22 Junho 2022
"Ninguém nega a quem é agredido o direito de se defender. Mas como? Os defensores do envio de armas para a Ucrânia nunca pensam que aquele país, se já não tivesse recebido muitas delas antes e depois do início da agressão russa, teria obrigatoriamente que recorrer aos recursos da mediação, pedindo ajuda a todos os potenciais aliados; não para combater, mas para lembra-los de suas responsabilidades ('o latido nas fronteiras da Rússia' do Papa Francisco, mas também de uma longa lista de 'especialistas' que conhecem a política externa e a praticaram)", escreve Guido Viale, sociólogo e escritor italiano, em artigo publicado por Il Manifesto, 21-06-2022. A tradução é de Luisa Rabolini.
No arquipélago do "pacifismo" (hoje "putinismo") daqueles que nestas circunstâncias se opõem ao envio de armas para a Ucrânia - a maioria, tanto na Itália como na Europa - existe uma componente, mais radical, sempre contrária à guerra e às armas, porque é contrária a matar por motivos morais.
Mas há também outras componentes, talvez menos circunscritíveis, porque fazem depender a sua orientação das circunstâncias, que são contrárias a alimentar esta guerra por considerações que se referem às questões relativas aos seus possíveis resultados.
Mesmo no amplo campo dos favoráveis ao envio de armas para a Ucrânia, ou até mesmo do maior número de armas possível ("O que falta hoje? Armas" relata Adriano Sofri) há quem invoque - e a sinceridade lhe deve ser creditada - razões de ordem moral: se alguém é agredido com armas, deve se defender com armas. Aliás, se deve ajudá-lo a se defender ou até mesmo defendê-lo: com as armas.
A alternativa é a rendição, que significa perda de liberdade, honra, dignidade; e abandono para nós. Outros, dentro desse campo, antepõem a vontade ou a necessidade de salvaguardar ou alterar as relações de poder vigentes, ou seja, a política, antes de qualquer outra consideração.
Esta é provavelmente o motivo subjacente pelo qual a indignação sentida pela agressão russa contra a Ucrânia não se sente pela Turquia, membro da OTAN, por Rojava (a única verdadeira democracia na bacia do Mediterrâneo) ou pela ocupação da Palestina por Israel.
Em todo caso, todos garantem sentir, salvo prova em contrário, horror pelo massacre de vidas jovens, mulheres, crianças e idosos esmagados pelas manobras bélicas; ou obrigados a fugir, a se esconder, a sofrer estupros e violências; ou ter que enfrentar, na melhor das hipóteses, um futuro sombrio e difícil.
Ninguém nega a quem é agredido o direito de se defender. Mas como? Os defensores do envio de armas para a Ucrânia nunca pensam que aquele país, se já não tivesse recebido muitas delas antes e depois do início da agressão russa, teria obrigatoriamente que recorrer aos recursos da mediação, pedindo ajuda a todos os potenciais aliados; não para combater, mas para lembra-los de suas responsabilidades ("o latido nas fronteiras da Rússia" do Papa Francisco, mas também de uma longa lista de "especialistas" que conhecem a política externa e a praticaram).
Porque é claro que a montante e na origem dessa invasão está um confronto entre a OTAN e a Federação Russa marcado pela hostilidade e certamente não pela colaboração. Não para “descarregar” ou dividir as responsabilidades, mas porque são o ponto de partida de toda possível plataforma de mediação e resolução do conflito.
Certamente, quanto mais a guerra continuar e se avolumar, acumulando vítimas, devastação, opressão e ódio, mais difícil será identificar as bases para uma possível cessação das hostilidades. Talvez seja por isso que aqueles que não veem outra maneira de alcançar um resultado senão o envio de mais armas, não se perguntam onde se pensa chegar.
À vitória? Que vitória? A destituição de Putin ou a desagregação da Federação Russa?
Para perseguir - não digo alcançar - esse resultado o "esforço bélico", ou seja, os mortos a serem exigidas do povo ucraniano, mas também do povo russo, terão de ser multiplicados por mil.
E mesmo que haja quem, como Luigi Manconi, defenda que a arma atômica não é uma ameaça, porque mesmo após a dissolução da URSS ainda resta no mundo um equilíbrio da dissuasão que a coloca fora de ação, deve ser lembrado que na liderança da Federação Russa está um homem paranoico (como todos os ditadores), talvez com os meses contados, que só quer deixar sua marca na história (e não que do outro lado a liderança brilhe pela lucidez).
Este é um ponto. Mas há outro que domina tudo, inclusive a eventualidade de um holocausto nuclear, que é apenas uma possibilidade; enquanto a extinção da humanidade devido à iminente crise climática e ambiental é uma certeza.
As guerras, e em particular esta, são um poderoso fator de aceleração da crise climática, tanto na frente dos combates, que consomem recursos, devastam o território e emitem gases que alteram o clima, como na retaguarda da "vida civil", onde está bloqueando e revertendo todas as tímidas medidas, prospectadas mais do que lançadas, para conter o aumento da temperatura planetária: a partir pela busca frenética de novas fontes de combustíveis fósseis para substituir aqueles russos.
Lendo alguns artigos daqueles que se colocam sem se nem mas do lado do fornecimento de armas à Ucrânia, sem sequer considerar a possibilidade de promover imediatamente uma mediação que, no fundo, deveria referir-se aos próprios Governos que prometem e fornecem aquelas armas, parece-me que estamos vivendo em dois planetas diferentes: um onde as "razões" dos estados devem prevalecer sobre as vidas dos seus cidadãos; e o outro onde a consciência e a mobilização dos cidadãos deveria reduzir à razão os respectivos Governos.
FECHAR
Comunique à redação erros de português, de informação ou técnicos encontrados nesta página:
Kiev tem o direito de se defender. Mas como? - Instituto Humanitas Unisinos - IHU