02 Dezembro 2020
Quinze países asiáticos assinaram um acordo de livre comércio em 15 de novembro, a Parceria Econômica Regional Abrangente (RCEP) (1). Em negociações desde 2012, representou uma espécie de alternativa, impulsionada pela China, à Parceria Transpacífico ou TPP, assinada em 2015 pelo presidente Obama e da qual ela foi excluída.
A reportagem é de Jean-Joseph Boillot, especialista em grandes economias emergentes, publicada por Alternatives Économiques, 25-11-2020. A tradução é de André Langer.
A rejeição da TPP por Donald Trump em 2017 deixou os outros onze membros sem uma locomotiva real, deixando as economias asiáticas divididas entre os dois principais mercados que a estruturam: a China e os Estados Unidos. Especialmente porque o retorno por parte do governo Biden parece descartado, já que os democratas estão divididos sobre os acordos de livre comércio que não exigem nada em termos sociais, ambientais ou de propriedade intelectual.
Então, a Ásia deve viver com ou sem a China? A urgência da crise da Covid-19 foi resolvida, e assim será com. A Ásia é muito menos afetada pela pandemia sanitária do que por suas consequências econômicas com uma recessão este ano, incomum na região, de quase 2% e de perspectivas globais que a preocupam.
Para além da necessidade de dinamizar as economias da zona, havia sobretudo a necessidade de se adaptar a uma nova fase de desenvolvimento de cada um dos países que a compõem, em particular da China.
Não devemos nos deixar enganar pela noção bem genérica de um acordo de “livre comércio”. Como qualquer outro acordo comercial, o diabo está nos detalhes e, às vezes, nas negociações intermináveis sobre suas modalidades de aplicação.
“Livre comércio” significa simplesmente que concordamos ou vamos concordar com as regras e as condições para maior ou menor fluidez das trocas econômicas entre os quinze países. Neste caso, este acordo de princípio – que deverá ser ratificado pelos quinze países – diz respeito principalmente a bens e pouco a serviços, que, no entanto, representam mais da metade do PIB dos países da região. Isso é em parte o que explica a ausência do gigante indiano, que não teve sucesso em um dos poucos setores onde o país é competitivo, incluindo os serviços informáticos.
Então, como muitas vezes neste tipo de acordo, o “livre comércio” em princípio autoriza proteções ou limitações aduaneiras para setores considerados sensíveis ou importantes, cujas listas ainda precisam ser especificadas para cada um em acordo com os demais, o que não será fácil. Estamos mais no domínio do comércio administrado.
Finalmente, será necessário definir as normas e padrões comuns que se aplicarão aos chamados produtos “originais” da área. Os negociadores estabeleceram aqui um limite de integração regional de 40% no mínimo do valor dos produtos a serem beneficiados pelo acordo, o que deixa muito espaço para importações de outras áreas e em particular dos Estados Unidos ou da Europa, o que as empresas multinacionais vão aproveitar para multiplicar seus estabelecimentos diretamente na Ásia.
Especialmente porque este é um acordo comercial bastante clássico que se preocupa pouco com as normas ambientais, sociais ou políticas e, em particular, os direitos dos trabalhadores, um reflexo fiel da cultura dominante nesta região do mundo bastante mercantilista e intervencionista.
Países que integram o tratado (Fonte: Wikimedia Commons)
É preciso voltar um pouco no tempo para entender o que esse acordo diz sobre a evolução estrutural da região asiática. Na década de 1960, a China se fechou. A ascensão do Japão e depois dos “pequenos dragões” como a Coreia e Taiwan, seguida um pouco depois por uma nova geração de dragões como as Filipinas e a Tailândia, deu lugar a uma integração produtiva regional obedecendo ao modelo do “vol d’oies sauvages” (voo de gansos selvagens) descrito na década de 1970 pelo economista japonês Kaname Akamatsu: por este mecanismo, o país mais avançado terceirizava as atividades mais intensivas em mão de obra para os países menos desenvolvidos. Uma espécie de divisão vertical do trabalho amplamente baseada em diferenciais de custo de trabalho (e em grande parte também ambiental), com o objetivo de exportar para o mundo inteiro a preços sempre mais competitivos. Em suma, um mercantilismo pan-asiático.
