05 Agosto 2021
Hoje, na Argentina e em outros lugares da América Latina, lembra-se o 45º aniversário do assassinato do bispo de La Rioja, D. Enrique Angelelli e três outros declarados mártires, sobre cuja morte o bispo estava investigando: um padre francês fidei donum, Gabriel Longueville, um frade franciscano argentino, Carlos de Dios Murias, e um pai de família leigo, Wenceslao Perderner. Os 4 mártires foram beatificados em 27 de abril de 2019 na Argentina durante a celebração eucarística presidida pelo Cardeal Angelo Becciu, então Prefeito da Congregação para as Causas dos Santos.
A reportagem é de Francesco Gagliano, publicada por Il Sismografo, 04-08-2021. A tradução é de Luisa Rabolini.
D. Enrique Angelelli foi morto em 4 de agosto de 1976 em um falso "acidente automobilístico" provocado ao Fiat 125, no qual viajava com um sacerdote que resultou gravemente ferido. O arcebispo Angelelli, bispo de La Rioja, era considerado "um bispo incômodo e insidioso" segundo a definição utilizada várias vezes pelos militares que governavam o país sul-americano sob a liderança do ditador Jorge Videla. Está entre os primeiros bispos latino-americanos mortos pela violência política, mas seu sacrifício foi reconhecido por último. Na prática, por 35 anos, a opinião geral sobre as verdadeiras causas da morte do bispo, dentro e fora da Igreja argentina e também no exterior, foi aquela divulgada desde o primeiro momento: "um triste acidente automobilístico". No entanto, muitos questionaram imediatamente a versão oficial.
O L'Osservatore Romano falou de um "estranho acidente". A verdade, porém, teve muitas dificuldades para vir à tona e apenas hoje existe uma esperança bem fundada de poder fazer justiça a um pastor exemplar cujo martírio permaneceu escondido sob uma montanha de mentiras, omissões e calúnias. Depois de muitas décadas, portanto, agora é certo que o nome de D. Enrique Angelelli deve ser adicionado à triste lista de dezenas e dezenas de sacerdotes, mas também de leigos e religiosas, que nos últimos cinquenta anos foram vítimas, na América Latina, da repressão militar, do crime organizado (narcotráfico), pelos paramilitares e pelos guerrilheiros. Entre esses pastores a serem lembrados: D. Oscar Romero (24 de março de 1980, El Salvador), Cardeal Juan J. Posadas Ocampo (24 de maio de 1993, México), D. Isaias Duarte Cancino (16 de março de 2002, Colômbia) e D. Jesùs Jaramillo (20 de outubro de 1989, Colômbia), que será proclamado beato no dia 8 de setembro.
Esta lembrança do próximo sábado vem no momento em que um tribunal federal de Buenos Aires indicia o ex-ditador Videla, seu ministro do Interior, o ex-general Luciano Benjamín Menéndeze e dois outros militares, todos gravemente suspeitos de terem organizado e assassinado D. Angelelli. As motivações do tribunal são precisas: “o homicídio de D. Angelelli e a tentativa de homicídio de Pinto (NdR: Padre Arturo Aído Pinto, que viajava com o bispo) faz parte do plano sistemático das Forças Armadas para eliminar pessoas incômodas”, escreve o jornal “La Voz Interior”. A justiça argentina reabriu o caso apenas em 2010, depois que inúmeras testemunhas, pessoas bem informadas, alguns ex-militares "arrependidos" e provas contundentes, evidenciaram a falsidade da tese oficial do acidente automobilístico.
Pintura de Enrique Angelelli. (Foto: Consolata América)
Além disso, as investigações, nunca realizadas antes, permitiram saber com certeza que o bispo foi morto também porque carregava no seu carro toda a documentação que comprovava inequivocamente que, duas semanas antes, os sacerdotes Carlos de Dios Murias e Gabriel Longueville, haviam sido mortos pelas forças repressivas da ditadura. Recorde-se que Jorge Videla, já condenado à prisão perpétua por crimes contra a humanidade, foi recentemente condenado a mais 50 anos de prisão por furto de recém-nascidos de mulheres dissidentes que davam à luz na prisão, os quais eram então entregues em adoção a casais próximos dos militares.
