09 Agosto 2013
Eu acredito que o papa, que prega a Igreja pobre, é um milagre que faz bem ao mundo. Mas também acredito que não haverá um Francisco II. Uma Igreja pobre, que expulse o poder e desmantele os instrumentos de poder se tornaria irrelevante.
A opinião é de Eugenio Scalfari, jornalista e fundador do jornal italiano La Repubblica, 07-08-2013. A tradução é de Moisés Sbardelotto.
Eis o texto.
O Papa Francisco foi eleito ao sólio petrino há pouquíssimos meses, mas continua provocando escândalo a cada dia. Por como ele se veste, por onde mora, por aquilo que diz, por aquilo que decide. Escândalo, mas benéfico, tonificante, inovador.
Com os jornalistas, ele fala pouco ou, melhor, de fato não fala; o circo midiático não é para ele, não é do seu gosto, mas o seu diálogo com as pessoas é contínuo, coletivo e individual, escuta, pergunta, responde, vai aos lugares mais disparatados e sempre tem um texto para ler entre as mãos, mas logo o descarta. Improvisa sem esforço algum, ao ar livre ou em uma igreja, em uma cabana de pescadores ou na praia de Copacabana, no salão das audiências ou do "papamóvel" que fende docemente a multidão dos fiéis.
Ele é bom como o Papa João XXIII, fascina as pessoas como Wojtyla, cresceu entre os jesuítas, escolheu se chamar Francisco, porque quer a Igreja do pobrezinho de Assis. Enfim: é cândido como uma pomba, mas esperto como uma raposa. Todos escrevem a respeito, todos o olham admirados, e todos, presbíteros e leigos, homens e mulheres, jovens e velhos, crentes e não crentes, esperam ver o que ele vai fazer no dia seguinte.
Ele não se ocupa com a política; nunca o fez nem na Argentina como bispo, nem no Vaticano como papa. Criticou Videla sistematicamente, mas não pela horrível ditadura por ele instaurada, mas porque ele não estava ajudando os pobres, os fracos, os necessitados. No fim do governo, para se livrar daquela voz irritante, colocou à sua disposição uma estrutura assistencial até aquele momento inerte, e ele abandonou a sua diocese a um vigário e começou a bater por todo o país como missionário, mas não para converter, mas sim para ajudar, educar, infundir esperança e caridade.
Há dois meses, publicou uma encíclica sobre a fé, um texto já escrito pelo seu antecessor, com o qual convive sem nenhum constrangimento a poucas centenas de metros de distância. Retocou aquele texto em pouco pontos, assinou-o e o tornou público.
A encíclica é bastante inovadora com relação a outras sobre o mesmo assunto emitidas pelos seus antecessores. A novidade está no fato de que ela não se ocupa da relação entre fé e razão. De fato,não exclui que essa relação exista, mas a ele (e a Bento XVI) interessa a graça que flui do Senhor e desce sobre os fiéis. A graça coincide com a fé, e a fé com a caridade, o amor pelo próximo, que é o único modo – atenção: o único modo – de amar o Senhor.
Sente-se o perfume intelectual de Agostinho. Mais de Agostinho do que de Paulo. Mas aqui já estamos em dificuldades. Seria preciso pensar que são três os santos de referência para o atual bispo de Roma (que insiste muito nessa sua qualificação que acompanha e até mesmo precede o título pontifício): Agostinho, Inácio, Francisco.
Mas é este último que dá ao papa que tomou o seu nome a conotação mais evidente e por ele ressaltada em cada ocasião. Ele quer uma Igreja pobre que pregue o valor da pobreza; uma Igreja militante e missionária; uma Igreja pastoral; uma Igreja construída à semelhança de um Deus misericordioso, que não julga, mas perdoa, que busque a ovelha perdida, que acolha o filho pródigo.
Certamente, a Igreja Católica também é uma instituição, mas a instituição, assim como Francisco a vê, é uma estrutura de serviço, como a intendência de um exército com relação às tropas combatentes. A intendência segue, não precede. E assim são a instituição, a Cúria, a Secretaria de Estado, o banco, o Governatorato do Vaticano, as Congregações, os núncios e os Tribunais, toda a imensa e imensamente complexa arquitetura que a Igreja, Esposa de Cristo, mantém de pé há 2.000 anos.
Esse, até agora, tem sido o rosto da Igreja. A pastoralidade? Certamente, um bem precioso. A Igreja pregadora? A Igreja missionária? A Igreja pobre? Certamente, a verdadeira substância que a instituição contém como uma joia preciosa dentro de uma caixa de aço.
