23 Março 2022
O Observatório de Conflitos e Meio Ambiente, coordenado pelo britânico Doug Weir, reúne dados do ataque russo à Ucrânia desde o primeiro dia. Busca qualquer indício de dano ambiental no país, pois esta é uma organização dedicada a ajudar a entender a estreita relação que existe entre os danos sobre o meio ambiente e seus efeitos nas pessoas, durante e após uma guerra.
Este geólogo e jornalista, que desde 2005 estuda os efeitos dos conflitos armados no meio ambiente, preocupa-se com a situação na Ucrânia sobretudo por duas coisas: suas centrais nucleares e o fato de a população viver próxima de instalações industriais que estão sendo bombardeados com armamento pesado. “O meio ambiente é a vítima silenciosa de uma guerra.”
A entrevista é de Sara Acosta, publicada por El Diario, 21-03-2022. A tradução é do Cepat.
Por que é importante chamar a atenção sobre o dano ao meio ambiente em uma guerra? Parece algo até superficial, em um momento de tanto sofrimento.
É algo que às vezes nos perguntam, mas nós vemos a proteção do meio ambiente em um conflito como parte da proteção dos civis, especialmente na Ucrânia, onde vemos ameaças tecnológicas em muitos dos riscos que observamos para a saúde a longo prazo. Não vemos o meio ambiente como algo separado das pessoas, no contexto de um conflito.
Pode dar um exemplo?
A área de Donbass é uma região altamente industrializada, com 200 anos de história de mineração de carvão e uma forte indústria pesada associada. Existem muitas instalações industriais e de armazenamento de resíduos que contêm materiais perigosos para a saúde. Grande parte de nossa preocupação é o dano potencial a estas instalações, que produz um impacto nas pessoas.
Muitas cidades ucranianas têm uma concentração muito alta de indústria pesada, e o dano militar para esses locais, fábricas, depósitos de combustível e outras estruturas que contêm materiais perigosos significa um risco para a saúde das pessoas.
Refere-se à poluição do ar?
Sim, quando se observa do ar, nota-se grandes tanques e depósitos de combustível que estão muito próximos de onde a população vive. Destruir tais depósitos é importante em um sentido militar, o que acarreta um alto risco de exposição da população. Também a longo prazo, pois costumam estar próximos de áreas agrícolas e, ao deixarem resíduos, são gerados danos crônicos de poluição.
Por que se concentram no impacto ambiental das guerras?
Alguém precisa fazer isso. No Iraque, por exemplo, houve muitos danos relacionados à devastação da terra e à poluição do ar que provocam impactos nos ecossistemas, como também enfraquece a agricultura. Dito isso, não se trata apenas dos impactos diretos sobre o meio ambiente, mas também dos efeitos indiretos na gestão ambiental. Vemos como os conflitos fazem a sustentabilidade retroceder, e isso tem grandes implicações para os países.
Obviamente, em um conflito, o meio ambiente não é a prioridade. No Iêmen, por exemplo, grande parte do país depende da agricultura e é um país com estresse hídrico. De repente, ocorre um conflito que prejudica a gestão sustentável da água. Isto é um impacto indireto, pois é provável que as pessoas acabem lutando pela água.
Na Ucrânia, o problema são as centrais nucleares. Em Chernobyl havia equipes internacionais para limpar e manter o ambiente em condições seguras, mas esse trabalho não está sendo realizado agora por causa da ocupação. A Agência Internacional de Energia Atômica monitora constantemente as centrais nucleares na Ucrânia por questões de segurança, de qualidade do ar e de radiação no país. Esses dados são públicos e acessíveis, mas agora pararam de funcionar.
Isso possui um grande impacto na governança. Devido ao conflito, não podem ser realizados e nem implementados acordos internacionais sobre a proteção da biodiversidade, mudanças climáticas e gestão dos resíduos, ou simplesmente retirar o lixo das casas da população, pois essa logística não existe. Todas essas coisas que costumamos dar como certas, em tempos de paz, ficam paralisadas durante um conflito. E possuem um efeito sistêmico sobre o meio ambiente.
Então, o principal problema na Ucrânia é que as pessoas vivem muito perto das indústrias?
