20 Julho 2022
"Biden, portanto, parece trazer uma visão muito menos idealista ao campo democrático e à sua presidência: o bem absoluto não é certamente deste mundo, deve ser construído, aproximando-se, não se separando. Mas será que algum elemento de firmeza será posto em prática?", escreve Riccardo Cristiano, jornalista italiano, publicado por Settimana News, 18-07-2022. A tradução é de Luisa Rabolini.
Foi uma viagem de muitos significados aquela de Joe Biden no Oriente Médio. Centrada prioritariamente em Israel e Arábia Saudita, preparou o terreno para uma extensão a Riad dos Acordos de Abraão, que atualmente envolvem Israel, Emirados Árabes Unidos e Bahrein. Quando Riad se juntar oficialmente, mudará consideravelmente o mapa político do mundo.
Oriente Médio. (Foto: Reprodução | Blog de História)
A grande questão que emergiu das mídias, porém, foi outra: a oportunidade do encontro entre o presidente dos Estados Unidos e o príncipe da coroa saudita, Mohammad bin Salman. O sentido da vigem de Biden vem da leitura desse encontro. O valor é global e não se limita apenas ao Oriente Médio.
Como se sabe, o atual inquilino da Casa Branca – quando assumiu – anunciou que com ele Mohammad bin Salman seria reduzido a um pária internacional. Desde então, ele se recusou a falar com ele, limitando seus contatos ao idoso monarca saudita, o rei Salman: nem mesmo um telefonema ou e-mail para o filho. Mas o rei - como se sabe - é uma figura ornamental. Quem comanda é o príncipe da coroa e herdeiro do trono.
Mas Biden acredita que Bin Salman é o mandante do crime Khashoggi, o jornalista dissidente saudita residente nos Estados Unidos literalmente despedaçado na sede consular em Riad, na Turquia. Biden, ao contrário de Trump, divulgou o documento de sua inteligência que acredita que Mohammad bin Salman seja o mandante do crime.
Chegando à Casa Branca com a ideia de se tornar um paladino do confronto entre as democracias e os totalitarismos, Joe Biden até agora mantinha uma linha de absoluta firmeza em relação ao homem forte de um regime muito importante - como o saudita.
Mas a guerra na Ucrânia evidentemente mudou muitas coisas: o confronto se tornou guerra. E as guerras - especialmente aquelas a que se atribui tal importância - quem as combate quer vencer, pela força. Putin também quer vencer a sua guerra decisiva e, por isso, joga a carta mais importante que tem nas mãos: as matérias primas energéticas e outras de que dispõe em abundância - sobretudo gás e petróleo - criando assim as condições para o crescimento mundial dos preços.
Ao mesmo tempo, conter os preços dos combustíveis - como resultado da maior extração de petróleo - para a economia estadunidense - e não só - é de fundamental importância, agora e no futuro próximo. Para isso, Biden tinha obrigatoriamente que ir até os sauditas. Mas como então manter a linha de rigor moral com Mohammad bin Salman?
Os críticos mais severos incluem entre suas fileiras aqueles jornalistas estadunidenses que, tendo tomado nota da linha firme de Biden sobre tiranos e direitos humanos, perguntaram: onde está a coerência? Entre os críticos mais firmes de Biden também estão aqueles que pedem compreensão para Putin: se há compreensão para Putin, a mesma compreensão não deveria ser usada para o príncipe saudita? O destino de Jamal Khashoggi foi tão diferente daquele de Anna Politkovskaya? A intervenção saudita no Iêmen é tão diferente da intervenção russa na Síria, na Chechênia e agora na Ucrânia?
Região que compreende a República da Chechênia, pertencente a Rússia. (Foto: Reprodução | Blog de História)
A viagem de Biden talvez indique a impossibilidade de uma coerência total. Lembro-me da famosa frase de Mario Draghi, quando disse - há pouco mais de um ano - que Erdogan é um ditador com o qual devemos necessariamente lidar.
Biden, portanto, parece trazer uma visão muito menos idealista ao campo democrático e à sua presidência: o bem absoluto não é certamente deste mundo, deve ser construído, aproximando-se, não se separando. Mas será que algum elemento de firmeza será posto em prática?
Chama a atenção que Biden tenha anunciado que levantou o caso Khashoggi com o jovem príncipe, que teria lembrado ao seu interlocutor do que aconteceu em Guantánamo. Há algo para todos. E chama a atenção que o chanceler saudita, entrevistado pela BBC, tenha afirmado: “o que vocês podem chamar de dissidente, nós o chamamos de terrorista”.
O embaraço de Biden em Jeddah foi evidente: o príncipe de Riad, que toda a imprensa internacional designa como MbS, vai, portanto, dispor nos próximos dias aquelas manobras sobre a produção de petróleo bruto que deveriam ajudar – para além das especulações ainda presentes nos mercados - a reduzir o preço da gasolina, que nos Estados Unidos já está próximo aos US$ 5 por galão (3,7 litros): ou seja, € 1.350 por litro.
