04 Abril 2022
Francisco não menciona Putin, mas denuncia "invasões de outros países". Às autoridades: remover ilegalidade e corrupção. No santuário mariano de Gozo: "A alegria da Igreja é evangelizar".
A reportagem é de Gianni Cardinale, publicada por Avvenire, 02-04-2022. A tradução é de Luisa Rabolini.
Uma viagem a Kiev "está na mesa". O Papa Francisco confidencia isso durante o voo que o leva a Malta, no "coração do Mediterrâneo", para a sua 36ª viagem apostólica. Faz isso cumprimentando os jornalistas. E depois, falando às autoridades em seu primeiro discurso na ilha, volta a denunciar "as trevas da guerra" que estão envolvendo a Ucrânia. Com o risco de uma "guerra fria ampliada" e "ameaças atômicas" que pareciam "memórias sombrias de um passado distante".
O Pontífice não menciona nomes. Não fala de Rússia. Não cita Vladimir Putin. Mas suas palavras são claras. Ele denuncia "invasões de outros países". Aponta o dedo para "algum poderoso, tristemente preso às anacrônicas pretensões de interesses nacionais" que "provoca ou fomenta conflitos". Rejeita "visões ideológicas" e os "populismos" que "se alimentam de palavras de ódio". Cita o "despertar profético em nome da fraternidade universal" de Giorgio La Pira.
Usa suas palavras para denunciar o "infantilismo" que hoje "reaparece com prepotência nas seduções da autocracia, nos novos imperialismos, na agressividade generalizada, na incapacidade de construir pontes e partir dos mais pobres". Convida a raciocinar "com a lógica da paz e não com a lógica da guerra". Destaca que "o vento gélido da guerra" em curso "foi alimentado ao longo dos anos", e que de fato o conflito foi preparado "há tempo com grandes investimentos e negócios de armas". Ele não esquece de mencionar o Líbano, a Síria, o Iêmen: "outros contextos dilacerados por problemas e violência".
As boas-vindas ao “Papa Frangisku” são calorosas. Muitos malteses saíram às ruas para saudar Pedro, que vem para a ilha de Paulo. Foi aqui, de fato, que no ano 60 o Apóstolo naufragou durante a viagem marítima que o levava a Roma para ser julgado. E foi muito bem recebido. "Trataram-nos com rara humanidade", são as palavras de Paulo relatadas nos Atos dos Apóstolos. Uma frase que é o lema da viagem.
Em seu discurso às autoridades, o Papa toca no tema dos refugiados. Agradece à população pelo acolhimento que caracteriza a ilha. Lembra que os muitos que fogem do “sul pobre” não podem ser “rejeitados com fechamentos anacrônicos”. Ele convida a não ver o migrante como “uma ameaça” e a não ceder à tentação de “levantar pontes e erguer muros”.
Ao mesmo tempo, porém, reitera que "alguns países não podem assumir todo o problema com a indiferença de outros!". O Mediterrâneo, destaca, “precisa da corresponsabilidade europeia para voltar a ser o teatro da solidariedade e não o posto avançado de um trágico naufrágio de civilização”. "O Mare Nostrum - acrescenta de improviso - não deve tornar-se o maior cemitério da Europa". E depois uma advertência aos "países civilizados": eles não podem "sancionar em seu próprio interesse acordos torpes com criminosos que escravizam pessoas". “Infelizmente isso acontece”, ele acrescenta novamente de improviso, com um suspiro.
No histórico palácio do Grão-Mestre em Valletta, o Papa Francisco encontra o presidente George Vella e o primeiro-ministro Robert Abela, ambos trabalhistas, com suas respectivas famílias. Em Malta ainda se respira um ar eleitoral. De fato, no último sábado realizaram-se as eleições parlamentares que viram a confirmação, por larga margem, do Partido Trabalhista sobre o nacionalista, filiado ao Partido Popular, ao qual pertence a Presidente do Parlamento Europeu Roberta Metsola.
Falando ao mundo político maltês, Francisco exorta a se empenhar para "remover a ilegalidade e a corrupção", "cultivar a legalidade e a transparência" de forma a "erradicar o submundo e a criminalidade", proteger a criação contra "a avidez voraz, a ganância do dinheiro e a especulação imobiliária".
Dirigindo-se à sociedade, o Papa avalia positivamente o desenvolvimento das últimas décadas, mas destaca que "progredir não significa cortar as raízes com o passado em nome de uma falsa prosperidade ditada pelo lucro, pelas necessidades induzidas pelo consumismo, bem como pelo direito de ter qualquer direito". Convida a não se deixar absorver "por homologações artificiais e colonizações ideológicas", especialmente no campo da defesa da vida. Em seguida, encoraja “a continuar a defender a vida do início até o seu fim natural, mas também a protegê-la em cada momento do descarte e da negligência”.