Monitoramos muitos países e todos têm sua própria pegada ambiental, sua própria história durante um conflito. Na Ucrânia, uma das questões é a sua história de indústria pesada e de um sistema de energia nuclear muito desenvolvido, o que é bastante incomum nos conflitos que analisamos. Também como país produtor de sementes. Agora que não está produzindo, criará problemas em seu custo, no preço do pão, por exemplo. Por isso, é necessário explorar a relação entre o dano ambiental e sua conexão com a população.
Já possui dados dos danos ambientais na Ucrânia?
Começamos acompanhando as redes sociais e outras plataformas. Durante as primeiras 48 horas, houve muitos ataques em localizações militares e em bases aéreas, enormes incêndios em depósitos de combustível e a ocupação de instalações nucleares, obviamente. Mas também há o impacto de disparar armamento pesado de forma indiscriminada sobre as cidades, pois as casas das pessoas estão muito próximas das indústrias e isso tem efeitos na qualidade do ar.
Em seguida, começamos a montar uma base de dados e a verificar o que estamos vendo nas redes. É muito importante reunir esta informação. Desde 1999, o Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente vai até os países, após um conflito, para fazer uma avaliação ambiental, mas precisa ser convidado pelo país, e o país pagar por isso.
Até que ponto Chernobyl é preocupante?
É preocupante que a Rússia considere aceitável ocupar militarmente Chernobyl porque está em seu caminho para Bielorrússia. Em relação à central de Zaporizhzhya, deveríamos estar preocupados porque, novamente, ter ocorrido um incêndio nas dependências de uma central nuclear foi muito chocante.
Há muito combustível armazenado ao ar livre. Minha principal preocupação é que isso seja normalizado. No Iraque, foi a primeira vez que uma usina nuclear foi bombardeada.
Existe um marco legal internacional para proteger o meio ambiente, durante um conflito?
Sim, no âmbito do direito humanitário, e abrange uma série de princípios para prevenir um dano ambiental excessivo. Deu-se nos anos 1970, após a Guerra do Vietnã, e considera que o meio ambiente é um objeto civil e, portanto, não deve ser atacado. Mas, na verdade, nunca vemos consequências.
Nos últimos dez anos, houve movimentos para endurecer as normas sobre o dano ambiental, antes e durante um conflito, mas a proteção ambiental é muito permissiva em uma guerra. Nunca houve um país que tenha sido acusado por danos ambientais, durante uma guerra.
O único caso registrado remonta à Guerra do Golfo, de 1991, quando se criou uma comissão de compensação e a Organização das Nações Unidas alegou danos ambientais devido à invasão do Kuwait pelo Iraque, mas só pôde acontecer por causa da política daquela época e porque grande parte do dinheiro do petróleo do Iraque ia para outros países.
Há anos, sua organização pesquisa o impacto ambiental das guerras. Existe alguma, nesse sentido, que você considera especialmente grave?
Na Segunda Guerra Mundial, os impactos ambientais foram muito bem documentados, mas a verdade é que não há muita informação, até os anos 1970, do desmatamento pela guerra do Vietnã, Laos e Camboja, e é claro pelo uso de napalm. O Iraque traz a memória dos incêndios em tanques de petróleo.
Agora, na Ucrânia, Mariupol tem uma fábrica de aço no meio da cidade, há incêndios em armazéns que não sabemos o que continham e as pessoas estão respirando isso. A explosão de armamento pesado em áreas industriais e nas cidades é agora o que parece mais preocupante, é um grande risco ambiental.
De que forma esse conflito está paralisando os esforços para combater uma crise global como as mudanças climáticas?
É uma pergunta difícil de responder. A curto prazo, observamos como o conflito desviou a atenção dos esforços globais contra a crise climática. A longo prazo, se o conflito forçar a muito esperada revisão da política energética europeia e sua dependência das energias fósseis, talvez possa acelerar a transição energética que precisamos de forma urgente. Mas isso pode ser apenas um desejo, especialmente se os governos voltarem ao carvão ou ao gás de xisto.
Quais são os impactos de uma guerra no aquecimento?
O impacto dos conflitos nas emissões é muito complexo e muito pouco estudado. Algumas emissões podem ser reduzidas pela paralisação econômica, mas existem muitas outras formas em que as emissões de outros setores podem aumentar. Isso também acontece em tempos de paz. Por exemplo, após um conflito, muitas vezes vemos grandes picos de desmatamento.
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“O uso de armamento pesado em áreas industriais da Ucrânia é um grande perigo ambiental”. Entrevista com Doug Weir - Instituto Humanitas Unisinos - IHU