Por: Jonas | 17 Agosto 2012
Cristina acaba de chegar de Córdoba com sua irmã. Mexe em algumas pastas e de uma bolsa tira duas fotos em preto e branco. O padre Carlos batiza um de seus filhos. Era janeiro de 1976. Na foto, Carlos está abraçado com ela: “Para mim disseram que esse abraço iria me acompanhar por toda a vida, é assim que, aqui, eu o imagino no julgamento”, disse.
Em La Rioja, começa o julgamento pelo homicídio de Carlos Murias e Gabriel Longueville. Os dois sacerdotes trabalhavam com o bispo Angelelli, que investigou suas mortes e que também foi assassinado.
“Para mim, o que pretendiam quando mataram Carlitos e Gabriel era transmitir uma mensagem ao bispo. Uma mensagem para que calasse a boca, porque quando presidiu a missa de corpo presente, Angelelli disse: ‘Atingiram-me onde mais me machuca’”, afirmou Cristina Murias, a irmã de Carlos, um dos mártires de Chamical. “Angelelli presidiu a missa. Chorava de maneira intensa, não se preocupava. Como ele chorava do púlpito! E dizia: ‘Onde mais me machuca! Porque eu conhecia Carlitos desde os 12 anos, e foi ordenado por mim! ’ Por isso, eu acredito que começaram por Carlitos, e em parte porque tinham a eles em mão.”
Trinta e seis anos depois, inicia-se o julgamento pelo assassinato dos sacerdotes Carlos de Deus Murias e Gabriel Longueville, da pastoral do bispo Enrique Angelelli, em uma paróquia de Chamical. Eles foram sequestrados no dia 18 de julho de 1976. Ficaram detidos na Base da Força Aérea do povoado e, dois dias depois, tiveram os corpos arremessados, com os olhos vendados e com marcas brutais de tortura. Angelelli, que tinha ordenado Carlos em Buenos Aires, presidiu a missa de corpo presente. Cinco dias mais tarde, fuzilaram um leigo e, quinze dias depois, executaram o bispo no falso acidente de direção, que sempre foi ocultado pela Igreja, como também uma pasta contendo as investigações dos crimes. O julgamento começa com uma trama cheia de pedidos e contrapedidos dos dois acusados para que seja paralisado. Porém, finalmente estamos aqui. A perseguição à pastoral e ao trabalho dos padres pelas terras, com o movimento campesino, será o eixo do julgamento.
A entrevista é de Alejandra Dandan, publicada no jornal Página/12, 16-08-2012. A tradução é do Cepat.
Eis a entrevista.
Carlos havia recebido ameaças?
No dia 24 de março, as detenções começaram. Dois padres foram detidos. Entretanto, o que faziam era detê-los na rota, quando iam de um lado para o outro. Faziam com que parassem o carro, ficavam quatro ou cinco horas interrogando-os e deixavam ir. Isto também com as freiras. Em seguida, eram delatados para a Base. Em junho, convocaram Carlitos. Sei disso por ele. Outro padre o acompanhou. Disseram-lhe: “Que cristianismo é o de vocês! Isso não é cristianismo!”. Entre março e junho houve muitas convocações. Depois surge o caso de Augusto Pereyra, que é convocado, não comparece e eles vão buscá-lo na casa de uma paroquiana. E é obrigado a ir. Eles diziam que Chamical era um ninho de guerrilheiros. Agora, eu acredito que Carlitos pressentia.
Por quê?
Nós estivemos com ele em junho (em Córdoba), quando papai morreu. Dissemos para que ele se cuidasse. “Não acredito que se acalorem com um bispo”, nos disse. Quando volta para Chamical, surge De Tomasso (alguém cujo nome está na causa, ligado a outro cenário em que um comodoro, de sobrenome Bario, em começos dos anos 1970, aparece como dono de uma extensão de 68 mil hectares, no oeste de Chamical. Carlos, Gabriel e Angelelli trabalhavam com os camponeses desta região para tentar alguma organização contra aqueles que queriam enganá-los. De Tomasso reapareceu em Córdoba enquanto esses trabalhos eram levados adiante). Um dia nos disse: “Digam para seu cunhado para que cale a boca!” Nessa noite fomos ao telefone de minha mamãe. Ligamos para Carlitos e ele nos disse: “Não voltem a ligar para a paróquia, nem me falem da casa de mamãe. Não importa, nós já sabemos”. Como não iam saber, se a Base estava em frente à paróquia! Ou seja, não tinha que dizer aos militares o que eles faziam.
Um dia antes do sequestro, Carlos presidiu uma missa.
Os paroquianos dizem que a missa acontece na paróquia de Santa Bárbara. E quando a missa termina: “Rezem por este padre que está com a vida ameaçada”. Quando (um dos dois acusados do julgamento, o ex-comissário Domingo Benito) Vera lhes convocam para falar, mudam o que dizem. Vera sempre manobrou os fatos, desde o primeiro momento.
Como você vive este momento?
Com uma terrível ansiedade, com muita angústia porque nesta província somos minoria, esperando que a verdade apareça no final. Durante todos estes anos, tenho tratado de colaborar com tudo. Estou esperando que no final o bem triunfe sobre o mal.
A angústia é pelo que você considera uma blindagem política dos acusados?
Eu vejo que Vera, oriundo de Chamical e que todo mundo sabe que estava lá, pois foi visto, porque parou de ir à Igreja, nunca esteve preso nestes 36 anos. Possui parentes na Câmara de Chamical; seu advogado influencia no Superior Tribunal, e assim por diante. Eu vejo que ele possui muito respaldo político. E a angústia é porque numa outra oportunidade a Justiça provincial já fez um julgamento com apenas dois acusados (dois ex-condenados); nenhum juiz encontrou conexões locais, foram absolvidos e terminamos praticamente como os culpados. Agora me dá medo de que aconteça o mesmo, mas os advogados, a luta da Secretaria de Direitos Humanos e o promotor de Córdoba me encorajam.
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Padres assassinados na Argentina. O julgamento trinta e seis anos depois - Instituto Humanitas Unisinos - IHU