20 Abril 2022
"Ainda que permaneçam como um simples 'fundo', constituem uma bela provocação para repensar a pastoral ordinária, ainda em grande parte baseada no batismo infantil. À luz deste desenvolvimento, obviamente, a prática da iniciação à 'primeira confissão' requer uma reflexão coerente, que não caia no erro quase irreparável de transformar um sacramento de cura em sacramento de iniciação".
O comentário é do teólogo italiano Andrea Grillo, professor do Pontifício Ateneu Santo Anselmo, em artigo publicado em Come Se Non, 19-04-2022. A tradução é de Luisa Rabolini.
Com uma série de posts dos últimos meses, dedicados primeiro à pandemia e depois à reconsideração do “preceito pascoal”, veio à tona uma série de questões sobre o sacramento da penitência e seu significado teológico e pastoral para a vida dos cristãos. Em particular, foi examinado o papel da "terceira forma" do sacramento e seu impacto não apenas excepcional na pastoral ordinária do "perdão do pecado". Sobre isso U. Del Giudice escreveu uma consideração de caráter jurídico e pastoral sobre a "terceira forma", que indica dimensões pouco presentes na consciência eclesial comum. Ao mesmo tempo, em um breve comentário a um dos meus últimos posts, a liturgista estadunidense Rita Ferrone escreveu:
“Obrigado por seu ensaio de reflexão. Eu aplaudo sua visão matizada de penitência como um processo que envolve uma resposta. Eu quero levantar uma questão, no entanto. Parece-me que sua distinção entre batismo e penitência fala mais apropriadamente sobre o batismo infantil do que o batismo de adultos. Você concorda? Para os adultos, há mais definitivamente uma expectativa de diálogo e resposta. Isso é ilustrado com frequência no catecumenato e seus ritos. Tudo é graça, mas a graça opera pela e através da pessoa humana, e isso é ritualizado no catecumenato. Assim, os 'primeiros sinais de arrependimento' são um sinal necessário de prontidão para a aceitação na ordem dos catecúmenos (OICA 68), etc. Concordo que os dois sacramentos são diferentes, mas não exatamente pelas razões que você menciona. Eu diria, antes, que a Iniciação Cristã é sobre identidade, a construção do self cristão, enquanto a Penitência está focada em reparar o dano a esse self (e aos outros) que é causado por nossos pecados".
Nesta observação totalmente fundamentada, emerge a dificuldade de uma "pastoral da penitência" que leve em conta o horizonte do "batismo infantil" como dom de graça sem elaboração penitencial. E que, portanto, é forçada, quase por necessidade, a uma concentração de toda a penitência apenas no IV sacramento. Gostaria de me deter brevemente neste ponto, que é qualificador e que, no entanto, peca por um "defeito" que a tradição tem dificuldade para reelaborar. E vou fazer isso a partir de uma "expressão" que ouvi de um bispo italiano, que, comentando uma série de questões sobre a penitência, dizia mais ou menos assim:
"Percebi que justamente aqueles que recebem o batismo como adultos, e que, portanto, acessam à plenitude da identidade cristã na sequência direta de batismo, confirmação e eucaristia em uma única celebração, em seu caminho de iniciação não vivem a dimensão da penitência porque nunca celebram o sacramento da penitência”.
Trata-se de um paradoxo muito instrutivo e que aponta, um problema que Rita Ferrone destacou, mas sobre cuja solução não temos uma palavra clara à nossa disposição. Procuro expressá-lo numa sequência de afirmações:
a) A tradição, que elabora a relação com os sacramentos no horizonte do "batismo infantil", tende a concentrar toda a penitência no "sacramento da penitência". Ou seja, tende a negar a diferença entre “virtude da penitência” e “sacramento da penitência”, que também está presente na atenção da tradição escolástica.
b) Para a identidade do cristão, porém, é crucial não só elaborar a consciência de "ter sido perdoado", mas poder experimentar o perdão e dar resposta ao perdão na vida cristã ordinária, ou seja, naquela vida que com base no batismo e eucaristia celebra todo domingo o perdão recebido e a necessária penitência como resposta.
c) Se no entanto isso não acontece nem mesmo para os catecúmenos adultos, que sentem dificuldade para compreender que a virtude da penitência não implica um “outro sacramento" em relação aos três sacramentos da iniciação cristã, isso levanta uma questão ao mesmo tempo pastoral e sistemática.
d) Isso equivale a dizer que o IV sacramento tem sua justificativa ao reativar a lógica dos três primeiros. Em outras palavras, favorecendo aquela "virtude da penitência" que é tanto o conteúdo da iniciação cristã quanto o objetivo da "reabilitação" operada pelo IV sacramento. Em outras palavras: pode haver virtude da penitência sem o sacramento da penitência, mas não pode haver sacramento da penitência sem virtude da penitência.