A abertura econômica chinesa, decidida no início dos anos 1980 por Deng Xiaoping, provoca uma implosão desse modelo regional ao atrair fábricas do mundo inteiro para esse poço sem fundo de trabalhadores dóceis e mal pagos que oferecem medidas que não poderiam ser mais atraentes para os investidores estrangeiros. A China aderiu à Organização Mundial do Comércio (OMC) em 2001, para o deleite das multinacionais do mundo todo.
O circuito integrado asiático se reorganizou com um grau de complexificação dos produtos dos países mais desenvolvidos, como Coreia do Sul e Taiwan, que agora se estabelecerão massivamente na China. Com exceção das Filipinas, que se especializaram em serviços informáticos, a maioria dos pequenos dragões está recaindo em uma dependência de produtos primários que as fábricas situadas na China precisam cada vez mais.
Apenas o Vietnã e Bangladesh escaparão da armadilha. Ambos os países, pobres em matérias-primas, são os recém-chegados na divisão regional do trabalho e aparecem como bases de diversificação em relação a uma China amedrontadora e cujo gigantismo das fábricas não permite flexibilidade. Este modelo termina com a RCEP.
Em quatro décadas, a China perdeu muitas de suas vantagens salariais, fiscais e ambientais, forçando-a a se tornar mais sofisticada, enquanto seu mercado interno está se tornando cada vez mais uma verdadeira locomotiva para a região. Mas também está gerando cada vez mais medo, com suas exigências geopolíticas para com todos os seus vizinhos. O circuito asiático, portanto, ainda precisa ser reorganizado.
Os países da ASEAN (2) que se expandiram gradualmente – em particular ao Vietnã, Laos e Mianmar (Birmânia), encontram atração tanto como mercados em crescimento quanto como bases de baixo custo – estão sendo objeto de rivalidade entre a China e seus concorrentes asiáticos. As empresas chinesas estão transferindo parte das cadeias de valor para lá por motivos salariais e ambientais e porque buscam novos mercados, enquanto o protecionismo está em alta nos países industrializados. No plano geopolítico, a ASEAN também ocupa um espaço chave entre a China e seus adversários tanto regionais como globais.
A palavra-chave para compreender este acordo é a das “cadeias de valor”, ou seja, a otimização dos processos produtivos entre um conjunto de países com diferentes condições, uma espécie de retorno ao “voo de gansos selvagens” de Kaname Akamatsu. Com a pequena diferença de que o gigante chinês agora conta com metade da população e da produção da região e que, portanto, terá um papel bastante central na nova divisão asiática do trabalho.
Essas cadeias de valor serão puramente regionais ou globais? Regional em termos de recursos, ou seja, os ganhos de competitividade esperados, mas a meta é, claro, global. Especialmente porque a Ásia é responsável por metade da produção industrial mundial e até dois terços em certos setores, como eletrônicos, muitos equipamentos, brinquedos ou têxteis e roupas.
No entanto, tudo dependerá de outras zonas do mundo e, em particular, de nós europeus. No final da década de 1980, os Estados Unidos, por exemplo, forçaram o Japão a investir diretamente em seu solo em setores como automobilístico e eletrônico. A era Trump, mesmo com seus excessos, também será lembrada como uma tomada de consciência de que podemos agir no comércio mundial. Os europeus parecem até agora menos pró-ativos em relação à Ásia, e Bruxelas não se pronunciou sobre a assinatura do acordo de livre comércio RCEP. Está na hora, principalmente nos aspectos sociais e ambientais, ou mesmo nos aspectos políticos deste acordo.
