22 Junho 2021
“Quando as pessoas dizem que os estadunidenses transformaram a política em religião, pode-se supor que seja uma metáfora. Mas quando a política assume o controle da religião, o significado se torna literal. Quando 'politizamos' a Igreja, o problema não é apenas político. É tarefa da Igreja nos lembrar de sua missão essencial – que ela é obediente não aos poderes terrestres, mas aos poderes celestiais”, escreve Bill McCormick, jesuíta estadunidense, professor visitante do departamento de Ciência Política da Saint Louis University, em artigo publicado por America, 21-06-2021. A tradução é de Wagner Fernandes de Azevedo.
Há um antigo debate sobre a queda de Roma. Ela colapsou devido aos inimigos internos ou externos?
É uma questão complexa. Porque Roma na verdade era invadida por todos os lados. Mas o que fez os seus invasores terem sucesso foram as décadas, ou séculos, de declínio e decadência. Roma não caiu para os invasores. Mas caiu, primeiramente, para sua própria fraqueza.
Essa é uma questão que eu penso sobre quando contemplo a Igreja Católica nos Estados Unidos hoje.
Uma narrativa bem aceita sobre o estado da Igreja estadunidense argumenta que as divisões políticas do país invadiram a igreja. Especificamente, a polarização partidária que tem estruturado a vida nos EUA nas recentes décadas agora toma seu caminho na Igreja.
Não há dúvidas nesse argumento, dado o profundo impacto que as divisões partidárias tiveram em quase todos os aspectos da vida nos Estados Unidos. E também é verdade em formas sutis e de longo alcance: da influência do “Big Money” na Igreja, à ideia de que a Igreja deve ser sustentada pela transparência, ao ideal político de democracia.
Mas a forma que nós falamos sobre esse problema – que dinâmicas políticas estão sendo importadas para a Igreja – também assume que o problema é simplesmente externo. Para voltar a questão de Roma, portanto, o problema está nos inimigos no portão, ou na fraqueza, cultura enervada que oferece nenhuma resistência a eles e talvez até acolhe a disrupção de fora?
Sempre há forças de fora tentando influenciar a vida da igreja, e muitas delas são boas. Mas visto que a igreja dos EUA não tem a vibração para sustentar sua própria cultura, sua própria missão e seu próprio senso de solidariedade, é particularmente suscetível às influências que a desviariam de sua missão.
A igreja dos EUA não está apenas polarizada; está cansada. E está polarizada em parte porque está cansada.
O artigo de Andy Smarick, publicado em 2 de maio, no Dallas News (disponível neste link, em inglês), sobre o estado do Partido Republicano, me lembrou muito da Igreja Católica. Smarick argumenta que o partido tem um problema de governança. Os “armários de políticas dos Republicanos” estão “quase vazios”, escreve ele, sendo reduzido a um “esforço abortado para substituir o Obamacare e uma semana de infraestrutura à espera de Godot”. Por causa dessa exaustão, “independentemente da questão, eles confiaram nas velhas regras – cortes de impostos e desregulamentação – como respostas”.
A Igreja dos EUA é muito diferente? Em todas as questões, os pontos de inflamação são previsíveis, as reações são habituais e as interações, em última análise, estéreis. Há pouca energia para uma nova adaptação.
Observe, por exemplo, as contínuas “guerras da comunhão”. Aparentemente, nada deveria estar mais no coração da Igreja do que uma discussão sobre a Eucaristia, convocando o melhor dos cristãos para a recuperação de nossa missão e identidade como Igreja. Mas, a maioria das peças escritas sobre essa controvérsia eram dolorosamente previsíveis. Os católicos sabiam o que iriam ler antes de lê-los e sabiam se concordariam com a assinatura.
Na verdade, parte do que é tão exaustivo sobre esse debate é que ele não é novo: temos debatido essa questão com pouca resolução desde, pelo menos, os anos 1980. As linhas de batalha foram traçadas por décadas, mas ninguém está ganhando a guerra.
