29 Junho 2022
“Existem milhares ou milhões de pessoas em cadeiras de rodas trabalhando muito bem em seus empregos. Outros milhares ou milhões têm problemas nos joelhos. Dizer que o papa deve renunciar é dizer a todas essas pessoas que suas posições também estão em risco. Não deveríamos comemorar que há muitos trabalhos que essas pessoas podem fazer com sucesso, incluindo ser papa?”, escreve o jesuíta estadunidense Thomas Reese, em artigo publicado por Religion News Service, 28-06-2022. A tradução é de Wagner Fernandes de Azevedo.
Se eu ganhasse um dólar para cada história que vi sobre a possibilidade do Papa Francisco renunciar, poderia fazer uma viagem a Roma para ver o papa em ação.
Por que essas histórias são tão populares entre os jornalistas?
Primeiro, as histórias são fáceis de escrever: basta relatar os burburinhos de clérigos romanos anônimos que não têm informações reais, mas adoram fofocar. Acrescente citações de jornalistas italianos cujos editores não são tão rigorosos em exigir provas quanto os editores americanos. Presto!
Existem, é claro, bons jornalistas italianos, mas alguns carecem de ética jornalística básica. John Thavis, ex-chefe de redação do Catholic News Service, relatou como um jornalista italiano em 2013 decidiu se divertir escrevendo uma história totalmente fictícia sobre como os cardeais estavam olhando para o cardeal Sean O'Malley como candidato a papa.
Esta história foi divulgada por outros meios de comunicação, fazendo com que o Boston Globe enviasse uma equipe de repórteres para cobrir o conclave. A cobertura da mídia tornou O'Malley tão visível que uma pesquisa descobriu que ele era a primeira escolha das pessoas comuns de Roma. Em seu hábito capuchinho, lembrava o padre Pio de Pietrelcina, o popular santo italiano.
Uma segunda razão pela qual essas histórias proliferam é que os leitores comuns as devoram. Temos apetite por rumores e fofocas sobre pessoas famosas. Os editores sabem disso e nos dão o que queremos.
Finalmente, todo repórter tem medo de perder uma história que acaba sendo verdadeira. A maioria dos repórteres não percebeu os sinais da renúncia iminente do Papa Bento XVI, e eles não querem ser pegos de surpresa novamente. Como explicar ao seu editor que você perdeu essa história?
Se o papa renunciar, vou acabar parecendo um tolo por escrever esta coluna.
Ainda assim, estou disposto a arriscar e dizer: o papa não vai renunciar.
É verdade que a renúncia de Bento XVI tornou mais fácil para todos os papas subsequentes renunciarem. Sempre foi possível sob a lei canônica – de fato, os historiadores relatam que cerca de 10 papas renunciaram ao longo dos 2 mil anos de história da Igreja. Fazia tanto tempo desde a última renúncia que muitos achavam que era impossível.
O Papa Paulo VI, por exemplo, disse que a paternidade não pode ser renunciada. Ele também temia abrir um precedente que sujeitaria os futuros papas a pressões para renunciar. Será que estamos vendo isso hoje?
O que tornou a resignação não apenas possível, mas necessária é a medicina moderna, que pode manter o corpo vivo por muito mais tempo do que é física e mentalmente possível para uma pessoa funcionar como papa.
Mesmo antes de renunciar, Bento XVI indicou: “Se um papa percebe claramente que não é mais física, psicológica e espiritualmente capaz de lidar com os deveres de seu cargo, então ele tem o direito e, em algumas circunstâncias, também a obrigação de renunciar”.
Francisco compartilha da mesma opinião. Ele sente que sua eleição foi um sinal claro de que Deus queria que ele fosse papa e ele não pode deixar de lado esse dever a menos que se torne incapaz de cumprir suas obrigações papais.
Como Francisco disse aos bispos brasileiros que visitaram o Vaticano recentemente: “Quero viver minha missão enquanto Deus me permitir e é isso”.
O papa tem muitos negócios inacabados, e não o vejo se afastando disso. Algumas de suas reformas estão começando agora. E depois de iniciar um processo sinodal mundial, ele não deixará que outra pessoa termine.
Claramente, o papa é atualmente capaz de cumprir os deveres mais importantes do papado. Sim, ele tem um joelho ruim e está usando uma cadeira de rodas, mas não há indicação de que ele sofra de alguma deficiência mental. Ele pode pensar e falar com clareza, encontra-se com as pessoas e pode tomar decisões prudentes.
Francisco está sofrendo de um problema no joelho há algum tempo, mas ele se recusou a usar uma bengala, apesar de estar com muita dor. Isso foi um erro da parte dele. Todos ao seu redor deveriam ter lhe dito para ele usar uma bengala. Em vez disso, ele continuou andando com o joelho ruim até ser forçado a uma cadeira de rodas.
Se ele ainda estivesse sujeito à obediência jesuíta, teria sido instruído por seu superior jesuíta para seguir as instruções de seu médico e usar uma bengala. Se aliviar o peso sobre o joelho agora permitirá que ele se cure por conta própria ou se ele precisará de cirurgia ainda não se sabe.
O que está claro é que mesmo que ele tivesse que permanecer em uma cadeira de rodas pelo resto de sua vida, ele ainda poderia cumprir seus deveres papais essenciais enquanto sua mente permanecesse clara. Lembre-se, os Estados Unidos tiveram um presidente cadeirante que nos tirou da Grande Depressão e nos liderou durante a Segunda Guerra Mundial.
Nos dias de hoje, insinuar que o papa não pode continuar seu trabalho em sua condição atual mostra que mesmo o papa não está imune ao preconceito que milhares de pessoas com deficiência sofrem diariamente.
Existem milhares ou milhões de pessoas em cadeiras de rodas trabalhando muito bem em seus empregos. Outros milhares ou milhões têm problemas nos joelhos. Dizer que o papa deve renunciar é dizer a todas essas pessoas que suas posições também estão em risco. Não deveríamos comemorar que há muitos trabalhos que essas pessoas podem fazer com sucesso, incluindo ser papa?
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Por que histórias sem sentido sobre a renúncia do Papa Francisco continuam surgindo? Artigo de Thomas Reese - Instituto Humanitas Unisinos - IHU