12 Setembro 2013
A carta que o Papa Francisco me enviou é "escandalosamente fascinante", mais uma prova da sua capacidade e desejo de superar as barreiras dialogando com todos em busca da paz, do amor e do testemunho. Dito isso, resumo aqui as perguntas e as reflexões que eu fiz e às quais o papa responde, a fim de que os leitores tenham bem claro o quadro dentro do qual se desenvolve este diálogo.
A opinião é de Eugenio Scalfari, jornalista e fundador do jornal italiano La Repubblica, 11-09-2013. A tradução é de Moisés Sbardelotto.
Eis o texto.
Francisco decidiu responder às perguntas que eu lhe havia endereçado em dois artigos, respectivamente publicados no nosso jornal no dia 7 de julho (1) e 7 de agosto passados. Francamente, eu não esperava que ele o fizesse tão difusamente e com espírito tão afetuosamente fraterno. Talvez porque a ovelha perdida mereça mais atenção e cuidado? Digo isso porque, nos artigos acima citados, eu especifiquei ao papa que eu sou um "não crente e não busco a Deus", embora "estou há muitos anos interessado e fascinado pela pregação de Jesus de Nazaré, filho de Maria e José, judeu da estirpe de Davi". E, mais adiante, eu escrevo que "Deus, a meu ver, é uma invenção consolatória da mente dos homens".
Permito-me lembrar esta minha posição de interlocutor, até porque ela torna ainda mais "escandalosamente fascinante" aos nossos olhos a carta que o Papa Francisco me enviou, mais uma prova da sua capacidade e desejo de superar as barreiras dialogando com todos em busca da paz, do amor e do testemunho.
Dito isso, resumo as perguntas e as reflexões que eu fiz e às quais o papa responde, a fim de que os leitores tenham bem claro o quadro dentro do qual se desenvolve este diálogo.
1 – A modernidade iluminista pôs em discussão o tema do "absoluto", começando pela verdade. Existe uma única verdade ou tantas quantas cada indivíduo configura?
2 – Os Evangelhos e a doutrina da Igreja afirmam que o Unigênito de Deus se fez carne, certamente não vestindo uma roupa e imitando os movimentos dos homens e permanecendo Deus, mas sim assumindo também as suas dores, suas alegrias e seus desejos. Isso significa que Jesus teve todas as tentações da carne e as venceu não como Deus, mas como homem que tinha se colocado o fim de levar o amor aos outros no mesmo nível de intensidade do amor por si mesmo. Daí a incitação: ama o teu próximo como a ti mesmo. Até que ponto a pregação de Jesus e da Igreja fundada pelos seus discípulos realizou esse objetivo?
3 – As outras religiões monoteístas, a judaica e o Islã, preveem um só Deus; o mistério da Trindade lhes é totalmente estranho. O cristianismo é, portanto, um monoteísmo bastante particular. Como ele se explica para uma religião que tem como raiz o Deus bíblico, que não tem nenhum Filho Unigênito e nem pode ser nomeado, muito menos mostrado, como Alá?
4 – O Deus encarnado sempre afirmou que o seu reino não era e nunca seria deste mundo. Daí o "dai a César o que é de César e a Deus o que é de Deus". Esse "limite" teve como consequência lógica que o cristianismo nunca deveria ter a tentação da teocracia, que, ao invés, domina nas terras islâmicas. No entanto, o cristianismo, principalmente na sua versão católica, também sentiu fortemente a tentação do poder terreno; a temporalidade muitas vezes superou a pastoralidade da Igreja. O Papa Francisco representa finalmente a prevalência da Igreja pobre e pastoral sobre a institucional e temporalista?
5 – Deus prometeu a Abraão e ao povo eleito de Israel prosperidade e felicidade, mas essa promessa nunca foi realizada e culminou, depois de muitos séculos de perseguições e discriminações, no horror do Holocausto. O Deus de Abraão, que também é o dos cristãos, portanto, não manteve a sua promessa?
6 – Se uma pessoa não tem fé, nem a busca, mas comete aquilo que para a Igreja é um pecado, será perdoada pelo Deus cristão?
7 – O crente crê na verdade revelada, o não crente crê que não existe nenhum "absoluto", mas sim uma série de verdades relativas e subjetivas. Esse modo de pensar para a Igreja é um erro ou um pecado?
8 – O papa disse durante a sua viagem ao Brasil que a nossa espécie também vai acabar, assim como todas as coisas que têm um início e um fim. Mas quando a nossa espécie desaparecer, o pensamento também desaparecerá, e ninguém mais pensará Deus. Então, nesse ponto, Deus estará morto junto com todos os homens?
Os leitores encontrarão nestas páginas as respostas do papa contidas na sua carta, pela qual, ainda com grande afeto e respeito, eu lhe agradeço. No nosso jornal dessa quinta-feira, eu formularei algumas reflexões para aprofundar os temas e levar adiante um diálogo que, eu também penso, assim como o papa, é útil e até mesmo precioso para os leitores, crentes em Jesus Cristo, ou em outras religiões, ou em nenhuma, mas animados pelo desejo de conhecimento e pela boa vontade de colaborar com o bem comum.
Notas:
(1) "As respostas que os dois papas ainda não deram"
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Jesus, fé e razão: o diálogo do pontífice com a ovelha perdida. Artigo de Eugenio Scalfari - Instituto Humanitas Unisinos - IHU