29 Junho 2021
"Esse caminho não tira dramaticidade à fé, como gostaria meu crítico, mas o torna um aliado da liberdade, pois se percebe, ao percorrê-lo, que o esforço de acreditar em Deus não difere do esforço de ser homem", escreve o teólogo italiano Vito Mancuso, ex-professor da Teologia Moderna e Contemporânea da Universidade San Raffaele de Milão, e ex-professor de História das Doutrinas Teológicas da Universidade de Pádua, em artigo publicado por Domani, 27-06-2021. A tradução é de Luisa Rabolini.
Da irritação nunca nasce nada de bom, ainda mais no âmbito do pensamento, como também demonstra a crítica de Paolo D'Angelo para o meu último ensaio (A proposito del senso della vita, Garzanti 2021) publicado há poucos dias neste jornal. Vou deixar de lado o sarcasmo que permeia o artigo e vou me concentrar nas três questões básicas que, a meu ver, emergem dos argumentos formulados contra mim: 1) a minha religiosidade; 2) a ligação entre o sentido da vida e a existência de Deus; 3) a questão de Deus no pensamento contemporâneo.
Sobre o primeiro aspecto o autor escreve: “Ouso dizer que a religiosidade extenuada, penteada, respeitosa e correta de Mancuso me irrita um pouco”. A irritação do meu crítico com a minha religiosidade se deve ao fato de que ela não procede da angústia e do pecado, como no caso de Søren Kierkegaard e em geral da tradição paulino-agostiniana majoritária no cristianismo oficial, mas do senso de harmonia e de confiança na vida. O que, de acordo com meu crítico, extenua a verdadeira religião tirando toda grandeza à fé. Na realidade, trata-se de uma religiosidade muito antiga que tem suas raízes na tradição sapiencial bíblica, em muitos ditados evangélicos, em Justino, Clemente de Alexandria, Orígenes, Escoto Erígena, Alberto Magno, Tomás de Aquino, Erasmo de Rotterdam e, em nossa época, Pavel Florenskij, Dietrich Bonhoeffer, Albert Schweitzer, Pierre Teilhard de Chardin, Karl Rahner, Carlo Maria Martini, Hans Küng. São autores muito conhecidos (entre eles também há mártires), que meu crítico certamente conhece e, portanto, não consigo explicar como ele não soube enquadrar a minha religiosidade. Menos ainda consigo explicar como ele, tão impecável em reproduzir as falas de um conhecido programa de TV, tenha conseguido citar incorretamente a famosa página da Crítica da Razão Pura, B 805, omitindo a terceira pergunta kantiana que pede "o que é lícito que eu espere? " e que funda a busca no âmbito da religião.
Quanto ao segundo ponto, o fato de que a questão do sentido da vida não seja tratada por mim para introduzir sub-repticiamente a fé em Deus é amplamente demonstrado a partir da citação de Einstein posta no início do meu ensaio, sabendo muito bem que o grande físico não acreditava no Deus da tradição bíblica, mas naquela ordem cósmica impessoal que Spinoza chamava de "Deus sive natura".
O ponto, no máximo, é outro, ou seja, o fato de que existe uma forma de propor a fé (aquela que agrada ao meu crítico) que precisa destruir o sentido natural da vida para propor um sentido sobrenatural em seu lugar, de acordo com a ideia da vida como sem sentido que cava um pavoroso buraco no coração do homem e a ideia de Deus como "tapa-buracos" (retomando a famosa expressão bonhoefferiana). Com relação a essa abordagem, eu vou na direção oposta, pois na minha opinião é o florescer da vida, da qual procede a liberdade para dar sentido à vida, mostrando, como escrevo, retomando Marco Aurélio, que “nascemos para a sinergia ”, isto é, para a relação e a harmonia para a qual direcionar e educar a liberdade, independentemente de qualquer fundamento bíblico e dogmático de tal abordagem e segundo uma teologia que defino como universal, ecumênica, não dogmática e que atribui primazia a criação.
Fica a terceira questão, pela qual o meu crítico mais me censura, acusando-me de “camuflar a evolução da natureza com uma lógica transcendente”. Há anos que trato da filosofia da natureza e de diálogo com a ciência, colocando-me nos antípodas do criacionismo e da ideia da natureza como design inteligente. Tenho investigado há tempo as embaraçosas explicações teológicas sobre as doenças genéticas tentando eliminar qualquer apologética doentia, portanto a "físico-teologia" que me é atribuída (ou seja, "a tentativa de deduzir a existência de um ser supremo da ordem maravilhosa da natureza") é exatamente a posição que combato. Aparentemente, meu revisor não conhece meus livros anteriores, não importa, mesmo que a deontologia profissional exigiria que a pessoa se preparasse um pouco melhor antes de abordar um argumento e proferir determinados juízos.
Indo mais diretamente ao mérito da questão, desde sempre penso como Karl Jaspers: "Quanto mais o homem é autenticamente livre, mais Deus se torna uma certeza" (Introduzione alla filosofia, Raffaello Cortina, Milão 2010, p. 54). É a possibilidade da liberdade capaz de justiça que se manifesta em um ser determinado e muitas vezes injusto como o ser humano, que constitui para mim o alicerce para o discurso sobre Deus, Nada a ver, portanto, com a velha abordagem da prova físico-teológica. Baseio-me mais no caminho percorrido por Immanuel Kant ao fundar a sua filosofia da religião e retomado por Karl Jaspers e Hans Jonas, aquele para o qual a legitimidade do discurso da transcendência é a presença da liberdade que se manifesta como lei moral.
Esse caminho não tira dramaticidade à fé, como gostaria meu crítico, mas o torna um aliado da liberdade, pois se percebe, ao percorrê-lo, que o esforço de acreditar em Deus não difere do esforço de ser homem.
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A fé é a verdadeira aliada da liberdade do homem - Instituto Humanitas Unisinos - IHU