MbS também concedeu a Biden fazer coincidir a viagem com o anúncio do direito de sobrevoar o espaço aéreo saudita por aviões comerciais israelenses e com a concessão de vistos para a participação na peregrinação islâmica à Meca para cidadãos muçulmanos residentes em Israel: fatos que continuam sendo novidades de enorme importância, para não dizer de época.
Como o presidente - e o homem Biden - se saíram depois de tudo isso? Ele foi o primeiro passageiro a chegar à Arábia Saudita com um voo direto de Israel. E quando chegou ao palácio real em Jeddah, apertou calorosamente a mão do rei Salman. Mas para seu filho MbS aproximou o punho - punho a punho fracamente - para marcar a distância, que humanamente permanece, mas também o acordo político alcançado. Para o chanceler, essa imagem - que imediatamente correu o mundo - é o emblema de uma "nação reabilitada". Mas teria sido mais correto falar de um "regime reabilitado".
In 2019, Joe vowed to make Prince Mohammad bin Salman a "pariah" over the murder of WaPo journalist Jamal Khashoggi. Per the LA Times, Joe says he "confronted" bin Salman about Khashoggi's murder. Apparently fist bumping is the new "confrontation." pic.twitter.com/7U85KGI2iH
— Shenandoah Writer (@ShenandoahWrit1) July 16, 2022
Os EUA não podem se retirar do mundo, não podem deixar o Oriente Médio, especialmente depois da linha de retirada seguida primeiro por Obama ou depois por Trump: isso favoreceu objetivamente a Rússia.
O fato de que em Jeddah - com os outros velhos e novos amigos dos sauditas, a começar pelos egípcios - também estivesse o primeiro-ministro iraquiano para se encontrar com Biden, é outro fato de não pouca importância. A invasão estadunidense do Iraque havia entregue Bagdá aos pró-iranianos. Agora as coisas claramente mudaram.
O Iraque é um país decisivo no tabuleiro de xadrez do Oriente Médio e seu novo governo ainda não consegue ver a luz - apesar dos números favoráveis no parlamento - devido às pressões milicianas dos pró-iranianos. A presença do primeiro-ministro Khadimi é, portanto, um evento mais importante do que muitos outros nessa viagem, enquanto para o expansionismo iraniano na região é um golpe muito forte, inclusive em termos de imagem.
Mas o que fazer com Teerã continua sendo o nó com o qual Biden e seus interlocutores tiveram e terão que continuar a acertar as contas. Biden durante essa viagem assinou a Declaração de Jerusalém com o primeiro-ministro israelense Lapid, na qual garante que Teerã não pode obter energia nuclear e que a segurança de Israel é um empenho compartilhado entre os dois estados, assim como a rejeição das provocações das milícias pró-iranianas presentes na região.
Em seu discurso, Biden reiterou sua preferência pela opção diplomática: para ele, a esperança de um acordo - garantido internacionalmente sobre a energia nuclear - com Teerã não deve, no entanto, ser abandonada. Será possível para ele acertar o alvo? Ninguém pode dizer.
Mas é certo que a nova doutrina estadunidense parece lidar com a impossibilidade de uma retirada do Oriente Médio. Não é por acaso que nos próximos dias Putin e Erdogan responderão prontamente à visita de Biden, e irão para Teerã para uma cúpula a três com o presidente iraniano: o falcão Raisi.
Na polarização do mundo entre amigos de uns e inimigos dos outros, a viagem de Biden ao Oriente Médio evidenciou um novo protagonista indiscutível nos Emirados Árabes Unidos, potência emergente entre os países do Golfo.
Justamente os Emirados marcaram dois eventos de absoluta importância. O encontro quadripartido, remotamente, entre o presidente dos Estados Unidos, o primeiro-ministro de Israel, o presidente dos Emirados e aquele indiano: um quarteto poderoso e muito significativo, tendo em vista que a Índia é parte decisiva do BRICS - Brasil, Rússia, Índia, China, África do Sul - que Pequim gostaria evidentemente de identificar cada vez mais com a China.
Mas isso não é suficiente: o estado dos Emirados - um aliado muito próximo de Riad - fez saber, enquanto Biden ainda estava em Riad, que havia iniciado o processo que levará seu embaixador a Teerã. Para alguns, pode não ter sido uma surpresa, mas quando se pensa que o recente ataque de drones pelos rebeldes iemenitas contra Dubai partiu, segundo algumas versões, do território iraniano, é claro que não era um fato dado como certo até agora.
A exibição da força iraniana nas horas em que Biden esteve no Oriente Médio ainda precisa ser decifrada. A musculosa ostentação de navios e submarinos capazes de lançar drones com mísseis evidentemente não teve um sentido amigável. Sabíamos que os EUA e o Irã certamente não são amigos.
Mas também pode se exibir músculos para "convidar" a negociar: a questão é entender se o Irã realmente quer fazer isso: entre a inflação de dois dígitos que perpassa o país, a contestação interna muito forte e a impossibilidade de garantias de que um outro presidente estadunidense não cancele novamente o acordo, o questionamento é legítimo.
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O Oriente Médio de Biden - Instituto Humanitas Unisinos - IHU