21 Mai 2022
“É irônico que dois papas conservadores romperam com a tradição para responder a um possível problema, mas, em vez disso, criaram maiores problemas para o conclave. Este é exatamente o erro que os conservadores acusam os liberais de cometer. A solução mais simples é que Francisco retorne o conclave à sua regra tradicional, exigindo uma votação de dois terços dos cardeais para eleger um papa. Para quebrar um possível impasse, o papa também poderia trazer de volta a velha regra de deixar os cardeais apenas com pão e água se eles demorarem demais”, escreve o jesuíta estadunidense Thomas Reese, jesuíta estadunidense, ex-editor-chefe da revista America, em artigo publicado por Religion News Service, 18-05-2022. A tradução é de Wagner Fernandes de Azevedo.
Antes de morrer ou se aposentar, o Papa Francisco precisa fazer mudanças no processo de eleição de um novo papa para evitar a possibilidade de um conclave travado. Os Papas João Paulo II e Bento XVI fizeram inovações no processo eleitoral para lidar com possíveis eventualidade, mas eles apenas fizeram tornaram as coisas piores por não anteciparem as consequências negativas das suas mudanças.
A fonte do problema remonta à regra tradicional do conclave de que são necessários dois terços dos votos para eleger um novo papa.
Do lado positivo, a regra dos dois terços força um conclave a eleger como papa alguém que tenha amplo apoio, não alguém que tenha apenas uma pequena maioria dos cardeais atrás dele. A unidade é um atributo essencial da Igreja, e um candidato consensual tem menos probabilidade de dividir a Igreja. Isso é especialmente importante para alguém que ocupará o cargo por toda a vida.
Os estadunidenses estão cientes dos problemas que podem surgir no Senado dos EUA por causa da maioria absoluta (60%) necessária para acabar com uma obstrução. Uma minoria de senadores pode impedir o Senado de agir.
Da mesma forma, em um conclave, um terço mais um dos cardeais pode impedir um candidato de ser eleito papa. Na maioria dos conclaves, isso força a maioria a se comprometer, acordar, selecionando um candidato alternativo. Ele pode não ser a primeira escolha das pessoas, mas é considerado aceitável pela maioria dos cardeais.
Mas em alguns conclaves, a regra dos dois terços levou a um impasse.
Por causa de impasses, no século XIII o papado ficou vago por um ano e meio antes da eleição de Inocêncio IV e por três anos e meio antes da instalação de Gregório X.
No primeiro caso, a eleição foi finalmente forçada pelo Senado e pelo povo de Roma, que trancou os cardeais até que um papa fosse escolhido em 1243. No segundo caso, o povo de Viterbo em 1271 não apenas trancou os cardeais, eles do telhado do edifício e colocar os cardeais em uma dieta de pão e água.
O nome “conclave” vem do latim “fechado com chave”.
Esses longos conclaves são a exceção. O último conclave a durar mais de cinco dias foi em 1831: durou 54 dias. Desde o século XIII, 29 conclaves duraram um mês ou mais. Guerras ou distúrbios civis em Roma eram a causa habitual desses longos interregnos. Às vezes, porém, os atrasos eram causados por impasses entre os cardeais.
João Paulo II e Bento XVI pareciam temer que um longo conclave escandalize as pessoas ao mostrar divisões entre os cardeais. Antigamente, antes das comunicações de massa, poucas pessoas sabiam ou se importavam com quanto tempo levava para eleger um papa. Hoje, o mundo inteiro está assistindo enquanto os cardeais entram em conclave. Um longo conclave levaria a preocupação e especulação.
A solução de João Paulo II foi permitir que os cardeais após 33 votos (34 votos se uma votação ocorresse no primeiro dia) suspendesse a exigência de dois terços por maioria simples. Os cardeais poderiam então eleger um novo papa com uma maioria simples dos cardeais depois de estarem em conclave por menos de duas semanas.
O problema com a solução de João Paulo foi que ela eliminou o incentivo ao acordo. A maioria simples dos cardeais sabe que, se aguentar o tempo necessário, poderá eleger seu candidato. Sabendo disso, os outros cardeais cederão e aceitarão o candidato da maioria em vez de adiar o inevitável e, assim, alienar o novo papa e escandalizar o público.
A nova regra tornou impossível para uma minoria de cardeais impedir a eleição de Joseph Ratzinger como papa no conclave de 2005. Se essa regra ainda estivesse em vigor hoje, provavelmente levaria a um novo papa mais próximo do Papa Francisco do que um papa eleito por meio de acordos.
Antes de deixar o cargo, Bento XVI substituiu a mudança de João Paulo II pela exigência de que, após 33 (ou 34) votos, houvesse um segundo turno entre os dois principais candidatos. Ao mesmo tempo, ele restabeleceu a exigência de que o vencedor deve obter uma maioria de dois terços.
A mudança de Bento XVI piorou as coisas porque eliminou a possibilidade de os cardeais escolherem um candidato de acordo. Eles poderiam ficar num impasse sem saída se nenhum dos candidatos obtivesse uma maioria de dois terços.
É irônico que dois papas conservadores romperam com a tradição para responder a um possível problema, mas, em vez disso, criaram maiores problemas para o conclave. Este é exatamente o erro que os conservadores acusam os liberais de cometer.
A solução mais simples é que Francisco retorne o conclave à sua regra tradicional, exigindo uma votação de dois terços dos cardeais para eleger um papa.
Para quebrar um possível impasse, o papa também poderia trazer de volta a velha regra de deixar os cardeais apenas com pão e água se eles demorarem demais.
Enquanto isso, a Igreja pode examinar outras possibilidades – por exemplo, usando votação ranqueada, ou por preferências, após 33 (ou 34) votos inconclusivos.
Aqui, cada eleitor lista sua primeira, segunda e terceira preferências. Se nenhum candidato ganhar dois terços dos votos de primeira preferência, o candidato com o menor número de votos de primeira preferência é eliminado. As segundas preferências de quem votou nele agora são lançadas para ver se vão decidir a eleição. O processo é repetido até que alguém obtenha dois terços dos votos.
Existem problemas com este sistema. A votação por escolha ranqueada foi construída para a regra da maioria e poderia resultar nos dois principais candidatos ainda tendo menos de dois terços dos votos. Nesse caso, votações adicionais poderiam ocorrer até que alguém recebesse dois terços.
A vantagem da votação por preferência seria revelar a segunda e a terceira escolha das pessoas, o que poderia levar a um acordo bem-sucedido.
A lição das reformas tolas de João Paulo e Bento XVI é que mexer nas regras do conclave requer ampla consulta. Os papas não devem contar apenas com um pequeno grupo de conselheiros. Se eles tivessem emitido propostas preliminares para discussão em toda a Igreja, as pessoas poderiam ter apontado os problemas antes que as mudanças fossem promulgadas.
O Vaticano deveria aprender com esses erros. Nenhuma mudança deve ser feita na lei da Igreja sem discussões abertas e transparentes.
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Cardeais deveriam usar votação ranqueada na eleição do próximo papa. Artigo de Thomas Reese - Instituto Humanitas Unisinos - IHU