Em 4 de agosto de 1976, enquanto D. Enrique Angelelli estava em seu carro (depois de celebrar a missa em El Chamical) dirigido pelo padre Arturo Pinto, foi cercado por um veículo que transportava três militares. O Fiat 125 do bispo foi abalroado várias vezes e capotado. O falso processo foi encerrado em 1987 sem qualquer veredicto (atendendo as famigeradas leis de Devida Obediência e Ponto Final), ou melhor, com a confirmação da tese do acidente. Em 2004, o juiz Herrera Piedrabuena, tendo mudado o clima político do país há tempo empenhado na busca da verdade sobre as violações dos direitos humanos durante os regimes militares, ouviu 14 pessoas suspeitas, incluindo o próprio Videla. Em 2 de agosto de 2006, entre outras coisas, o falecido Presidente Néstor Kirchner decretou, em homenagem ao prelado, um dia de luto nacional em 4 de agosto de cada ano.
Beatos Argentinos (Foto: Acción Católica Argentina)
O bispo Angelelli, poucas semanas antes de sua morte, havia pedido ao comandante da Terceira Arma, general Luciano Benjamin Mendez, informações sobre os dois padres e um leigo desaparecidos. Foi então que o bispo ouviu o general Mendez responder: “Excelência, o senhor deve ter muito cuidado!”.
Dom Enrique Angelelli, nascido em 17 de junho de 1923 e morto aos 53 anos, foi uma das milhares de vítimas do famigerado "Processo de Reorganização Nacional", eufemismo com que várias ditaduras militares argentinas (março de 1976 - dezembro de 1983) chamaram a política e a técnica, sistemáticas e planejadas, destinadas a eliminar fisicamente todo tipo de opositor. Angelelli entrou no seminário muito jovem, aos 15 anos. Foi ordenado sacerdote em Roma e em 9 de outubro de 1949 voltou à Argentina, a Córdoba, cidade da qual foi nomeado Auxiliar por João XXIII em 12 de dezembro de 1960.
Enrique Angelelli estava ao lado dos pobres (Foto: Blog Aportes En La Crisis)
Desde o início a sua pastoral, muito sensível à promoção humana e muito próxima dos mais pobres, teve o apoio dos fiéis, mas ao mesmo tempo não faltaram resistências. Em 1964 foi afastado do cargo e isso foi fundamental para ele, pois lhe permitiu participar nas sessões do Concílio Ecumênico Vaticano II. Em 3 de julho de 1968, o Papa Paulo VI nomeou D. Angelelli bispo da diocese de La Rioja. Sua vida episcopal não foi fácil. Desde o primeiro momento a sua obra e presença pastoral entre os sindicatos, os camponeses, os operários e os estudantes foi julgada por muitos como "um magistério irresponsável e ideológico".
Em 13 de junho de 1973, D. Angelelli visitou a cidade de Anillaco, cidade natal do ex-presidente Carlos Menem. A recepção do bispo foi muito hostil. Proprietários de terras e políticos anticlericais, liderados pelo governador Amado Menen, irmão do ex-presidente, em protesto contra D. Angelelli, por seu apoio às cooperativas rurais, invadiram com violência a igreja onde era celebrada a Santa Missa. A reação do bispo foi imediata: suspendeu a missa, exortando os violentos a abandonarem o templo. Dom Vicente Zazpe Faustin, arcebispo de Santa Fé e superior da Companhia de Jesus, padre Pedro Arrupe, foram encarregados de realizar uma investigação e, no final, expressaram ampla solidariedade ao bispo e declararam que seu comportamento foi correto.
Em junho de 2011, o processo de investigação começou formalmente para pedir uma possível beatificação de Carlos de Dios Murias e Gabriel Longueville que, segundo as provas em poder de D. Angelelli foram mortos pelos militares. Em 18 de julho de 1976, os padres de La Rioja (Chamical) foram sequestrados por um grupo de "desconhecidos". Alguns dias depois, os corpos dos dois padres foram encontrados com evidentes sinais de tortura. Enquanto isso, uma semana depois, surgiram notícias sobre um leigo, Wenceslao Pedernera, sequestrado e executado na localidade de Sañogasta. O processo diocesano por uma eventual causa de beatificação foi aberto há dois meses pelo bispo de La Rioja, Mons. Roberto Rodríguez, que confiou o delicado dossiê às mãos de Angelo Paleri. Da morte dessas três pessoas estava tratando, com uma apurada investigação, D. Enrique Angelelli e por isso foi morto.
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Há quarenta e cinco anos, o assassinato de D. Enrique Angelelli, hoje beato, e por décadas considerado vítima de um acidente automobilístico - Instituto Humanitas Unisinos - IHU