Mas, atenção: por 2.000 anos, a Igreja falou, decidiu, agiu como instituição. Nunca houve um papa que tenha hasteado a bandeira da pobreza, nunca houve um papa que não tem gerido o poder, que não tenha defendido, reforçado, amado o poder, nunca houve um papa que tenha sentido como próprio o pensamento e o comportamento do pobrezinho de Assis. E nunca houve, exceto nos casos de fraqueza e de agitação, uma Igreja horizontal, ao invés de vertical.
Em 2.000 anos de história, a Igreja Católica convocou 21 concílios ecumênicos, principalmente condensados entre os séculos III e V da era cristã e entre os séculos IX e XIII. Desde o Concílio de Trento, passaram-se mais de 300 anos até o Vaticano I precedido pelo Sílabus, e depois passaram-se 80 anos até o Vaticano II.
Os Sínodos, obviamente, foram muito mais numerosos, mas todos convocados e liderados pela Cúria e pelo papa. O cardeal Martini (aliás, também ele jesuíta) queria ao lado do magistério do papa a estrutura horizontal dos concílios e dos sínodos, das Conferências Episcopais e da pastoralidade. Ele não foi amado em Roma, assim como Bergoglio no conclave que terminou com a eleição de Ratzinger.
Bergoglio também gosta da estrutura horizontal. A sua missão contém, em suma, duas escandalosas novidades: a Igreja pobre de Francisco, a Igreja horizontal de Martini. E uma terceira: um Deus que não julga, mas perdoa. Não há condenação, não há inferno. Talvez Purgatório? Seguramente, arrependimento como condição para o perdão. "Quem sou eu para julgar os gays ou os divorciados que buscam a Deus?", assim diz Bergoglio.
* * *
Mas eu gostaria, neste ponto, de lhe fazer algumas perguntas. Eu não acredito que ele vai responder, mas, aqui e hoje, eu não sou um jornalista, sou um não crente que, há muitos anos, está interessado e fascinado pela pregação de Jesus de Nazaré, filho de Maria e de José, judeu da estirpe de Davi. Eu tenho uma cultura iluminista e não busco a Deus. Penso que Deus é uma invenção consolatória e fascinante da mente dos homens.
Pois bem, é nessa veste que eu me permito fazer ao Papa Francisco algumas perguntas e acrescentar algumas reflexões minhas.
Primeira pergunta: se uma pessoa não tem fé nem a busca, mas comete o que para a Igreja é um pecado, ela será perdoada pelo Deus cristão?
Segunda pergunta: o crente crê na verdade revelada, o não crente pensa que não existe nenhum absoluto e, portanto, nem mesmo uma verdade absoluta, mas sim uma série de verdades relativas e subjetivas. Esse modo de pensar, para a Igreja, é um erro ou um pecado?
Terceira pergunta: o Papa Francisco disse durante a sua viagem ao Brasil Brasil que a nossa espécie também perecerá, assim como todas as coisas que têm um início e um fim. Eu também penso do mesmo modo, mas também penso que, com o desaparecimento da nossa espécie, também desaparecerá o pensamento capaz de pensar Deus e que, portanto, quando a nossa espécie desaparecer, então Deus também desaparecerá, porque ninguém mais será capaz de pensá-lo. O papa certamente tem uma resposta sua a esse tema, e eu gostaria muito de conhecê-la.
E agora uma reflexão. Eu acredito que o papa, que prega a Igreja pobre, é um milagre que faz bem ao mundo. Mas também acredito que não haverá um Francisco II. Uma Igreja pobre, que expulse o poder e desmantele os instrumentos de poder se tornaria irrelevante. Isso aconteceu com Lutero, e hoje as seitas luteranas são milhares e continuam se multiplicando. Elas não impediram a laicização, ao contrário, favoreceram a sua expansão.
A Igreja Católica, repleta de defeitos e de pecados, resistiu e, ao contrário, é forte porque não renunciou ao poder. Aos não crentes como eu, Francisco agrada muito ou, melhor, muitíssimo, assim como Francisco de Assis e Jesus de Nazaré. Mas eu não acredito que Jesus teria se tornado Cristo sem um São Paulo.
Longa vida ao Papa Francisco.
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As perguntas de um não crente ao papa jesuíta chamado Francisco. Artigo de Eugenio Scalfari - Instituto Humanitas Unisinos - IHU