02 Dezembro 2020
Distinguir o humano do desumano. E escolha de ser plenamente e profundamente humanos. É o fio condutor que une os dois livros mais recentes do teólogo e filósofo Vito Mancuso: I quattro maestri (Os quatro mestres, p. 528, euro 19), recém-publicado, e Il coraggio e la paura (A coragem e medo, p. 140, euro 12), publicado há alguns meses, ambos pela Garzanti. O tema é espiritualidade, entendida não em um sentido confessional, mas em sentido laico: a busca da energia interior que nos permite encontrar “o humano no homem” e vivê-lo.
A entrevista com Vito Mancuso é de Luca Kocci, publicada por Il Manifesto, 01-12-2020. A tradução é de Luisa Rabolini.
I quattro maestri
Mancuso, quem são os "quatro mestres"?
Sócrates, Buda, Confúcio e Jesus, são as mesmas quatro "personalidades decisivas" identificadas na época pelo filósofo alemão Karl Jaspers, aquelas que tiveram maior influência naquela que Gadamer chama de "história dos efeitos".
Três desses mestres têm a ver com religiões: por quê?
Na realidade, todos os quatro são figuras religiosas, porque se o daimònion for eliminado de Sócrates, a conexão com a dimensão espiritual seria cortada e ele não seria mais Sócrates. De fato, ele foi condenado à morte por impiedade, aliás, por heresia: Sócrates é um dos grandes hereges da história ocidental, porque introduzia novas divindades, diferentes das divindades externas. Para as instituições religiosas isso seria sincretismo, relativismo ... Se o objetivo é pertencer a uma religião, então é preciso escolher uma. Se, por outro lado, o propósito da vida é alcançar a felicidade, não no sentido superficial do termo, mas como saúde física, psíquica e interior, como energia positiva, se é para permanecer humanos e as religiões não são o fim, mas uma ferramenta, então não é preciso escolher, mas sim sondar o próprio "interior" e buscar a cada oportunidade os nutrientes certos. Não é o relativismo, mas a relatividade das religiões.
Cada "mestre" possui uma característica essencial. Sócrates?
Ele é o educador para a virtude, ou seja, para ser uma pessoa justa. Seu discípulo ideal quer estudar a si mesmo em profundidade, para tornar-se capaz de raciocinar, pensar, agir.
Buda?
Ele é o médico, tem o olhar de quem vê e sente a dor que emerge de todo ser vivo e sente compaixão. O diagnóstico é sofrimento, a resposta são as quatro nobres verdades, especialmente "o caminho óctuplo" como via para a cura. O pensamento budista é terapêutico, um sistema para curar e aliviar os sofrimentos.
Confúcio é o político.
É o político que se preocupa com o ser humano como animal social, para ele cada um se realiza não individualmente, mas socialmente. O contrário de Buda: o Buda raciocina sobre o indivíduo na sua solidão, Confúcio reconduz o indivíduo de volta à dimensão social, à ritualidade, à conformidade com as grandes tradições do passado. Não é por acaso que por mais de dois mil anos seu pensamento foi um formidável instrumentum regni para o "Império Celestial" chinês e também para a China de hoje.
Finalmente, Jesus, o profeta.
A mensagem de Jesus é diferente daquela do Cristianismo. O anúncio do Cristianismo é a morte, a ressurreição e a nova vinda de Jesus. A mensagem de Jesus é baseada em um verbo no indicativo, o Reino de Deus "é" iminente, do qual decorre um imperativo: converta-se, mude sua vida. Sua mensagem é profecia, utopia, o mundo como deveria ser, ou seja, caracterizado pela justiça. Para Jesus, a justiça é o valor mais alto, ainda mais do que o amor. E a construção da justiça é o compromisso de todos.
Isso significa encontrar "o humano no homem", como escreveu Vasilij Grossman, a quem o livro é dedicado, e "continuamos a ser humanos”, como repetia Vittorio Arrigoni, que você menciona no primeiro capítulo?
A liberdade que se realiza como bondade: isso é o humano no homem, isso significa permanecer humano. Transformar a liberdade em justiça.
No seu livro anterior, escrito durante o lockdown, afirma-se que não é a coragem que vence o medo, mas a sabedoria, que é a "luz da inteligência combinada com o calor do coração". Hoje, na chamada “fase 2”, prevalece a sabedoria ou o medo ainda prevalece?
Se você se deter no que está na mídia, é fácil ficar desanimado. No entanto, creio que sob toda essa espuma existe um quotidiano certamente feito de medo, porque problemas e dificuldades existem, mas um medo controlado e lido à luz da sabedoria. Se a dimensão da sabedoria não vencesse, o próprio tecido humano não existiria, seria a luta de todos contra todos, a guerra fratricida.
Il coraggio e la paura
Na política, muitos recorrem ao medo, não para superá-lo, mas para transformá-lo em consenso.
Eu concordo totalmente. “Assustem as pessoas e elas farão o que você quiser", dizia Göring. A necessidade primordial do ser humano é a segurança, por isso assustar as pessoas e depois se apresentar como o homem da segurança é uma estratégia precisa. Não só na nossa pequena Itália.
A coragem é a "força moral". O círculo se fecha, voltamos aos mestres ...
Todos, crentes e não crentes, devem se perguntar qual é a fonte da qual tirar aquela força moral para não se tornar cativos, no sentido latino de "presos", para não perder a confiança no ser humano, para acreditar na justiça, na dimensão política de estar juntos e lutar por um mundo mais justo. E a busca pela resposta se chama espiritualidade.
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Vito Mancuso: “Como não perder a fé no ser humano” - Instituto Humanitas Unisinos - IHU