Por: Jonas Jorge da Silva | 16 Fevereiro 2022
“Vocês, trabalhadores informais, independentes ou da economia popular, não têm um salário estável para resistir a esse momento... E as quarentenas são insuportáveis para vocês. Talvez seja a hora de pensar em um salário universal que reconheça e dignifique as tarefas nobres e insubstituíveis que vocês realizam”. (Papa Francisco)
Atento à realidade e profundamente comprometido com os descartados pelo sistema capitalista, Francisco se deixa envolver pelas interpelações da atual configuração do mundo do trabalho. Caminhando ao lado dos movimentos populares, não só está consciente das históricas regressões na agenda de direitos dos trabalhadores, como também propõe uma ampliação do entendimento do trabalho e de seu alcance.
Para aprofundar a perspectiva do Papa, no último dia 12 de fevereiro, o CEPAT, em parceria com o IHU e o OLMA, promoveu o debate intitulado O trabalho humano no magistério do Papa Francisco. O tema foi apresentado por André Langer (CEPAT/FAVI), que recentemente publicou um artigo com esse mesmo título nos Cadernos IHU Ideias n. 324.
André Langer do CEPAT e da FAVI na atividade "O trabalho humano no magistério do Papa Francisco"
Langer destacou que o Papa Francisco enxerga a pandemia como um divisor de águas, que exige uma nova abordagem aos problemas enfrentados pelos trabalhadores e trabalhadoras no mundo. Nesse sentido, voltar à “normalidade” de antes seria um erro. Próximo aos movimentos populares, Francisco conhece muito bem as consequências de uma economia que mata, por isso propõe uma nova relação com o trabalho.
Durante a sua apresentação, Langer ressaltou a preocupação do Papa com a dignidade do trabalho. Em um cenário de intensificação das desigualdades socioeconômicas, Francisco amplia a noção de trabalho, não se limitando a atrelar os direitos apenas aos vínculos empregatícios. O trabalho não pode ser alienado, deve estar em sintonia com a realização da pessoa humana, que deve ser o centro das relações estabelecidas no mundo do trabalho.
Na carta encíclica Laudato Si’, Francisco estabelece uma forte crítica ao paradigma tecnocrático, que reduz tudo à racionalidade técnico-científica e econômica. Segundo Langer, a superação desse paradigma passa por uma nova interpretação da realidade a partir da ecologia integral. Além de se centrar na dignidade humana, o trabalho e as relações que o envolvem também precisam de uma reorientação que problematize sua pegada ecológica.
André Langer do CEPAT e da FAVI e Cesar Sanson da UFRN na atividade "O trabalho humano no magistério do Papa Francisco"
Para Francisco, o grito dos pobres e o grito da terra são um único grito, pois tudo está interligado. De fato, existem determinadas visões reducionistas sobre o trabalho que o alia plenamente ao capitalismo predatório. Daí o chamado do Papa a repensar os atuais estilos de vida, modos de produção e consumo.
A pandemia é uma prova de que nem todas as atividades econômicas são imprescindíveis. Nesse sentido, Langer relembrou as provocações de Bruno Latour: quais atividades queremos que se extingam? Quais queremos manter e quais podemos potencializar?
Por último, Langer ressaltou que Francisco, a partir da experiência da pandemia, mas também em sintonia com suas reflexões ao longo do pontificado, ao ampliar o sentido e o alcance do que é o trabalho, incorpora a Renda Básica Universal e a Justiça Distributiva na agenda de direitos dos trabalhadores e trabalhadoras desse século XXI.
Uma das expressões do ponto de vista do Papa aparece claramente na carta que dirigiu aos integrantes dos movimentos populares e organizações sociais de todo o mundo, em abril de 2020, no calor da pandemia: “Talvez seja a hora de pensar em um salário universal que reconheça e dignifique as tarefas nobres e insubstituíveis que vocês realizam; capaz de garantir e tornar realidade esse slogan tão humano e cristão: nenhum trabalhador sem direitos”.
Igor Borck do CEPAT, André Langer do CEPAT e da FAVI e Cesar Sanson da UFRN na atividade "O trabalho humano no magistério do Papa Francisco"
Além dessa citação, Langer também fez menção ao livro Vamos sonhar juntos, no qual o Papa Francisco expõe quatro razões a favor da Renda Básica Universal: a possibilidade de rejeitar trabalhos precários, a segurança da pessoa em saber que as condições para a sobrevivência estão garantidas, o exercício de atividades sem fins lucrativos e a distribuição dos frutos do conhecimento coletivo privatizado (patentes).
Francisco olha para o trabalho sem as amarras da realpolititik. É preciso forjar novas relações de trabalho dignas, ecológicas e justas. Para isso, urge sair das análises estagnantes e sonhar alternativas.
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Francisco e as mudanças no mundo do trabalho - Instituto Humanitas Unisinos - IHU