23 Novembro 2021
“Era tão lindo!”, repetia emocionado o monge trapista Jean-Pierre Schumacher, ao relembrar os longos anos de vida fraterna vividos junto com seus coirmãos no mosteiro argelino de Tibhirine, massacrados em 1996 em um dos eventos mais claros de martírio cristão das últimas décadas. Agora ele também, o último "sobrevivente" de Thibirine, deixou este mundo. O seu coração parou na manhã de domingo, 21 de novembro, festa de Cristo Rei do Universo, na tranquilidade do mosteiro de Notre-Dame de l'Atlas, localizado em Midelt, nas encostas do Atlas marroquino, o último reduto trapista no Norte da África.
A reportagem é publicada por Agência Fides, 22-11-2021. A tradução é de Luisa Rabolini.
Frère Jean-Pierre completaria 98 anos em fevereiro. Ele havia se mudado como monge para a Argélia em 1967. A comoção que umedecia seus olhos quando ele se lembrava do dia a dia monástico tocado pela graça e compartilhado com seus coirmãos mártires, promessa do Paraíso ("Era tão lindo!") era o luminoso sinal de que não o heroísmo nem a dedicação, mas apenas a gratidão por uma alegria saboreada, pode levara a confessar a fé em Cristo e alimentar todo testemunho cristão autêntico, até ao martírio.
O superior Christian de Chergé e os outros seis coirmãos monges de frère Jean-Pierre (beatificados em 8 de dezembro de 2018 juntamente com outros 12 mártires da Argélia) haviam sido sequestrados na noite entre 26 e 27 de março de 1996, no país devastado pela guerra civil. Ele, junto com o outro Amèdèe (falecido em 2008), havia escapado do sequestro porque naquela noite estava de serviço na portaria, em um prédio adjacente ao mosteiro. Dois meses após o sequestro, as cabeças decepadas dos 7 monges foram encontradas ao longo de uma estrada. Os autores do massacre nunca foram identificados com certeza. A tese oficial atribuía o massacre aos bandos clandestinos do Grupo Islâmico Armado (organização terrorista islâmica nascida em 1991 depois que o governo se recusou a reconhecer os resultados eleitorais favoráveis às forças islâmicas), enquanto as investigações conduzidas por pesquisadores independentes indicaram a pista de uma possível implicação naquele caso dos serviços secretos militares argelinos.
Quatro anos após o martírio de seus coirmãos, Jean-Pierre mudou-se para o Marrocos, tornando-se prior da comunidade trapista de Notre-Dame de l'Atlas. Várias vezes confessou o peso de uma pergunta que sempre o acompanhava: “Por que o Senhor me permitiu ficar vivo?”. Com o tempo, percebeu que o seu destino de "sobrevivente" do massacre coincidia com a missão de "testemunhar os acontecimentos de Tibhirine e divulgar a experiência de comunhão com os nossos irmãos muçulmanos, que continuamos agora aqui no mosteiro de Midelt, no Marrocos".
O encontro do Papa Francisco, na catedral de Rabat, com o irmão Jean Pierre Schumacher, o último sobrevivente de Tibhirine, em 31 de março de 2019, durante sua visita ao Marrocos. (Foto: Vatican Media)
Na sua nova casa, o frére Jean-Pierre e o frère Amédée definiam-se como o “pequeno remanescente” de Tibhirine: “A nossa presença no mosteiro - contou - era um sinal de fidelidade ao Evangelho, à Igreja e à população argelina". Os trapistas de Tibhirine não "queriam" se tornar mártires. Mas, em fidelidade à sua vocação monástica, quiseram compartilhar com todos os argelinos o risco de serem alvos de uma violência cega, que naqueles anos ensanguentava o país e multiplicava os massacres de inocentes.
Captura de tela de cena do filme "Homens e Deuses".
Como franceses, eles podiam partir, mas não o fizeram. “Em Tibhirine - contou frère Jean-Pierre ao jornalista francês François Vayne - os sinos do mosteiro tocavam e os muçulmanos nunca nos pediram para os silenciar. Respeitamo-nos uns aos outros no âmago da nossa vocação comum: adorar a Deus”. Nos últimos anos, o monge de Tibhirine também cumpriu a sua missão com o seu abençoado sorriso de criança com que desarmava os assaltos - por vezes carregados de brutal ignorância - com que determinados profissionais das comunicações assediavam à sua paz de vida no mosteiro, em busca de qualquer palavra de efeito para ser relançada nas agências. Com aquele sorriso, o frère Jean-Pierre deu um testemunho sem paralelo do tesouro de uma experiência monástica que encontrou nas fontes da oração e da liturgia os caminhos surpreendentes para confessar o nome de Cristo com palavras e atos também entre os filhos da Umma de Maomé: “No Marrocos”- dizia o monge que escapou do massacre de Tibhirine - “vivemos essa comunhão na oração, quando nos levantamos à noite para rezar, na mesma hora em que os nossos vizinhos muçulmanos são acordados pelo muezim”. “A fidelidade ao encontro da oração - acrescentava frère Jean-Pierre - é o segredo da nossa amizade com os muçulmanos”.
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Adeus ao monge “sobrevivente” Jean-Pierre Schumacher, último companheiro dos mártires de Tibhirine - Instituto Humanitas Unisinos - IHU