08 Julho 2021
"A união de razão, vontade e sentimento com uma única palavra chama-se 'consciência', ou, poeticamente, 'coração'. Do termo coração vem o termo 'coragem'. E no final, para mim, o sentido da vida consiste na coragem que continua a acreditar consciente e responsavelmente nos altos ideais da humanidade (bem, justiça, verdade, beleza, amor) mesmo em um mundo como este. Esta é, de fato, a verdadeira fé", escreve o teólogo italiano Vito Mancuso, ex-professor da Teologia Moderna e Contemporânea da Universidade San Raffaele de Milão, e ex-professor de História das Doutrinas Teológicas da Universidade de Pádua, em artigo publicado por La Stampa, 06-07-2021. A tradução é de Luisa Rabolini.
Em busca do sentido pleno da nossa existência. Além dos dois dogmatismos contrapostos, racionalista e fideísta. Nessa época leitosa que não entendemos mais, e que por isso chamamos de pós-modernismo, nomeando apenas o que deixou de ser, estamos às voltas com imensos problemas e em grande parte inéditos, que se somam aos crônicos que desde sempre angustiam a humanidade.
Problemas de ética individual, como os da bioética do início e do fim da vida, de identidade de gênero e da relativa homofobia. Problemas de ética ambiental, como a mudança climática e destruição antrópica de ecossistemas inteiros. Problemas de ética social, como as crescentes desigualdades econômicas. Problemas educacionais, dados pela falta de uma visão compartilhada sobre o ser humano que leva nossas escolas a oferecer apenas instrução e nenhuma educação e formação, que, por outro lado, são justamente o que os garotos mais precisam. Problemas geopolíticos que se apresentam em cada rua de nossas cidades onde presenciamos o encontro e muitas vezes o confronto entre civilizações diferentes, sem o menor vislumbre de qual futuro nos espera.
A sociedade é cada vez mais governada por mecanismos que induzem muitos a falar em pós-humano, com a tecnologia transferindo nossa inteligência para as máquinas, prefigurando a transição de Homo sapiens para Machina sapiens, enquanto nos tornamos cada vez mais máquinas e somos cada vez mais tratados por maquinários. Nesse cenário, a última coisa de que precisamos é a velha contraposição ideológica fé/razão. O que precisamos em vez disso? De esclarecer nossas ideias da maneira mais honesta possível sobre nossa essência mais autêntica como seres humanos. Quem realmente nós somos? Quem é o Homo sapiens?
Durante a sua existência, Norberto Bobbio sempre se definiu estranho à fé, às vezes explicitamente não crente: "Não sou um homem de fé, sou um homem de razão e desconfio de todas as crenças" (MicroMega. Almanacco di filosofia 2/2000, p. 7). Depois de sua morte, porém, em 10 de janeiro de 2004, foi publicado um texto neste jornal, agora conhecido como Últimas Vontades, no qual o filósofo escreveu: “Não me considero ateu nem agnóstico. Como homem de razão, não de fé, sei que estou imerso no mistério que a razão não pode penetrar até o fundo e que as várias religiões interpretam de várias maneiras”. Com essas palavras, Bobbio descreve uma relação completamente diferente entre razão e fé em comparação com a abordagem dominante.
De fato, costuma-se acreditar que a razão exclui totalmente o mistério para introduzir a clareza de raciocínio, e que, ao contrário, a fé apela ao mistério para revelar verdades chamadas "dogmas" e preceitos chamados "mandamentos". Bobbio inverte a perspectiva: é a razão que entende que estamos "imersos no mistério", a respeito do qual as várias religiões são todas interpretações imperfeitas. Ele supera assim os dois dogmatismos contrapostos: o racionalista, segundo o qual a razão é luz e a fé, obscuridade, e o fideísta, segundo o qual a razão é escuridão e fé luz, e, em vez disso, afirma um estatuto completamente peculiar: razão e fé são ambas obscuridade. É a chamada "douta ignorância" com respeito ao sentido último da vida, a que pode-se aderir tanto de uma perspectiva crente como não crente e que, naqueles que a assumem, gera "mansidão", para retomar uma virtude tão amada por Bobbio, que lhe fez um memorável elogio e da qual o nosso tempo tem uma imensa necessidade. Não precisamos mais nos dividir entre aqueles que creem e aqueles que não creem; ao contrário, precisamos nos unir no exercício do pensamento, mansos, isto é, sem a vontade de primazia, para pensar e compreender a nós mesmos.
A esse respeito, considero que nossa particularidade mais preciosa consiste em poder perceber o que Bobbio chamava de mistério, cuja manifestação mais sublime é a consciência moral e a responsabilidade que dela emana. Quem somos nós então? Somos inteligências capazes de admiração e livre vontades capazes de responsabilidade.
Nossas características mais específicas (a estatura ereta, o neocórtex, o código genético, a inteligência analítica, a razão sintética, o sentimento, a inteligência emocional) não são tais a nos encerrar em uma definição: ainda permanecemos indefinidos por causa de um espaço vazio dentro de nós que podemos chamar de caos, uma antiga palavra grega que deveria ser escrita chaos e que significa propriamente "vazio", "abismo". Em cada um de nós move-se uma quantidade indeterminada de energia cuja ação é essencial, para o bem ou para o mal, para ter a plenitude de um ser humano. Estou falando da liberdade, sem a qual não há humanidade, e que talvez constitua o maior mistério do universo.
O valor de um ser humano depende, portanto, de sua capacidade de liberdade. O que significa que devemos fazer de tudo para proteger nosso caos e direcioná-lo para produzir consciência e criatividade, porém sempre permanecendo a possibilidade renovada de caos. Assim, realiza-se a sutil dialética da vida, que é a capacidade de obediência e de rebelião, de resistência e de entrega, de imitação e de livre criação. Em uma palavra, de responsabilidade.
Se penso nas grandes mulheres e nos grandes homens que conheci, vejo que o que os torna grandes aos meus olhos é muito mais do que a mera razão. O ser humano é razão, mas também é vontade e sentimento, e acredito que o sentido pleno da nossa existência seja dado pela combinação de razão, vontade e sentimento. É sua união que cria um ser humano autêntico. A união de razão, vontade e sentimento com uma única palavra chama-se "consciência", ou, poeticamente, "coração". Do termo coração vem o termo "coragem". E no final, para mim, o sentido da vida consiste na coragem que continua a acreditar consciente e responsavelmente nos altos ideais da humanidade (bem, justiça, verdade, beleza, amor) mesmo em um mundo como este. Esta é, de fato, a verdadeira fé.
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A coragem da responsabilidade. Artigo de Vito Mancuso - Instituto Humanitas Unisinos - IHU