de 2000, precisamente com a necessidade de dar um bispo para as dioceses que estavam no aguardo. E acusava o Vaticano de impedir o rebanho católico de ter seus pastores. Portanto, mesmo pelas autoridades chinesas se reconhece que não há vida católica sem o bispo. No entanto, uma situação se arrasta por muito tempo que enfraquece a prática de fé das comunidades católicas chinesas. Ou talvez se queira exatamente isso.
Esse é apenas um aspecto das inconsistências que colocam em dúvida a sinceridade do governo na implementação do diálogo em curso. A legislação de 1 de fevereiro de 2018 que regulamenta a prática religiosa de forma altamente restritiva é aplicada com uma severidade nunca antes vista, ainda que de maneira não uniforme ao longo do tempo e no território. Particularmente grave é a dureza com que em alguns lugares é aplicada a proibição de menores de participar de serviços religiosos, de receber a doutrina e os sacramentos. Isso coloca em grave risco a transmissão da fé.
As ordenações episcopais, mesmo as acordadas no esquema do acordo, não admitem testemunhas da Igreja universal, como acontecia no passado. A UcaNews, agência de notícias promovida pelas Igrejas asiáticas, enviava observadores para participar das ordenações episcopais. Agora não mais. O China Desk da UcaNews não existe mais. E as ordenações na China ocorrem sob rígido controle da polícia e dos funcionários da política religiosa. Um controle que se estende aos mínimos detalhes, como filmagem e fotografia. A nomeação pontifícia, embora prevista no acordo, nem sempre é lida durante o rito.
Não é comum que os bispos da China se reúnam livremente. Os encontros entre bispos e presbíteros entre diferentes províncias são fortemente desencorajados. As atividades dentro de uma mesma província são mais facilmente implementadas, mas alguns bispos e presbíteros se sentem isolados e sozinhos, uma solidão que aumenta possíveis casos de má gestão de sua autoridade e dos recursos. A formação de bispos, incluindo novos bispos nomeados pelo papa, é quase inexistente. A menos que sejam consideradas formações os encontros de doutrinação política organizados pelas autoridades aos quais os bispos são obrigados a participar.
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China-Vaticano. Acordo sobre a nomeação de bispos, anunciada a segunda renovação - Instituto Humanitas Unisinos - IHU