19 Julho 2022
“Nossa análise de 2.653 células territoriais em todo o continente africano, de 1990 a 2016, mostra que a probabilidade de que seja deflagrado um conflito é significativamente maior quando a seca dura ao menos três anos. Esse resultado é coerente com a evidência empírica que demonstra que o tempo de normalização da atividade agrícola, após uma longa seca, é de quase dois anos. A alta insegurança alimentar fomenta a instabilidade”, escreve Davide Consoli, do Centro Superior de Investigações Científicas – CSIC, Espanha, em artigo publicado originalmente por The Conversation e reproduzido por Público, 18-07-2022. A tradução é do Cepat.
A deterioração das condições de vida devido à mudança climática é o que desencadeia um círculo vicioso que coloca em perigo o bem-estar individual e, em última instância, a ordem social.
No caso da África, o aumento da temperatura e as mudanças nos padrões de chuva ameaçam a atividade agrícola e colocam em risco a subsistência da população. Uma das principais preocupações no continente é que a aceleração da mudança climática possa exacerbar a instabilidade social e levar a conflitos armados ou movimentos migratórios em massa.
A mudança climática é um fenômeno global com manifestações locais. A vulnerabilidade climática e a propensão aos conflitos dependem das circunstâncias socioeconômicas de cada território. Portanto, é importante levar em consideração aquelas nuances que afetam a conexão entre esses dois fenômenos complexos.
Por um lado, a mudança climática se manifesta em cada área geográfica de forma e com intensidade diferentes. Por exemplo, pode causar aumentos de temperaturas e secas, mas também inundações. Cada um desses fenômenos tem consequências muito específicas para a segurança e a viabilidade econômica das comunidades afetadas.
Por outro lado, os conflitos armados não são fenômenos binários. Sua análise não pode se limitar, como se costuma fazer em estudos empíricos existentes, às duas circunstâncias extremas: há conflito ou não há conflito. O dano de um conflito armado à comunidade que o padece depende do tempo de gestação e da duração, e do risco de propagação em territórios contíguos.
Nossa análise de 2.653 células territoriais em todo o continente africano, de 1990 a 2016, mostra que a probabilidade de que seja deflagrado um conflito é significativamente maior quando a seca dura ao menos três anos. Esse resultado é coerente com a evidência empírica que demonstra que o tempo de normalização da atividade agrícola, após uma longa seca, é de quase dois anos. A alta insegurança alimentar fomenta a instabilidade.
Ao contrário, o excesso de chuvas desencadeia conflitos em um período muito curto. Isso se deve à ampla gama de alterações que ocorrem após uma inundação, que prejudica não apenas a atividade agrícola, mas também toda a infraestrutura do território afetado.
O trabalho também reflete que um prolongado aumento das temperaturas e das chuvas supõe uma probabilidade quatro ou cinco vezes maior de conflitos para além da área diretamente afetada, especificamente em comunidades localizadas em um raio de até 550 quilômetros. Nesse caso, a deflagração da violência é um resultado indireto da mudança climática e reflete a materialização de tensões devido a uma instabilidade de longo prazo.
Nossos resultados têm implicações de longo alcance para o desenho e a implementação de políticas para construir e fortalecer a resiliência.
As condições climáticas influenciam a probabilidade de conflitos dependendo das circunstâncias específicas de cada comunidade. Portanto, é necessário que as medidas para combater os efeitos adversos da mudança climática se ajustem à situação socioeconômica do território, especialmente no que diz respeito à identificação prévia de focos de instabilidade que possam facilitar a propagação e o agravamento das tensões.
A existência de um tempo de gestação antes da deflagração de conflitos no caso das secas, por exemplo, vislumbra a possibilidade de que exista uma margem útil para monitorar e, possivelmente, evitar que uma situação crítica possa desencadear violência.
Da mesma forma, a possibilidade de um efeito de transbordamento dos conflitos para além do território diretamente afetado por temperaturas ou chuvas anômalas exige estratégias de adaptação à mudança climática elaboradas em conjunto com medidas que favoreçam a manutenção da paz, especialmente naquelas áreas mais propensas a um conflito armado.
Em suma, a implementação de políticas que não levem em conta essas nuances e esses efeitos indiretos pode ser não apenas ineficiente, no que diz respeito ao objetivo de construir resiliência, mas também prejudicial, pois pode aumentar as desigualdades existentes e o risco de instabilidade.
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A mudança climática como gatilho de conflitos armados na África - Instituto Humanitas Unisinos - IHU