08 Fevereiro 2022
“Você não pode ajudar a todos, mas pode ajudar aquela única pessoa. Lembre-se de que Jesus não curou ou consolou todos na Galileia ou na Judeia. Ele cuidou da única pessoa que estava à sua frente. Seja como Jesus”, escreve James Martin, S.J., consultor do Dicastério para a Comunicação do Vaticano, em artigo publicado originalmente na revista dos jesuítas estadunidenses America e reproduzida por Settimana News. A tradução é de Luisa Rabolini.
Todos estão fartos da pandemia e cansados de ouvir falar de Covid. Quando ligo o rádio na NPR pela manhã (que agora chamo de Nacional Pandemic Radio) a primeira palavra que ouço é sempre “Covid”, “coronavírus” ou “pandemia”. É difícil escapar. Então, vou resumir.
Nem vou tentar dourar a pílula ou falar muito sobre os "lados positivos". A pandemia é uma realidade terrível que todos nós enfrentamos, e parece que não vai desaparecer tão cedo. É assustadora, insana, incômoda, deprimente e angustiante. Além dos óbvios desafios para a saúde - especialmente para os imunocomprometidos e os trabalhadores da linha de frente - é emotivamente brutal.
Mas não é sem esperança. Encontrei na minha vida, e acompanhando outras pessoas, alguns conselhos tirados da espiritualidade cristã que me ajudaram a evitar o desespero.
O conselho mais importante pode não parecer particularmente espiritual, mas é: tomem a vacina (inclusive a terceira dose) se puderem. Usem a máscara. Mantenham o distanciamento social quando necessário. Evitem as grandes aglomerações em espaços fechados, especialmente quando houver picos de contágio, e se estiverem infectados por Covid-19, fiquem em casa.
Como eu disse, isso soa como um conselho prático, mas é basicamente um conselho espiritual (espiritual e prático geralmente andam de mãos dadas). Não se trata apenas de cuidar de si mesmos e da própria saúde, mas também de cuidar dos outros. Trata-se de reverenciar os outros. Como disse o Papa Francisco, vacinar-se é um “ato de amor”. Para ser mais franco que o papa: a vida não diz respeito apenas a você. Precisamos iniciar com esse conselho, porque ajudará você (e os outros) a sobreviver.
Cuidar de si mesmo também pode significar falar com um terapeuta, um diretor espiritual ou um amigo de confiança para lhe ajudar a navegar pela pandemia. Não há nada de errado em pedir ajuda. As pessoas sempre fazem isso nos evangelhos.
Santo Inácio de Loyola, fundador dos jesuítas, muitas vezes falava do "bom espírito" e do "mau espírito", que podemos definir como os impulsos que nos movem para Deus e os que nos afastam de Deus. E para aqueles que procuram levar uma boa vida, diz Santo Inácio, o bom espírito nos encoraja, nos conforta e nos eleva. O espírito que não vem de Deus, pelo contrário, nos derrubará, nos desanimará e nos causará “uma angústia excruciante” (existe frase melhor para o que sentimos nos últimos dois anos?).
Este é o conselho que usei com mais frequência - para mim mesmo ou para oferecê-lo a outros - durante a pandemia: a esperança vem de Deus; o desespero não. Sempre que você sentir dentro de si (ou em outras pessoas) vozes dizendo: "Não há esperança", "Estou condenado" ou "Não vou conseguir" - saiba que não vem de Deus (em certo momento, durante pandemia, um amigo disse: “Isso vai matar todos nós” - e eu disse a ele que definitivamente não vinha de Deus). Pelo contrário, escutar as vozes que dizem: "Sempre há esperança", "Não estou só" e "Posso conseguir". Siga a esperança, não o desespero.
