29 Setembro 2022
Na conversa com os jesuítas no Cazaquistão, agora publicada pela Civilização Católica, Francisco revela também que interveio com Moscou para a troca de 300 prisioneiros. Mas é "um erro pensar que é um filme de caubóis, onde há mocinhos e bandidos".
A reportagem é de Iacopo Scaramuzzi, publicada por La Repubblica, 28-09-2022. A tradução é de Luisa Rabolini.
O Papa revela os bastidores de sua inusitada decisão de visitar o embaixador russo no início da guerra na Ucrânia: "Disse ao embaixador que gostaria de falar com o presidente Putin desde que ele me deixasse uma pequena janela de diálogo", conta aos jesuítas com quem se encontrou recentemente no Cazaquistão, numa entrevista agora publicada pela Civilização Católica.
Com as autoridades russas, Francisco também interveio para pedir a troca de 300 prisioneiros ucranianos. Segundo Jorge Mario Bergoglio é "um erro pensar que é um filme de caubóis, onde há mocinhos e bandidos", e que na Ucrânia é mais a "terceira guerra mundial" desencadeada por "imperialismos em conflito". Se desde o início do conflito ele foi acusado de não ser suficientemente crítico com a Rússia, no entanto, o Pontífice argentino ressalta: "Defini a invasão da Ucrânia como uma agressão inaceitável, repugnante, insensata, bárbara, sacrílega".
"Quero lembrar que no dia seguinte ao início da guerra fui à embaixada russa", disse Francisco no encontro com os jesuítas da região russa com quem se encontrou no Cazaquistão. “Foi um gesto inusitado: o Papa nunca vai à Embaixada. Ele recebe os embaixadores pessoalmente apenas quando apresentam suas credenciais e, ao final da missão, em uma visita de despedida. Disse ao embaixador - conta o Papa - que gostaria de falar com o presidente Putin desde que me deixasse uma pequena janela de diálogo". No dia seguinte ao início da invasão russa, 25 de fevereiro, Francisco dirigiu-se de surpresa ao embaixador russo junto à Santa Sé, Alexander Avdeev, na via della Conciliazione, para expressar, segundo a explicação oficial, sua "preocupação".
Agora ele revela que tentou falar com Putin: uma tentativa, destinada a parar as armas, que não teve sucesso, como o próprio Francisco confirmou indiretamente quando, nas últimas semanas, relatou ter ouvido o presidente, pela última vez, para os votos de Natal.
“Também recebi o embaixador ucraniano e falei duas vezes com o presidente Zelensky ao telefone”, continua o Papa. “Enviei os cardeais Czerny e Krajewski à Ucrânia, que levaram a solidariedade do Papa. O secretário para as relações com os Estados, Mons. Gallagher, foi em visita. A presença da Santa Sé na Ucrânia tem o valor de levar ajuda e apoio. É uma forma de expressar uma presença. Eu também tinha em mente poder ir. Parece-me que a vontade de Deus seja de não ir neste exato momento; vamos ver depois, no entanto".
Francisco conta ainda outro bastidor, que sempre tem como interlocutor o embaixador russo. Nos últimos meses, o Papa recebeu, entre outros, um "chefe militar" ucraniano que "trata da troca de prisioneiros", que "me trouxe uma lista de mais de 300 prisioneiros", afirma Francisco sem maiores especificações. “Pediram-me para fazer algo para realizar uma troca. Imediatamente liguei para o embaixador russo para ver se poderia ser feito algo, se uma troca de prisioneiros poderia ser acelerada". Em maio, Francisco recebeu as esposas de dois oficiais do batalhão Avoz, à margem de uma audiência geral, que lhe pediram que interviesse para a libertação dos combatentes na época barricados na siderúrgica Azovstal, em Mariupol.
Quanto ao diagnóstico dos eventos, “está em curso uma guerra e acho um erro pensar que é um filme de caubóis onde há mocinhos e bandidos”, diz Francisco. “E também é um erro pensar que esta é uma guerra entre a Rússia e a Ucrânia e só. Não: esta é uma guerra mundial. Mas, na sua opinião, quais são as causas do que estamos vivenciando? Aqui a vítima deste conflito é a Ucrânia. Pretendo raciocinar sobre o porquê dessa guerra não ter sido evitada. E a guerra é como o casamento, de certa forma”.
“Para entender, é preciso investigar a dinâmica que desenvolveu o conflito. Existem fatores internacionais que contribuíram para provocar a guerra. Já recordei - continua o Papa - que um chefe de Estado, em dezembro do ano passado, veio dizer-me que estava muito preocupado porque a OTAN tinha ido latir às portas da Rússia sem entender que os russos são imperiais e temem a insegurança das fronteiras. Ele expressou medo de que isso poderia provocar uma guerra, e ela estourou dois meses depois. Portanto, não se pode ser simplista no raciocínio sobre as causas do conflito”.
“Vejo imperialismos em conflito. E, quando se sentem ameaçados e em decadência, os imperialismos reagem pensando que a solução é fazer uma guerra para se recompor, e também para vender e testar as armas. Alguns dizem, por exemplo, que a Guerra Civil Espanhola foi feita para preparar a Segunda Guerra Mundial. Não sei se é realmente assim, mas poderia ser. Não duvido, porém, que já estejamos vivendo a Terceira Guerra Mundial. Em um século vimos três: uma entre 1914 e 1918, outra entre 1939 e 1945, e agora vivemos esta”.
"Defini a invasão da Ucrânia como uma agressão inaceitável, repugnante, insensata, bárbara, sacrílega... Leiam todas as declarações!", disse o Papa aos jesuítas que encontrou no Cazaquistão. "Mas gostaria de lhe dizer que não estou interessado em que defendam o Papa, mas que o povo se sinta acariciado por vocês que são irmãos do Papa. O Papa não se zanga se for mal interpretado, porque conheço bem o sofrimento que carregam nos ombros".
Na entrevista, composta de perguntas e respostas, um coirmão pergunta também ao Pontífice de 85 anos informações sobre sua saúde: “A saúde vai bem”, responde Bergoglio. "Tenho o problema na perna que me segura, mas a minha saúde em geral está boa: aquela física, mas... também aquela mental".
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Ucrânia, o Papa: “Agressão sacrílega, tentei falar com Putin” - Instituto Humanitas Unisinos - IHU