O século XXI será o século do triunfo da Ásia? Os defensores desta tese compilam as estatísticas de população e de PIB: a RCEP efetivamente dá um terço da economia mundial. Mas isso é apenas um terço, e os estudos de impacto do acordo apontam para um possível aumento de... 0,2 ponto percentual do PIB ao ano para a região. Por outro lado, são as exportações que parecem ser as mais estimuladas (+ 10%) e isso condiz com o modelo de cadeia de valor agregado regional.
Mas não devemos ser muito rápidos em ignorar os aspectos geopolíticos que minam a Ásia. Existe uma zona de falha entre Pequim e os outros países asiáticos que não só assinaram a TPP sem os Estados Unidos, mas também têm alavancas alternativas no nível geopolítico.
É o caso do Quad ou Diálogo Quadrilateral sobre Segurança, que reúne Estados Unidos, Japão, Índia e Austrália. Ou ainda o surgimento do conceito estratégico do Indo-Pacífico, onde encontramos o Quad, mas também europeus, incluindo a França e o Reino Unido.
Esta aliança geopolítica em formação está agora centrada em torno do outro gigante asiático, a Índia, que se recusou a aderir à RCEP apesar da insistência de países como Japão e Coreia, que gostariam de ter um peso-pesado face a Pequim. Na verdade, a Índia tinha tanto motivos geopolíticos quanto econômicos para não ingressar na RCEP. E, especialmente, a lição clássica de que um acordo de livre comércio só é virtuoso quando os países estão aproximadamente no mesmo nível de desenvolvimento. Do contrário, devemos aceitar entrar em uma lógica de cadeia de valor agregado dominada pelos países mais avançados e aceitar a perda da soberania.
Também ouvimos que a rejeição da TPP pelos Estados Unidos teria jogado a Ásia nos braços de Pequim, que seria a grande vencedora deste acordo, um pouco como o futuro chefe da zona. Na realidade, as ferramentas de influência de Pequim são, antes, acordos de investimento e financiamento bilateral vinculados às novas Rotas da Seda, juntamente com o desejo de fazer do yuan uma moeda internacional.
A experiência do Banco Asiático de Investimento em Infraestrutura (BAII), lançado em 2014 e com sede em Xangai, mostra a capacidade dos parceiros da China de equilibrar sua influência quando se trata de uma estrutura multilateral. Seus concorrentes como Japão, Coreia e Austrália também tinham mais interesse em um acordo regional de livre comércio que coloque todos no mesmo nível de competição e que favoreça implantações fora da China. Nesse sentido, a RCEP sanciona uma espécie de concorrência entre dois eixos da integração asiática: a China de um lado e os demais países do outro, e o futuro não está escrito antecipadamente.
Para os europeus ou os americanos que desejam reduzir o peso do “made in China” sem abrir mão do mercado chinês, um tratado de livre comércio não faz muito sentido. Em vez disso, são as negociações em andamento dos tratados de investimento que importam, e elas estão tensas o suficiente para mostrar que a China também não tem todos os poderes. Nunca tantas empresas americanas investiram na China como nos últimos meses, segundo dados da UNCTAD (Conferência das Nações Unidas sobre Comércio e Desenvolvimento), e as empresas europeias consultadas recentemente não indicam que vão recolher as velas no mercado chinês; pelo contrário.
A RCEP representa uma nova etapa na organização econômica regional da Ásia. No entanto, isso não deve ser visto como uma mudança completa dos países da zona sobre a região; o resto do mundo ainda terá um importante papel econômico e político. E embora a China tenha um papel importante nessa zona, não devemos subestimar a disposição de outros países asiáticos de se organizarem ao lado dela.
1. China, Japão, Coreia do Sul, Austrália, Nova Zelândia, Vietnã, Laos, Camboja, Malásia, Cingapura, Brunei, Indonésia, Mianmar, Filipinas e Tailândia.
2. A Associação das Nações do Sudeste Asiático (ASEAN) reúne dez países: Brunei, Camboja, Indonésia, Laos, Malásia, Mianmar, Cingapura, Tailândia, Filipinas e Vietnã.
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Quem se beneficia com o Acordo de Livre Comércio Asiático? - Instituto Humanitas Unisinos - IHU