No final do discurso de Francisco, o presidente Vella e o primeiro-ministro Abela, com suas esposas, os cardeais da comitiva papal Pietro Parolin (secretário de Estado) e Mario Grech (maltês, secretário geral do Sínodo), o arcebispo de Malta Charles J Scicluna e o bispo de Gozo Anthony Teuma aparecem na sacada do Palácio do Grão-Mestre para saudar a multidão que grita "Viva o Papa!". Depois, o Pontífice dirige-se à nunciatura para almoçar em privado.
À tarde, o segundo encontro do dia, o encontro de oração no santuário mariano de “Ta 'Pinu” de Gozo. Esperam por ele três mil fiéis, mais ou menos um décimo dos habitantes da ilha menor do arquipélago. O Papa chega de catamarã. Uma vez que ele desembarcou, muitas pessoas o cumprimentam ao longo do caminho que o leva ao Santuário. Aqui também, como na ilha de Malta, há um mar de bandeiras maltesas brancas e vermelhas e brancas e amarelas do Vaticano. Os sinos das muitas igrejas de Gozo tocam quando ele passa.
“Ta 'Pinu”, do nome de Pino Gauci, que ampliou uma pequena igreja para torná-la o grande santuário de hoje, é o coração mariano do arquipélago. Destino contínuo de peregrinações. Francisco caminha e deposita uma rosa diante do quadro da Virgem. Ele fica sentado, seu joelho continua dolorido, é dá para ver ao longo do dia que seu caminhar é incerto. Mas ele não se poupa.
Há a saudação do Bispo Teuma, quatro testemunhos e a leitura do Evangelho. Em seguida, fala o Papa que, no dia do aniversário de sua morte, recorda a visita de João Paulo II em 1990. Convida a "redescobrir o essencial da fé", que significa "recuperar o espírito da primeira comunidade cristã", ou seja, “a relação com Jesus e o anúncio do seu Evangelho ao mundo inteiro”. Ele lembra que “a principal preocupação dos discípulos de Jesus não era o prestígio da comunidade e dos seus ministros, a influência social, o refinamento do culto”. Não, "a inquietação que os movia era anunciar e testemunhar o Evangelho de Cristo".
Malta tem uma tradição católica muito forte, mas há sinais de redução. E Francisco adverte: às vezes “a estrutura pode ser religiosa, mas por trás daquela aparência a fé envelhece”. É necessário, portanto, “estar vigilantes para que as práticas religiosas não se reduzam à repetição de um repertório do passado, mas expressem uma fé viva, aberta, que difunda a alegria do Evangelho”. Porque "a alegria da Igreja é evangelizar!". O Papa o repete sete vezes.
O Papa deseja para Malta uma Igreja "que preze a amizade com Jesus" e "não a busca de espaço e atenções". Ele pede para fazer "sínodo", ou seja, "caminhar juntos". E “desenvolver a arte do acolhimento”, porque “o culto a Deus passa pela proximidade com o irmão”.
No final da liturgia, o Papa deixa Gozo e regressa a Malta, retirando-se para a nunciatura.
Francisco, antes de deixar Santa Marta para a ilha, encontrou alguns refugiados acolhidos pela Comunidade de Santo Egídio e acompanhados pelo Cardeal Krajewski - Vatican Media
Esta manhã, antes de sair de casa Santa Marta, o Papa Francisco encontrou-se com algumas famílias refugiadas da Ucrânia acolhidas pela Comunidade de Santo Egídio, juntamente com o Esmoleiro de Sua Santidade.
Entre eles: uma mãe de 37 anos com duas meninas, de 5 e 7 anos, que chegaram à Itália de Lviv há cerca de 20 dias. A menina menor passou por uma cirurgia cardíaca e está sob supervisão médica em Roma. Duas mães, cunhadas, com seus 4 filhos, com idades entre 10 e 17 anos, hospedados em um apartamento oferecido por uma senhora italiana, vêm de Ternopil e também chegaram a Roma há pouco mais de 20 dias.
Os menores das duas famílias frequentam a escola em Roma. A terceira família chegou a Roma há três dias, passando pela Polônia. São 6 pessoas, vindas de Kiev: mãe e pai, com três filhos, de 16, 10 e 8 anos, e uma avó de 75 anos. Eles também moram em uma casa oferecida por uma italiana para acolher refugiados.
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O Papa quer ir a Kiev. "O Mediterrâneo não pode ser o cemitério da Europa" - Instituto Humanitas Unisinos - IHU