12 Janeiro 2022
"Enquanto fazia meu doutorado em matemática na Universidade da Pensilvânia, conheci um homossexual, Dominic Bash, durante uma missa em casa. Ele me disse que tinha muitos amigos gays que teriam gostado de participar, então começamos a realizar liturgias semanais em seu apartamento. Era 1971. Aquela primeira missa ficará para sempre gravada na minha alma. Foi o chamado de Deus na minha vida”. A Irmã Jeannine Gramick, 79 anos, trabalha com pessoas LGBT nos Estados Unidos há cinquenta anos.
“Quando os amigos de Dominic chegaram, senti a sua apreensão. Mas durante a Missa percebi que eles se sentiam novamente próximos da Igreja que amavam. Eu vi a luz em seus olhos, a felicidade em seus rostos. As lágrimas de alegria de um homem que segurava seu rosário com força. Ele me disse que anos antes havia sido expulso do confessionário, o padre havia lhe dito que ele iria para o inferno”. Em 1999, o antigo Santo Ofício a proibiu de continuar sua missão. No mês passado, o Papa Francisco escreveu a ela para agradecer por tudo que ela fez e continua a fazer.
A entrevista com Jeannine Gramick é de Gian Guido Vecchi, publicada por Corriere della Sera, 11-01-2022. A tradução é de Luisa Rabolini.
Irmã Jeannine, o que essa carta significou?
Fiquei muito feliz em receber a carta de Francisco sobre meus 50 anos de ministério LGBT e honrada porque ele comparou minha maneira de fazer com o ‘estilo de Deus’ de ‘proximidade, compaixão e ternura’. Estava escrita à mão, como uma carta de um amigo. Pensei no Evangelho de João: ‘Já não vos chamo servos, mas chamo-vos amigos’. Os católicos discordam em muitas questões, mas Jesus e o Papa nos chamam a compartilhar as opiniões e a viver como uma comunidade de amigos.
Qual era a situação quando começou?
Para os católicos LGBT, nos anos 1970 e 80, era de medo e rejeição. A maioria ficava escondida e muitos, caso se declarassem, eram rejeitados pela família e pela sociedade. Eles se sentiam estranhos à Igreja porque a Igreja não os queria. Hoje é muito diferente, centenas de paróquias acolhem católicas lésbicas e gays, mas precisamos de muito mais paróquias para ser uma Igreja onde todos os católicos marginalizados possam se sentir à vontade. As pessoas transgênero ainda são tratadas com medo e rejeição.
O que você e o padre Robert Nugent fizeram quando fundaram o "New Ways Ministry"?
Acreditávamos que o medo, pelo desconhecimento da sexualidade, era a causa da rejeição das pessoas. Assim, realizamos oficinas educativas em cerca de três quartos das dioceses dos Estados Unidos.
Em 1999, a Congregação para a Doutrina da Fé, liderada pelo então Cardeal Joseph Ratzinger, proibiu vocês de continuarem, falando de "ambiguidades" e "erros". Para a revista America, a senhora disse que se sentiu "excomungada". No entanto, acrescentou sobre Ratzinger: "Acredito que seja um homem santo". Então, o que não foi entendido?
Não foi entendido que inevitavelmente haverá ambiguidade e confusão em questões complexas. A confusão e até os erros são inevitáveis. Mas isso se torna um momento de discussão, não de silêncio. Novas ideias muitas vezes confundem e causam ansiedade ou medo. Essas reações deveriam ser discutidas para que a comunidade da Igreja possa chegar a algum entendimento. Se cremos na presença do Espírito Santo, que conduzirá a Igreja à plenitude da verdade, então devemos deixar de lado nossos medos e permanecer na nossa fé.
O que mudou?
Desde 1999, o mundo e a Igreja mudaram. Não temos mais um laicato que simplesmente se limita a ‘pagar, orar e obedecer’. O Povo de Deus não aceita sem reservas os pronunciamentos dos líderes da Igreja. Mesmo os bispos não agem mais de acordo com os planos articulados do Papa. Se essa mudança não é uma verdadeira rebelião, então é um sinal de crescimento, as pessoas estão começando a pensar e agir de acordo com sua própria consciência. O povo de Deus está começando a entender que o lugar de autoridade não reside nos bispos ou mesmo em nosso bom Papa Francisco. O lugar da autoridade reside em toda a Igreja, guiada pelo Espírito Santo. Francisco nos lembrou: ‘A Igreja é o povo de Deus em um caminho através da história... E o conjunto dos fiéis é infalível in credendo...’. Mas precisamos mudar mais. A responsabilidade é de cada membro do Corpo de Cristo. A plenitude da Igreja só acontecerá se não nos calarmos. É aqui que o Papa está nos conduzindo com suavidade, convocando os sínodos mundiais. Após uma discussão mundial, o Espírito Santo começará a esclarecer o juízo.
O que a senhora diria para aqueles que, na Igreja, a contestam?
Acredito que eles têm preocupações e ansiedades profundas, enraizadas no medo da mudança. Eu entendo, eu mesmo considero difíceis muitas mudanças. Digo a eles que somos verdadeiramente um no que importa. Todos cremos no Evangelho de Jesus que nos ensinou a seguir as bem-aventuranças do amor, do cuidado e da misericórdia. Rezo para que todos possamos ver que essas diferenças são dons que podem enriquecer a família humana.
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“Minha vida para os fiéis LGBT. Feliz com a carta do Papa”. Entrevista com Jeannine Gramick - Instituto Humanitas Unisinos - IHU