04 Abril 2022
"Não se trata, portanto, apenas de pedir desculpas pelo que foi feito no passado por "vários católicos", mas de enfatizar hoje uma visão que é própria da Igreja e de sua missão no mundo e que se distancia de qualquer pretensão mundana de colonização, de homologação política e cultural, de todo projeto de sujeição a um pensamento único, que é o caminho por onde passa a barbárie", escreve a jornalista Stefania Falasca, em artigo publicado por Avvenire, 2 de abril de 2022. A tradução é de Luisa Rabolini.
O Papa disse claramente: não, "sem indignação firme", "sem memória e sem empenho em aprender com os erros" os problemas não se resolvem e voltam. Vemos isso hoje em dia sobre a guerra. A memória do passado nunca deve ser sacrificada no altar do 'suposto progresso’. E em tempos de guerra, Francisco mais uma vez apontou o suposto desenvolvimento guiado apenas pelos ídolos do dinheiro e do poder. Ídolos que ainda hoje compõem fundamentalismos ideológicos, disfarçados de ideia de avanço, que levam à destruição também da identidade cultural dos povos e de sua convivência.
O Papa Francisco afirmou isso ontem, recebendo em audiência os representantes das populações nativas do Canadá, para onde pretende ir em breve. No alvo está justamente a amarga constatação de como são cada vez mais amplos os fossos produzidos pelas colonizações políticas, ideológicas e econômicas, movidas pela ganância, pela sede de lucro, que não se importam com as populações, suas histórias e suas tradições, e com o cuidado pela “casa comum" da criação.
Assim, ele voltou a apontar a raiz de muitos horrores cometidos e males generalizados: a mentalidade colonial. Uma mentalidade que parece mais revigorada do que nunca e que infelizmente também causou danos ao longo dos séculos na Igreja. Aquela mesma mentalidade que arranca "sem respeito" pessoas do ambiente vital em que vivem para as homologar.
Uma mentalidade que Francisco estigmatizou repetidamente como contrária à fé e que o levou a convocar, três anos atrás, o Sínodo para a Amazônia, no qual quis enfatizar desde a missa inaugural na Basílica do Vaticano o tema do respeito às identidades: “Quantas vezes o dom de Deus não foi oferecido, mas imposto, quantas vezes houve colonização em vez de evangelização! Deus nos preserve da avidez dos novos colonialismos”. Uma denúncia e um desejo, articulados em aberta referência ao “fogo devorador” que “se acende quando se querem queimar a diversidade para homologar tudo e todos”.
Lidas no presente são palavras que atingem plenamente o alvo. Não apenas para as populações Inuit e Métis do Canadá que, hoje, exigem justiça e para as quais se fala em genocídio e "genocídio cultural". Uma tragédia pela qual Francisco pediu a eles perdão pela 'horrenda' cumplicidade também por parte dos responsáveis da Igreja naquelas fatídicas 'escolas residenciais' instituídas no passado, nas quais era imposta a cultura ocidental, quebrando a identidade, a espiritualidade e a língua dos povos indígenas, levando-os a perder suas raízes. O Papa pediu perdão, reconhecendo que com a mentalidade colonizadora “nossa história recente é marcada pelo estigma dos fracassos e faltas no amor ao próximo”.
E fez isso com força porque a Igreja não pode e não quer seguir esta dinâmica, porque o que há de positivo nas diferentes culturas enriquece o modo como o Evangelho é anunciado, compreendido e vivido, já que uma só cultura não é capaz de mostrar toda a riqueza de Cristo e de sua mensagem.
Pelo contrário, a Igreja, assumindo os valores das diferentes culturas, torna-se, como diz Isaías, “a noiva que se enfeita com as suas joias”, porque o cristianismo não tem um único modelo cultural dominante. A fé em Cristo, de fato, não é produto de uma cultura e não se identifica com nenhuma delas. Permanecendo o que é, em total fidelidade ao anúncio evangélico e à tradição apostólica, ela, ao contrário, deve assumir os rostos dos povos que a acolhem e entre os quais vai lanças raízes. A diversidade cultural, portanto, não ameaça a unidade da Igreja e, além disso, não faria justiça à própria lógica da encarnação, escreveu o Papa na Evangelii gaudium pensar um “cristianismo monocultural e monocórdico”.
Não se trata, portanto, apenas de pedir desculpas pelo que foi feito no passado por "vários católicos", mas de enfatizar hoje uma visão que é própria da Igreja e de sua missão no mundo e que se distancia de qualquer pretensão mundana de colonização, de homologação política e cultural, de todo projeto de sujeição a um pensamento único, que é o caminho por onde passa a barbárie.
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As desculpas aos nativos canadenses. Que nunca mais a evangelização se torne colonização - Instituto Humanitas Unisinos - IHU