19 Mai 2017
A primeira viagem ao estrangeiro do presidente Donald Trump mais se parece como uma peregrinação do que qualquer outra coisa – Roma, Jerusalém e Arábia Saudita. Tomara que alguém lhe explique que não pode ir a Meca.
A reportagem é de Thomas Reese, jornalista e jesuíta, publicada por National Catholic Reporter, 17-05-2017. A tradução é de Isaque Gomes Correa.
A primeira escala em sua “hajj” é a Arábia Saudita nesta sexta-feira, 19 de maio.
Para a Casa Branca, essa viagem resume-se a um teatro político. A equipe de Trump quer que ele se pareça presidencial, depois de todos os desastres que acompanharam os seus primeiros 100 dias em Washington. Isso não deve ser difícil alcançar, com toda a pompa em torno da visita. Os sauditas irão tratá-lo como uma realeza. Vão apelar para o seu ego tremendo, e ele adorará cada minuto da experiência. Inclusive terá a oportunidade de proferir um discurso importante sobre o Islã e a necessidade de confrontar ideologias radicais.
Os sauditas sabem que precisam se relacionar com os Estados Unidos, e sabem que os Estados Unidos, apesar de toda a retórica antimuçulmana de Trump, querem uma boa relação com eles.
Então, o que acontecerá a portas fechadas?
Para o governo Trump, os objetivos primários de diplomacia são melhorar a segurança nacional dos EUA e melhorar a nossa balança comercial. Os direitos humanos, incluída a liberdade religiosa, não serão uma preocupação tanto quanto foi durante o governo Obama. Isso vai agradar os sauditas, que já estão cansados de serem admoestados pelos americanos.
Trump desejará dizer que a viagem ajudou a criar empregos nos Estados Unidos. Sem dúvida, os sauditas comprarão mais armas, o que irá agradar o nosso complexo industrial militar, incluindo os trabalhadores da área da segurança que votaram em Trump.
Os sauditas também querem expandir o seu setor de entretenimento, embora a ideia venha preocupando o establishment religioso. Autoridades sauditas não aguentam mais ver os sauditas gastarem os seus dólares de lazer em Dubai e outros lugares.
Eles veem o setor de entretenimento como um modo de criar empregos e diversificar a economia. Esta abertura pode significar grandes contratos para a indústria americana de entretenimento – desde parques a concertos e filmes.
Mas as discussões sobre temas de segurança nacional serão ainda mais importantes do que as negociações comerciais. Ambos os lados querem compartilhar informações de serviço secreto e discutir estratégia para lidar com inimigos comuns.
A Arábia Saudita vê a si e os EUA unidos por um inimigo comum: o Irã. Diferentemente do governo Obama, há pouco interesse entre os assessores de Trump em estender a mão ao Irã, o que cai bem entre os sauditas.
Os sauditas continuam a lutar numa “guerra por procuração” contra o Irã no Iêmen, para a qual estamos vendendo a eles armamentos. Da mesma forma, na Síria, os sauditas e os EUA unem-se contra o regime de Assad apoiado pelos iranianos.
Embora os sauditas se alegraram ao ver os EUA bombardear uma base aérea síria, os EUA e a Arábia Saudita não estão completamente unidos na Síria. Os EUA estão primeiramente focados no ISIS, enquanto os sauditas querem se livrar de Assad e seus apoiadores no Irã. Os sauditas não vão gostar nenhum pouco das negociações feitas em paralelo pelo governo Trump com os russos e que podem deixar Assad no poder.
Visto que a próxima parada de Trump é Israel, ambos os lados terão muito a dizer um ao outro sobre o conflito israelo-palestino. Se haverá um encontro de ideias não se sabe, mas as discussões podem contribuir para a formação de Trump sobre as complexidades do assunto.
O extremismo islâmico será um outro tópico de discussão.
No passado, a Arábia Saudita foi uma importante fonte de financiamento do extremismo sunita ao redor do mundo, o que não deve surpreender dada a posição privilegiada e poderosa do wahhabismo na sociedade saudita. Esta ascensão e a permanência da família real saudita na Arábia Saudita têm sido apoiadas pelo establishment religioso wahhabita, que mantém opiniões um tanto conservadoras sobre o papel da mulher e sobre outras questões culturais, incluindo tudo: desde entretenimento a liberdade religiosa. A visão deles sobre o Islã vem sendo exportada para a África e a Ásia via financiamento de mesquitas e lideranças religiosas conservadoras, bem com via financiamento de pregadores a distância.
Algumas destas lideranças, no entanto, revelaram-se fora de controle, e voltaram-se para a violência. Os sauditas puderam ignorar isto quando a violência tinha como alvo não muçulmanos e os xiitas, mas não quando ela se voltou a muçulmanos sunitas, incluindo eles próprios. Em suma, as elites sauditas perceberam que alguns dos eles que apoiaram e financiaram no passado adotaram uma forma de extremismo que ameaça até mesmo eles próprios agora.
Hoje, a elite política saudita está tendo mais cuidado quanto a quem dá dinheiro, porém certos sauditas ricos continuam a financiar grupos extremistas. Uma prioridade importante em toda discussão com os sauditas deverá ser acabar com o financiamento do extremismo, não apenas o financiamento via governo como também a contribuição feita por sauditas individuais.
Um outro objetivo das negociações entre EUA e os sauditas deverá ser a reforma dos materiais educacionais do país, especialmente os textos que lidam com religião, história e ciências sociais.
No passado, estes textos doutrinaram estereótipos negativos dos judeus, cristãos, xiitas e outros grupos religiosos. Os sauditas estão se desfazendo destes materiais, mas precisa-se fazer mais para encorajar a tolerância religiosa e o entendimento. Para as gerações futuras, essa ação é extremamente importante não só na Arábia Saudita, mas em todo o mundo onde textos sauditas são usados na educação. Os sauditas estão abertos a isso porque ficaram envergonhados quando se descobriu que o ISIS estava usando os seus livros didáticos nas regiões do Iraque e da Síria por ele controladas.
O governo saudita está no processo de reformar o seu sistema educacional em vista de se preparar para uma economia mais diversificada e menos baseada no petróleo. Está usando as melhores teorias e práticas educacionais que encontra nos EUA. Ele quer desenvolver uma força de trabalho empreendedora capaz de participar em uma economia baseada no conhecimento.
Além disso, milhares de alunos sauditas, homens e mulheres, estão estudando no exterior e têm levado para casa ideias novas que desafiam a sociedade saudita. Tomara que Trump ouça que a sua retórica antimuçulmana está assustando os alunos sauditas e outros muçulmanos, afastando-os das universidades americanas. Isso não é bom nem para a Arábia Saudita, nem para os Estados Unidos.
A viagem à Arábia Saudita irá proporcionar o tipo de teatro político que a Casa Branca deseja. Proporcionará um palco seguro para a primeira viagem de Trump ao exterior, enquanto ele permanecer em sua mensagem e não tuitar algo indevido. Trump será mostrando como trabalhando para proteger os EUA do terrorismo e como se estivesse trazendo para casa os empregos que prometeu a seus apoiadores. Isto também irá ajudar a desfazer a acusação de que ele é islamofóbico. “Vejam, eles me amam!”
Mas, no longo prazo, tudo isso pouco irá importar, a menos que o presidente consiga fazer com que os sauditas verdadeiramente parem de patrocinar o extremismo com dinheiro e com seus materiais didáticos.
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Trump e a Arábia Saudita - Instituto Humanitas Unisinos - IHU