É verdade, portanto, que a diferença entre o IV e os três primeiros não reside apenas na "dimensão cooperante" do IV em relação aos três primeiros, mas sim em uma tematização explícita daquela "cooperação" que é presente também na iniciação cristã e que o desenvolvimento histórico, que favoreceu o batismo infantil, inevitavelmente considerou com uma atenção ora escassa, ora inexistente.
À luz desta leitura, parece-me útil voltar ao problema da "terceira forma" do sacramento (que já discuti aqui). Uma vez que pode ser um terreno extremamente equívoco, merece um esclarecimento cuidadoso. De fato, a terceira forma é realmente uma "forma do IV sacramento"? Também aqui vou tentar responder com uma série de afirmações encadeadas:
a) Por um lado, a "terceira forma" (isto é, a confissão com absolvição geral) justifica-se apenas "fora do espaço e do tempo", isto é, para o caso de necessidade. E substitui de forma contingente uma confissão pessoal, caso não haja tempo para proceder conforme a norma geral (isto é, para o caso de necessidade). Pode surpreendê-lo que a norma preveja que, se o caso de necessidade cessar, os penitentes que foram absolvidos com a III forma devam se submeter novamente à I ou II forma! Mas isso é perfeitamente coerente com a maneira de entender o IV sacramento como "reabilitação do sujeito".
b) Por outro lado, precisamente a dimensão comunitária, tão escondida na "I forma", aparece como um poderoso lembrete precisamente para a lógica da iniciação cristã e para a experiência eucarística do perdão. Em certo sentido, a III forma, com sua estrutura eucarística, mantém mais forte o vínculo entre IV sacramento e iniciação, mas falha por não poder elaborar a resposta do sujeito, senão de forma genérica.
c) Daí a ideia, quase uma provocação, de que a "III forma" não é uma forma do IV sacramento, mas uma espécie de "ponte" entre virtude da penitência e pedido do sacramento. A terceira forma em substância nada mais é que uma solene “memória do batismo e da vida eucarística", como centro do perdão dos pecados, a partir do qual cada sujeito pecador perdoado, no caso de ter caído em pecado grave, deve elaborar sua própria dor, sua própria palavra e sua própria ação.
Desta forma, as duas instâncias que aqui consideramos poderiam ser melhor assumidas pela pastoral:
- por um lado, a exigência de "fazer justiça" e de dar ao sujeito um contexto correto para a reelaboração de si em relação a Deus e ao próximo: tal contexto é o da iniciação cristã, dentro do qual "fazer penitência" assume o seu verdadeiro significado, que não pode ser substituído simplesmente por um "dom externo".
- por outro lado, a correlação estrutural entre o IV sacramento e os três sacramentos da iniciação, com um necessário reequilíbrio do "trabalho penitencial" como especificidade do IV sacramento, mas como "exercício da virtude" dos três primeiros. Isso hoje pode se tornar uma nova evidência graças aos "ritos de iniciação" do sujeito adulto (RICA), que uma longa tradição teológica e pastoral havia substancialmente esquecido.
Ainda que permaneçam como um simples "fundo", constituem uma bela provocação para repensar a pastoral ordinária, ainda em grande parte baseada no batismo infantil. À luz deste desenvolvimento, obviamente, a prática da iniciação à "primeira confissão" requer uma reflexão coerente, que não caia no erro quase irreparável de transformar um sacramento de cura em sacramento de iniciação. Seria uma forma de perder totalmente a diferença de "dignidade" entre sacramentos, como aliás nos pede mesmo o Concílio de Trento, no terceiro cânon sobre "sacramentos em geral", e de solenizar a redução de toda penitência cristã ao sacramento da penitência, eliminando assim todo papel da virtude, reduzindo-a apenas a um "elemento" interno ao sacramento.
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Penitência, iniciação e "terceira forma": uma relação a ser reconsiderada. Artigo de Andrea Grillo - Instituto Humanitas Unisinos - IHU