24 Agosto 2022
"Só quem é confiável pode dizer 'creio', só quem mostra que merece a confiança dos outros. Não basta gritar 'creio'. Crer é sempre confiar em todos sem barreiras e sem orgulho, senão o lugar deste verbo é apenas no imperativo de o Estatuto fascista 'crer, obedecer e combater'", escreve Enzo Bianchi, monge italiano e fundador da Comunidade de Bose, em artigo publicado por La Repubblica, 22-08-2022. A tradução é de Luisa Rabolini.
Mais de dez anos se passaram desde que publiquei o livro Fé e confiança, movido pela constatação de que o que era primordial na crise que o Ocidente estava atravessando era a falta de confiança na humanidade, na vida, no futuro, até mesmo nas histórias de amor. Estava e estou convencido de que na raiz de tantas patologias que caracterizam a nossa existência está precisamente a ausência, ou pelo menos a fraqueza, de confiança.
Confiar em nossa cultura judaico-cristã ocidental significa aderir para não ser sacudidos, colocar o pé em segurança e permanecer firmes. A palavra Amém, repetida várias vezes pelos crentes em oração, expressa bem esta "adesão a...", este permanecer grudados, em contato com alguém.
Por outro lado, na tradição cristã, "crer em...", crer em um dogma ou em uma formulação da fé, veio mais tarde e foi menos determinante. Por isso dizemos que acreditamos para expressar a confiança, a vontade de permanecer firme e aderir a uma vivência confiável que merece ser acreditada.
Também sempre apontei que seria ridículo se essa falta de confiança tão atestada na sociedade não fosse acompanhada de uma, aliás, da falta de fé-confiança até mesmo em Deus.
Como seria possível crer em um Deus que não se vê e que ninguém jamais viu e não crer em um irmão que se vê, se ouve, com quem se caminha como companheiros de viagem rumo ao fim?
Se faltar a fé-confiança como atitude humana, isso não permite sequer à fé dom de Deus (virtude teologal) se enxertar no homem e crescer. E, além disso, crer não é um objetivo final definitivamente alcançado: no caminho da fé há dúvidas, momentos de nevoeiro e escuridão, retrocessos a situações de fé imatura e, às vezes, raramente, vislumbres de luz.
Nem é seguro proclamar: "O que temos de mais caro no cristianismo é o próprio Cristo", porque também somos capazes de moldar uma imagem de Cristo de acordo com nossos desejos.
A fé é adesão e abandono, mas gerados por uma obediência ao Evangelho e ao primado da Palavra de Deus, caso contrário também pode ser idólatra.
Quem quis usar o slogan: “Creio!” na campanha eleitoral certamente entendeu que nossa sociedade precisa urgentemente reapropriar-se da fé-confiança, e por isso decidiu desfrutar a oportunidade e a força dessa palavra evocativa para muitas pessoas. Confiar, por outro lado, significa acreditar no próximo, ir para o futuro com esperança, infundir a alegria de viver nas novas gerações, depositar confiança nos desconhecidos, nos estrangeiros que trabalham entre nós, não ativando preconceitos, mas colaborando todos para uma terra habitada por todos sem exclusões.
Só quem é confiável pode dizer “creio”, só quem mostra que merece a confiança dos outros. Não basta gritar "creio". Crer é sempre confiar em todos sem barreiras e sem orgulho, senão o lugar deste verbo é apenas no imperativo de o Estatuto fascista “crer, obedecer e combater”.
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Porque não basta dizer “creio”. Artigo de Enzo Bianchi - Instituto Humanitas Unisinos - IHU