28 Novembro 2017
Eu nunca pensei que viveria tempo suficiente para escrever esta frase: "O processo de reformas mais significativas em curso no Oriente Médio é o da Arábia Saudita".
Você leu certo: esse país vive sua Primavera árabe. Ao contrário das outras - todas nascidas de baixo e fracassadas, com exceção da Tunísia - essa foi imposta de cima pelo príncipe herdeiro Mohammed bin Salman, 32 anos, e, se tiver sucesso, vai mudar não só a Arábia Saudita, mas também o Islã em todo o planeta.
O comentário é de Thomas L. Friedman, publicado por Repubblica, 25-11-2017. A tradução é de Luisa Rabolini.
Para entender melhor os fatos, eu fui para Riad para entrevistar o príncipe herdeiro, mais conhecido como MBS. Nossa conversa começou a partir de uma pergunta óbvia: as prisões dos príncipes e dignitários foram um jogo de poder concebido para eliminar os rivais antes que o pai, o rei Salman, lhe confiasse as chaves do reino? "Bobagem", respondeu o príncipe. As coisas, disse ele, foram assim: "Desde os anos 1980 até o presente, o nosso país tem sofrido muito por causa da corrupção. A cada ano a corrupção corrói 10% dos gastos públicos".
Ele, então, explicou que aos presos foram oferecidas duas possibilidades: "Mostramos as provas em nosso poder e logo 95% deles concordaram em fazer um acordo", o que significa que restituíram ao Estado o dinheiro em espécie ou ações. "Quanto dinheiro foi recuperado?" perguntei. Para MBS o valor total “poderia ficar em volta de 100 bilhões de dólares". Mas a campanha anticorrupção é apenas a segunda iniciativa importante que MBS lançou recentemente. A primeira foi trazer o Islã saudita de volta à sua orientação mais moderna, da qual se afastou em 1979.
Sei muito bem o que aconteceu naquele ano. Minha carreira como repórter no Oriente Médio teve início em Beirute em 1979, e grande parte da região da qual me ocupei desde então foi moldada por três eventos que ocorreram naquele ano: a conquista da Grande Mesquita de Meca por extremistas puritanos sauditas; a revolução islâmica no Irã e a invasão soviética do Afeganistão. Juntos, esses três acontecimentos atemorizaram a família reinante e a induziram a reforçar a sua legitimidade permitindo que o clero wahabita impusesse um Islã muito mais rígido e lançasse uma espécie de concorrência com os aiatolás iranianos.
MBS não apenas restringiu a autoridade da temida polícia religiosa que repreendia as mulheres que não cobrem cada centímetro de pele, mas também autorizou as mulheres a dirigir.
Claro, a Arábia Saudita ainda terá um longo caminho a percorrer antes de se aproximar dos padrões ocidentais de liberdade de expressão e direitos das mulheres. Em qualquer caso, impressiona-me profundamente que agora em Riad seja possível ouvir concertos. Muitas dessas reformas foram esperadas por tanto tempo que parecem quase ridículas.
Melhor tarde do que nunca, no entanto.
Hariri que, ao chegar à Arábia Saudita, anunciou a sua renúncia e, retornando a Beirute, retirou-a. O príncipe herdeiro reiterou que a guerra no Iêmen apoiada pelos sauditas – que se tornou um verdadeiro pesadelo no plano humanitário - está se orientando para o governo legítimo pró-saudita. Em geral, a sua opinião é que graças ao apoio da administração Trump - que elogiou e descreveu como "a pessoa certa no momento certo" - os sauditas e seus aliados árabes estão formando uma coalizão contra o Irã.
Contrapor-se ao Irã é uma das razões pelas quais MBS foi tão mordaz a propósito do líder supremo do Irã, o aiatolá Ali Khamenei. "É o novo Hitler do Oriente Médio", disse ele. "Mas nós aprendemos com a Europa que contemporizar não serve a nada".
O que mais importa, no entanto, é o que a Arábia Saudita vai fazer para consolidar a sua economia. MBS e sua equipe de colaboradores conseguirão perseverar em seu objetivo? Não posso fazer previsões. Alguém, no entanto, precisará transportar a Arábia Saudita para o século XXI. E MBS deu um passo à frente.
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Se Riad mudar, muda o Islã no mundo todo - Instituto Humanitas Unisinos - IHU