Nos últimos dois anos, estive em quarentena várias vezes na minha comunidade jesuíta, devido a alguns membros da comunidade que resultaram positivos ao Covid. Nenhuma surpresa em uma casa com 12 homens! Por isso, muitas vezes me senti, como muitas pessoas, impotente para ajudar os outros. Mas sempre há algo que podemos fazer para ajudar a aliviar a carga emocional de alguém, mesmo que não possamos fazê-lo com sua carga viral.
Se o seu celular ou computador funcionar, você sempre pode entrar em contato com alguém que está mais assustado ou sozinho que você. Você ficaria surpreso com o quanto um telefonema, um e-mail, uma mensagem de texto ou - Deus me livre - um bilhete ou cartão postal pelo correio, possam ajudar alguém a se sentir mais confiante (não há necessidade de muito dinheiro, de um diploma ou formação especial para ajudar outra pessoa). Inclusive fazer alguém rir pode ser um ato de amor.
Você não pode ajudar a todos, mas pode ajudar aquela única pessoa. Lembre-se de que Jesus não curou ou consolou todos na Galileia ou na Judeia. Ele cuidou da única pessoa que estava à sua frente. Seja como Jesus.
Todos os dias acordo e, como não vou mais ao escritório, olho para as mesmas quatro paredes do meu quarto relativamente pequeno. E, aliás, a vista da minha janela não é lá grande coisa. Minha janela dá para um beco e para as fachadas de tijolos de vários edifícios. Eu posso ver cerca de três centímetros de céu. E, é claro, não estou viajando para lugar nenhum nestes dias, como a maioria das pessoas. No começo, eu disse a uma terapeuta: "Vou enlouquecer se não sair de Nova York?" Ela riu e disse: "Você não vai enlouquecer nem mesmo se nunca sair do seu quarto."
Um dia acordei, olhei pela janela e entendi: “Espere um minuto. Os monges fazem isso há séculos. Claro, poucos de nós vivem em belíssimos mosteiros em ambientes silvestres (nem mesmo eu), mas todos podemos tentar encontrar Deus em nossas tarefas cotidianas, mesmo que pareçam, à primeira vista, enfadonhas. Muito disso é perceber e apreciar até os menores momentos de graça.
Há alguns anos assisti ao filme “Into Great Silence”, sobre a vida tranquila dos monges da Grande Chartreuse na França, que faziam as mesmas coisas todos os dias. Por décadas. Em uma cena, um monge simplesmente comia um pedaço de fruta enquanto olhava fixamente para a porta de sua cela. De certa forma, somos todos monges agora. E todos nós, especialmente agora, somos chamados a tentar encontrar Deus inclusive nas coisas banais. Nestes dias muitas vezes penso naquele sujeito que fica comendo a fruta.
No início da pandemia, um jesuíta idoso de nossa comunidade nos disse durante sua homilia: "Bem, sempre esperamos ter mais tempo para rezar, e agora o temos!". Sei que esta realidade é muito diferente para algumas pessoas - por exemplo, as famílias com crianças pequenas, onde muitos pais sentem que têm menos tempo e um espaço mais restrito, com as crianças em casa. Mas para muitas pessoas, não ter que se deslocar para o trabalho, uma pausa nas reuniões sociais e quase nenhuma viagem significa que têm mais tempo livre em casa.
Como meu amigo jesuíta disse, em tempos passados, muitas vezes dizíamos: "Se ao menos eu tivesse mais tempo para a oração e a leitura espiritual". Agora muitos de nós o temos. Então ore. Faça o exame de consciência todas as noites. Experimente uma oração mais contemplativa antes de começar o dia; imagine-se com Jesus e diga a ele como você se sente sobre a pandemia (eu fiz isso, então provavelmente ele não ficará surpreso quando você fizer isso). E leia ou releia algum livro espiritual que lhe ajudará a encontrar Deus mais facilmente.
Você pode gerir tudo isso. Você irá superar isso. Deus está com você. Vamos nos reencontrar do outro lado de tudo isso.
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Espiritualidade na Pandemia. Artigo de James Martin, SJ - Instituto Humanitas Unisinos - IHU