30 Abril 2021
"Manter a relação com a China pressupõe uma postura que deve ser acompanhada de firmeza quando uma estratégia totalmente legítima de proteção de uma economia em desenvolvimento se transforma em uma estratégia de conquista predatória de mercados e de despotismo em relação aos povos. Isto pressupõe, portanto, a construção de um equilíbrio de forças, e este é o desafio para os europeus". A reflexão é de Jean-Joseph Boillot, em artigo publicado por Alternatives Économiques, 27-04-2021. A tradução é de André Langer.
Jean-Joseph Boillot é especialista em grandes economias emergentes e autor de Utopies made in monde (Utopias feitas no mundo), Odile Jacob, 2021.
Dois eventos nos questionam sobre como lidar com a China nos próximos anos. Em primeiro lugar, a assinatura secreta, em 30 de dezembro de 2020, de uma proposta de acordo de investimento ou CAI (Comprehensive Agreement on Investment – Acordo Compreensivo de Investimento) [entre a União Europeia e a China], cujos anexos técnicos essenciais só foram publicados recentemente.
Depois, o braço de ferro, após a decisão europeia de punir quatro autoridades chinesas acusadas de notórias violações dos direitos humanos contra os uigures na província de Xinjiang. Pequim respondeu imediatamente com sanções contra dez personalidades e quatro instituições europeias, incluindo os eurodeputados Reinhard Bütikofer (alemão) e Raphaël Glucksmann (francês), ou ainda os pesquisadores Adrian Zenz (alemão) e Björn Jerdén (sueco).
Em um plano mais geral, os casos de violações dos direitos humanos não precisam mais ser demonstrados, seja no Tibete, na Ásia Central ou na Mongólia, que não estão longe de dois terços do território da República Popular da China. Soma-se a isso a terrível repressão contra os honconguenses, cujo princípio “Um país, dois sistemas” está agora totalmente contestado, ou as ameaças permanentes contra Taiwan. Sem falar das liberdades na própria China. Qiu Xiaolong, um sobrevivente dos massacres da Praça Tiananmen em 1989, conta com humor e poesia o estado de vigilância orwelliano em suas “investigações do inspetor Chen”.
Haveria então uma posição de princípio possível: não mais manter qualquer relação econômica com um regime que está voltando a uma linha despótica dura. Procurar inclusive neutralizar aquela que se tornou uma verdadeira potência econômica e progressivamente tecnológica, e cuja diplomacia segue o padrão anunciado pelo próprio Deng Xiaoping: recuperar a grandeza do passado, lavar a afronta de cerca de 500 ou 1.000 tratados desiguais impostos pelas potências ocidentais e o Japão no final do século XIX, e impor sua nova diplomacia do Tianxia: “viver sob o mesmo céu”, uma nova ordem mundial da qual Pequim definiria em grande parte os termos, seja em termos dos direitos humanos fundamentais ou ambientais, seja em termos das normas tecnológicas ou da ordem econômica global em geral.
Este é o contexto do projeto de acordo de investimento chamado CAI negociado com Bruxelas no maior sigilo após 35 rodadas de negociações que duraram oito anos e nunca sem qualquer informação sobre quaisquer etapas anteriores. Com, aliás, o desejo óbvio de Pequim de separar a Europa da superpotência americana e de aproveitar suas rivalidades internas para negociar em posição de força baseada a partir de uma assimetria herdada do passado.
Porque este é, de certa forma, o paradoxo da teoria do economista Dani Rodrik sobre a globalização moderada. Justificando com boas razões a assimetria da abertura entre países em desenvolvimento e países já industrializados em benefício dos primeiros, isso tem persistido em grande parte no caso da China, que continua a cultivar cuidadosamente a proteção de seu mercado interno vis-à-vis a produtos e o estabelecimento de empresas estrangeiras.
Seus compromissos com a OMC em 2001 reduziram parcialmente suas margens de manobra, mas não eliminaram a assimetria. Longe disso! Testemunham-no seus superávits comerciais recordes e a crescente participação de mercado de suas empresas, tanto no mercado interno como no externo, onde as distorções competitivas são consideráveis em mercados emergentes, por exemplo.
Por outro lado, a esperança de que sua democratização progredisse à medida que prosperasse se desvaneceu cada vez mais rapidamente desde que Xi Jinping assumiu o cargo em 2013.
A análise do texto geral do projeto de acordo CAI, mas especialmente as 270 páginas de seus anexos detalhados por setores que, na prática contam, mostra que Pequim está de fato se beneficiando de sua assimetria inicial.
É o que a equipe de especialistas Aitec-Attac analisa perfeitamente em seu recente documento. Para além das medidas gerais já previstas em acordos internacionais, tratava-se fazer o mínimo possível de concessões a empresas europeias, com exceção de algumas grandes multinacionais, incluindo as empresas automobilísticas alemãs na vanguarda da eletricidade e do hidrogênio, alguns laboratórios da área da saúde ou o lobby do óleo vegetal. E, inversamente, obter concessões fortes de acesso ao mercado europeu para empresas chinesas e seus funcionários (artigo 6a), assim como em infraestrutura, telecomunicações, energias renováveis e em geral todos os setores da estratégia “Made in China 2025”.
