30 Outubro 2018
“Um ouvido para escutar a palavra de Deus e outro para escutar o povo”: esse foi o conselho do bispo argentino Enrique Angelelli, assassinado em 1976 e que será beatificado em La Rioja no dia 27 de abril de 2019, que o jovem Jorge Mario Bergoglio escutou em 1973. O Papa quis recordá-lo hoje diante de um grupo de jovens franceses que passaram um período naquela diocese argentina, seguindo as pegadas de Angelelli e de outros sacerdotes e leigos católicos assassinados, entre os quais está também o missionário francês Gabriel Longueville.
A reportagem é de Iacopo Scaramuzzi, publicada por Vatican Insider, 29-10-2018. A tradução é de Graziela Wolfart.
O franciscano conventual Carlos Murias e o sacerdote francês fidei donum Gabriel Longueville, da diocese de Viviers, foram sequestrados na base aérea Chamical, na Argentina, em 18 de julho de 1976. Foram torturados, assassinados e seus corpos foram encontrados dois dias depois; Wenceslao Pedernera, organizador do Movimento Rural Católico, foi assassinado em sua casa, na frente de sua mulher e suas três filhas, em 25 de julho seguinte. Poucos dias depois, o bispo de La Rioja, Enrique Angelelli (18 de julho de 1923 - 4 de agosto de 1976), ao voltar de Chamical, onde havia celebrado uma missa em memória de Murias e Longueville, faleceu no que a polícia e os magistrados definiram como um acidente automobilístico, até julho de 2015, quando, depois que o Vaticano enviou um documento chave, um tribunal estatal reconheceu que foi um homicídio e condenou à prisão perpétua o ex-general do exército Luciano Benjamin Menéndez, aos 86 anos, e o ex-comandante Luis Fernando Estrella, aos 82 anos, reconhecendo-os como autores intelectuais do crime.
Há alguns dias, segundo informações da Conferência Episcopal da Argentina, em um comunicado do bispo emérito de La Rioja, Marcelo Colombo, que agora é arcebispo de Mendoza, o substituto da Secretaria de Estado, monsenhor Edgar Peña Parra, anunciou que o Papa “aprovou que a celebração do rito de beatificação do venerável servo de Deus Enrique Ángel Angelelli Carletti, bispo de La Rioja, ocorra nesta cidade, no sábado, dia 27 de abril de 2019”.
“Conheci o padre Longueville”, afirmou hoje o Papa aos jovens da diocese de Viviers, acompanhados pelo bispo Jean-Louis Balsa. “Monsenhor Angelelli pregou para nós o retiro espiritual em 13 de junho de 1973, em La Rioja, quando fui eleito provincial [se refere provavelmente ao dia 31 de julho do mesmo ano, data em que Jorge Mario Bergoglio foi eleito superior da província argentina da Companhia de Jesus (nota da redação)]. Ali escutei um conselho seu: um ouvido para escutar a palavra de Deus e outro para escutar o povo. Não existe a evangelização de laboratório: a evangelização sempre se dá corpo a corpo, pessoalmente, do contrário não é evangelização: corpo a corpo com o povo de Deus, e corpo a corpo com a palavra de Deus”.
A evangelização se dá “no caminho”, disse o Papa, citando o Evangelho: “Jesus convidou os discípulos a evangelizar, não lhes disse: sentem-se, tomem um pouco de mate e evangelizem! Quando vocês se reúnem, pensem aonde podem ir: visitar um hospital, uma casa de repouso para idosos, uma creche. O bispo de vocês usou uma palavra sobre a evangelização, que em sua opinião, é uma das palavras mais importantes da pastoral: a doce e consoladora alegria de evangelizar. Se vocês estão evangelizando bem, isto lhes dará gosto, alegria. Sua frase foi tirada de Evangelii nuntiandi, o documento pastoral mais importante: em uma de suas reuniões podem ler toda a última parte. São Paulo VI diz esta frase e depois descreve os maus evangelizadores: tristes, desanimados, eu diria até um pouco azedos… É o melhor tratado sobre evangelização que existe”.
Francisco respondeu livremente às perguntas de alguns jovens franceses, com a ajuda de um intérprete. “Os que melhor entendem a palavra de Deus são os pobres, porque não põem nenhuma barreira a esta palavra, que é como uma espada que chega até o fundo do coração”, afirmou. “Quanto mais formos pobres de espírito, melhor a compreendemos. Vocês mesmos, peguem a Bíblia e o Evangelho, e pode ser que digam: “Não entendo isso, porque não tenho cultura”. Mas lhes digo: abram o livro, leiam, escutem e terão uma surpresa, algo que tocará o coração! É importante que a palavra de Deus não só entre pelos olhos ou ouvidos, mas que se ouça com o coração, com um coração aberto. Ao jovem rico que perguntava para Jesus o que fazer para alcançar a vida eterna, Jesus disse que vendesse suas posses, e o jovem não consegue porque está cheio de riqueza e, então, não tem o coração aberto. Quando tivermos a impressão de não compreender a palavra de Jesus, perguntemo-nos por que temos o coração cheio de outras coisas, um coração que não escuta”. A oração, explicou o Papa, deve ser feita “com o povo, em grupo: é mais forte porque estamos unidos na oração. Sim, eu posso estar sozinho e devo estar só para me encontrar com Ele na oração, mas só fisicamente, consciente de que comigo está toda a Igreja, está toda a comunidade: esta é a maneira de rezar do cristão”.
A uma jovem que lhe perguntou como continuar na França com o clima de fraternidade que viveu em sua experiência argentina, o Papa aconselhou que se encontrem regularmente, uma vez por semana ou por mês, “para recordar e renovar”. No que se refere ao serviço aos outros e à comunidade, que os jovens franceses puderam experimentar em La Rioja, “trabalhar juntos pelos outros – destacou Francisco – suscita em nós uma série de dimensões diferentes de humanidade: compreender-se, cooperar e também rezar juntos. É muito importante: se vocês dizem “vamos nos reunir e estudar sobre como temos que nos comportar, como devemos viver”, e fazem uma reunião por semana sobre o tema, não dura nem quatro semanas, e o grupo se dissolve! O diálogo entre vocês tem que ser feito com a mente, com o coração e com as mãos. Se não se dialoga assim, a conversa não dura. Por isso é importante que os jovens sujem as mãos, se comprometam”. Não faltaram algumas piadas com os jovens franceses durante o encontro. “Em La Rioja vocês cantaram, tomaram mate… provaram a ‘grapa’ do lugar? É a melhor do mundo!”, disse o Papa Francisco. Para se despedir acrescentou: “Obrigado pela viagem a La Rioja me desculpem por não ter um mate”.
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Bergoglio: um ouvido no Evangelho e outro no povo – o conselho dado por Angelelli - Instituto Humanitas Unisinos - IHU