Colocando de outra forma: qualquer que seja a novidade de um presidente católico, sua ascensão à Casa Branca não revela um problema totalmente novo, mas exacerba um problema com o qual a Igreja nos EUA vem lutando há décadas. O debate da Comunhão a Biden é mais um efeito de nosso estado atual do que uma causa de nosso dissenso atual.
Esses são sintomas de exaustão. Sim, esse conflito, como outros, envolvia uma atividade frenética, mas isso é apenas um sinal da esterilidade do ritual. A ferocidade dos debates na Igreja Católica dos EUA é um sinal de que estamos desesperadamente presos em rotinas intelectuais. Nossos cérebros foram religados por anos de conflito fútil, e não há uma saída óbvia. Estamos simplesmente habituados a reagir, e seria necessário muito tempo e energia para mudar, de que carecemos de ambos.
Quando as pessoas dizem que os estadunidenses transformaram a política em religião, pode-se supor que seja uma metáfora. Mas quando a política assume o controle da religião, o significado se torna literal.
A balcanização partidária afetou todos os cantos da sociedade dos EUA, da cultura popular aos esportes, e por isso não é surpreendente que tenha vindo para a Igreja. Mas a Igreja não é apenas mais um setor da sociedade. Supõe-se que resista e transcenda a política de uma maneira que nenhuma outra parte da sociedade consegue. Presumivelmente, então, sua politização acarretaria algo diferente e mais profundo do que aquele processo em outros espaços. Em outras palavras, sua politização acarretaria um profundo fracasso de sua parte.
Quando “politizamos” a Igreja, o problema não é apenas político. É tarefa da Igreja nos lembrar de sua missão essencial – que ela é obediente não aos poderes terrestres, mas aos poderes celestiais.
Mas também há uma ironia na denúncia. Décadas após o Holocausto, quando tantos cristãos escandalosamente falharam em se engajar na política em defesa dos inocentes, especialmente o povo judeu, há pouco medo de que os cristãos evitem as dimensões sociais de sua fé.
Na verdade, talvez seja o momento de esclarecer que, quaisquer que sejam as interconexões entre o catolicismo e a vida política, há algo próprio do catolicismo que se perde quando é tratado simplesmente como contínuo com a vida política. É realmente um problema quando o político e o religioso se confundem.
Se isso é verdade, então nós não precisamos apenas compactuar com a influência da política. Nós precisamos dar atenção em como nós podemos renovar a Igreja. Para o que nós precisamos para recuperar é urgente questionar: o que é a Igreja? O que significa ser batizado? Quem somos nós quando nós agimos na unidade do Espírito Santo? Como isso é diferente de outros laços sociais?
Aqui nós não podemos ignorar que nossa cultura está clamando por nos dar isso. Nós vivemos em uma época de ansiedade, para tomar emprestado o título do brilhante livro de Joseph Bottum. Essa também é fragmentada, uma era dissipada, uma em muitas das características aparentemente permanentes que a cultura dos EUA está cedendo.
Pode ser tentador para os católicos pensar que o catolicismo será a nova base para a sociedade estadunidense, ou pelo menos uma parte fundamental. Eu tenho minhas dúvidas.
Mas se pudermos nos preocupar menos em ocupar espaço e reivindicar poder, seremos mais capazes de resistir a ser vítimas das ansiedades de nosso tempo. Estaremos, além disso, em melhor posição para ajudar nossos companheiros estadunidenses a fazerem o mesmo.
Mas isso requer humildade e pobreza. Requer a pobreza espiritual de admitir que estamos cansados, não estamos chegando a lugar nenhum com nossos esforços para evangelizar a cultura e precisamos da ajuda de Cristo se queremos ser úteis para nosso país e nosso mundo.
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O debate da comunhão a Biden mostra a exaustão da Igreja Católica dos EUA - Instituto Humanitas Unisinos - IHU