Quanto a argumentar que a liberalização econômica e a liberalização política caminharão juntas, este sonho europeu desmorona duplamente: os compromissos de Pequim sobre a questão dos direitos trabalhistas, especialmente o direito sindical, e sobre as liberdades políticas e os direitos humanos são puramente claras declarações de intenções, sem compromissos concretos devidamente planejados no tempo.
As coincidências de calendário mostraram também o que ela valem com a resposta imediata às sanções aplicadas por todos os europeus contra os responsáveis pelo genocídio dos uigures, o endurecimento da repressão contra os democratas honconguenses no momento da assinatura do projeto de acordo e, finalmente, as ameaças persistentes contra Taiwan.
O que fazer agora? Como lidar com Pequim nos próximos anos? Há claramente partidários de uma nova Guerra Fria e de um alinhamento de fato com o poder americano. Também haveria outra urgência. A obsessão com a síndrome do colapso soviético fez da China o início de uma potência econômica que pretende consolidar pacientemente à custa de consideráveis investimentos em pesquisa e desenvolvimento e de colaborações com empresas estrangeiras para reduzir seu atraso tecnológico. A questão dos taiwaneses e honconguenses deve ser colocada neste contexto: o líder mundial em semicondutores para o primeiro, por exemplo, e o centro financeiro internacional para o segundo.
Devemos, portanto, buscar o confronto o mais rápido possível antes que a potência se torne uma superpotência formidável e entre em uma guerra econômica como aconteceu com a ex-URSS? Até porque esta posição dura encontra um certo eco entre os partidários da relocalização, do rompimento com o made in China.
O risco, no entanto, é o que alguns chamam de “armadilha de Tucídides”, referência a este estrategista grego e historiador das guerras do Peloponeso que mostrou como uma potência em declínio corre o risco de dar início a hostilidades por medo de ser ultrapassada por uma potência rival em ascensão.
O regime de Pequim só espera por isso para justificar a aceleração de seu programa militar e jogar com o espírito nacionalista para unir o povo em torno de um partido único enfraquecido pelos mecanismos clássicos de degeneração das dinastias despóticas: corrupção sistêmica e lutas internas inerentes à cúpula.
Outra postura parece factível, porque não é nem a China nem a população chinesa, mas sim a globalização negociada coletivamente com especialmente a entrada na OMC em 2001 que contribuiu para a destruição em massa de empregos, territórios e equilíbrios ambientais do planeta, e isso na própria China. É muito tarde para voltar atrás em relação ao que em grande parte nós causamos. Não é melhor manter o contato, o compromisso com a China, para efetivamente mudar de rumo? Nem que seja para evitar entrar em uma espiral militar e de isolamento de todos, inclusive dos chineses que ainda estão longe de compartilhar o discurso da “sociedade harmoniosa”.
Mas isso obviamente pressupõe uma postura que deve ser acompanhada de firmeza quando uma estratégia totalmente legítima de proteção de uma economia em desenvolvimento se transforma em uma estratégia de conquista predatória de mercados e de despotismo em relação aos povos. Isto pressupõe, portanto, a construção de um equilíbrio de forças, e este é o desafio para os europeus.
Nessa postura, a discussão em torno do projeto de acordo de investimento do CAI é mais do que bem-vinda. Com a condição de que seja o mais amplo possível, o mais transparente possível, alimentado pelos melhores especialistas e não capturado por alguns lobbies, como foi em grande parte o caso em 2001. Não mais que por institutos estratégicos neoconservadores, muitas vezes financiados pelos lobbies militares ou da defesa, ou, inversamente, por aqueles que se beneficiam das generosas prebendas distribuídas pelo governo chinês. Poderíamos assim colocar as verdadeiras questões econômicas e políticas sobre a mesa e forçar Pequim a recuar nas assimetrias herdadas do passado e na estratégia de divisão que sua maravilhosa “Arte da guerra” do grande Sun Tzu ensinou aos seus dirigentes desde tenra idade.
Cabe agora aos europeus impor coletivamente o princípio da simetria: o livre comércio pressupõe a liberdade de comércio e, portanto, a liberdade tout court: liberdade sindical, mas também liberdades jurídicas e de opinião. E se é verdade que a Europa não tem de impor as suas próprias normas e valores, pode negociá-los com precisão de forma realista: negociar com a China é tratar com paridade e não em secreto na Comissão Europeia ou no Conselho Europeu largamente cercados por lobbies poderosos.
É, pois, claramente ao nível do Parlamento Europeu que a negociação do CAI deve acontecer agora com o apoio dos melhores especialistas, porque o assunto é extremamente complexo como qualquer negociação comercial e como mostram as centenas de páginas de textos publicados.
Por exemplo, é necessário estabelecer de modo muito mais claro a transparência sobre a acumulação de dívidas bancárias na China devido à prática generalizada de dumping por parte das empresas, províncias e até municípios. O mesmo vale para a liberdade dos trabalhadores, mas também para as empresas, quando vemos o que está acontecendo com o grupo de Jack Ma, Alibaba, assumido pelas autoridades chinesas, assim como todas as maiores da Tech.
Quem vai acreditar que a Huawei – que tem livre acesso a todas as mídias e redes ocidentais – não é de fato uma empresa estatal, isto é, a serviço de um poder político? A este respeito, a sanção do governo sueco de excluir das licitações para o 5G é mais do que legítima, apesar da terrível pressão de Pequim sobre a Suécia, e deve ter o apoio de todos os europeus.
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Devemos romper com a China? - Instituto Humanitas Unisinos - IHU