13 Janeiro 2022
"A ausência de diálogo tem por vezes levado a respostas conflitantes por parte das comunidades religiosas e seus líderes, induzindo grupos de fiéis a questionar, senão mesmo a se opor abertamente, a implementação de políticas estatais de contenção da pandemia", escreve Simone M. Varisco, em artigo publiocado por CaffèStoria, 12-02-2022. A tradução é de Luisa Rabolini.
O patriarca da Igreja Ortodoxa Sérvia escreve para Djokovic via Instagram e arrasta a "alma" do povo sérvio com ele no caso. Uma questão sanitária e política, mas sobretudo uma questão midiática.
“Caro Nole, sobre essas dificuldades e tentações que está atravessando no Natal, dia de toda alegria, amanhã restará apenas uma pálida sombra. Deus é grande e você sabe quem você é, porque você cresceu com o som dos sinos das investiduras dos Nemanjic [dinastia sérvia, ndr]. Milhões de sérvios ortodoxos estão orando por você, assim como por nós. Que o eterno calor e o amor da gruta de Belém possam aquecer e fortalecer seu coração e sua alma. Paz de Deus - Cristo nasceu!”.
Assim escreve a Novak “Nole” Djokovic, em uma mensagem em sua conta oficial do Instagram, o 46º patriarca da Igreja Ortodoxa Sérvia, Porfirije. O post foi divulgado em conjunto com a celebração ortodoxa do Natal, 7 de janeiro, e acompanhado de duas fotografias retratando Djokovic durante a cerimônia de outorga da Ordem de São Sava, honraria de instituição real, endossada pela Igreja Ortodoxa Sérvia no segundo pós-guerra.
De fato, em torno de Novak Djokovic - um verdadeiro símbolo nacional - uma grande torcida sérvia se reuniu nos últimos dias. No centro da história está o conhecido episódio da proibição de entrada na Austrália, onde o número um do tênis mundial masculino se apresentou bem preparado para o Aberto da Austrália, mas não igualmente em termos de vacinação contra a Covid.
Daí a transferência de Djokovic para o Park Hotel em Melbourne, um limbo utilizado durante anos pelas autoridades australianas para "alojar" imigrantes e requerentes de asilo sem pedigree, em alguns casos durante meses ou anos, sobre o qual só agora os holofotes foram acesos. Com a companhia de insetos e fotografias do cativeiro por trás das janelas.
Em meio a disputas cruzadas, sentenças e apelações, a questão judicial - e sobretudo política e midiática - parece não encontrar paz por enquanto. Por sua parte, durante a pandemia, Djokovic mostrou-se mais vezes intolerante com as medidas sanitárias e não brilha em termos de clareza sobre seu estado de vacinação. O atestado de estima recebido agora do Patriarcado Ortodoxo Sérvio também poderia arrastar a "alma" do povo sérvio para o caso, especialmente em meios aos feriados.
Apesar da situação sanitária, a maioria dos representantes da Igreja Ortodoxa Sérvia, incluindo o Patriarca Porfirije, apareceu em público sem máscara durante as numerosas celebrações. Um grande número de membros do clero ortodoxo sérvio contraiu Covid-19 nos últimos dois anos: entre eles, o Metropolita do Montenegro, Amfilohije Radović, que faleceu devido ao novo coronavírus em outubro de 2020, e o Patriarca sérvio Irinej, antecessor de Porfirije, que foi infectado justamente durante o funeral de Amfilohije e faleceu menos de um mês depois.
A atitude das hierarquias eclesiásticas é, ao mesmo tempo, espelho e causa do sentimento comum dos fiéis. Se a cobertura vacinal na Sérvia está entre as mais altas da região, isso se deve apenas ao padrão de baixa cobertura dos Balcãs e da Europa do Leste: menos da metade da população sérvia (48%) recebeu pelo menos uma dose da vacina e pouco mais de um quarto (25,4%) recebeu o reforço após completar o primeiro ciclo de vacinação. No momento, o total de mortes no país devido à Covid-19 está próximo de 13.000.
De acordo com as projeções de 2020 divulgadas pelo Pew Research Center, os cristãos representariam 91,6% da população da Sérvia, majoritariamente ortodoxos (quase 6 dos cerca de 7 milhões de habitantes, contra 430.000 católicos), enquanto apenas 3% da população professa ser muçulmana.
Indo além das aparências, porém, os números contam uma história diferente. De acordo com os resultados de uma pesquisa divulgada há alguns meses pelo INVENT, um projeto de pesquisa da União Europeia, de fato, se é verdade que mais de 95% dos sérvios declaram pertencer a uma das comunidades religiosas do país, menos de 75% dos habitantes se consideram uma pessoa efetivamente "religiosa".
E os percentuais despencam quando se olha para a prática religiosa: apenas 15,7% dos entrevistados rezam (quase) diariamente e 6,9% frequentam um local de culto pelo menos uma vez por semana, práticas comuns às principais religiões e indicativas de envolvimento pessoal efetivo. Parafraseando o que dizia a socióloga inglesa Grace Davie no final do século passado, estamos diante do “pertencer sem crer”.
Os longos meses da pandemia estão demonstrando que o sucesso efetivo das intervenções em termos de saúde pública depende muito de sua aceitação pela população. E, apesar dos dados pouco animadores, a fé - ou algo semelhante - continua ocupando um lugar importante na vida das pessoas, pelo menos formalmente.
Se, da frente católica, a voz do Papa Francisco se eleva com força a favor da vacinação ("Continuar o esforço para imunizar o máximo possível a população", mesmo contra os "fortes empecilhos ideológicos" que dificultam a campanha de vacinação, repetiu ontem), faltam posições semelhantes em outros contextos. Mas luzes e sombras não pertencem apenas à comunidade ortodoxa.
Durante a pandemia, muito se falou em cerimônias religiosas e momentos rituais específicos (funerais, casamentos), de forma a minimizar o risco de transmissão de doenças. Por outro lado, as ocasiões que viram o envolvimento de instituições e organizações religiosas na melhoria da saúde pública foram muito mais raras.
De modo que, por razões e em contextos inclusive muito distintos, a ausência de diálogo tem por vezes levado a respostas conflitantes por parte das comunidades religiosas e seus líderes, induzindo grupos de fiéis a questionar, senão mesmo a se opor abertamente, a implementação de políticas estatais de contenção da pandemia.
Poderia haver espaço - e razões - para uma colaboração mútua mais intensa? Para a maior glória de Deus, ou pelo menos para a saúde de nós, pobres diabos.
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Djokovic, a vacina e o patriarca - Instituto Humanitas Unisinos - IHU