16 Janeiro 2020
"Enquanto as disputas globais continuam, a trilateral China-Japão-Coreia do Sul e a RCEP são duas iniciativas que desempenham papel importante na economia internacional. Os 15 países da RCEP mais a Rússia e a Índia são um contrapeso ao Ocidente e estão provocando uma mudança no eixo econômico de gravidade na direção do leste da Eurásia, quer os EUA queiram ou não", escreve José Eustáquio Diniz Alves, doutor em demografia e professor titular do mestrado e doutorado em População, Território e Estatísticas Públicas da Escola Nacional de Ciências Estatísticas – ENCE/IBGE, em artigo publicado por EcoDebate, 15-01-2020.
“O Mediterrâneo é o oceano do passado. O Atlântico é o oceano do presente e o Pacífico, o oceano do futuro” - John Hay, secretário de Estado dos EUA, em 1900
O leste asiático é a região que mais cresce no mundo e que mais avança nas exportações mundiais. Isto tem causado medidas protecionistas no países ocidentais, principalmente por parte do presidente Donald Trump dos Estados Unidos (EUA). Há três anos os EUA saíram das negociações para um grande acordo comercial, chamado Parceria Transpacífico (TPP, na sigla em inglês). O desenho deste acordo excluía a China e pretendia consolidar a presença econômica americana no continente mais dinâmico do mundo.
Os 10 países da ASEAN (Tailândia, Indonésia, Malásia, Filipinas, Singapura, Mianmar, Brunei, Vietnã, Laos e Camboja), mais os três países mais avançados tecnologicamente (China, Japão e Coreia do Sul), além dos dois grandes países da Oceania (Austrália e Nova Zelândia).
Mas os países asiáticos não ficaram parados. Os 10 países da ASEAN (Tailândia, Indonésia, Malásia, Filipinas, Singapura, Mianmar, Brunei, Vietnã, Laos e Camboja), mais os três países mais avançados tecnologicamente (China, Japão e Coreia do Sul), além dos dois grandes países da Oceania (Austrália e Nova Zelândia) se uniram para lançar a Parceria Econômica Regional Abrangente (RCEP, na sigla em inglês), que é um pacto que inclui disposições sobre comércio de serviços, investimento, resolução de disputas e propriedade intelectual, etc.
No dia 04 de novembro de 2019 aconteceu a 3ª Cúpula da RCEP, ocorrida em Bangkok, na Tailândia. Além dos 15 países citados, estava também presente o Primeiro-ministro da Índia, Narendra Modi. Juntos, os 16 países representam cerca de metade da população mundial e mais de um terço do PIB mundial (em poder de paridade de compra).
Porém, a Índia, preocupada com a concorrência dos produtos chineses, não assinou os termos do gigantesco acordo de livre-comércio Ásia-Pacífico. As autoridades de Nova Déli dizem que estão defendendo os agricultores, o setor de laticínios, a indústria de serviços, setores da indústria automobilística – em especial a dos carros híbridos e elétricos e os muito populares veículos de três rodas – e a maioria dos pequenos empresários de todo o país, que seriam devastados por um aumento do tsunami de mercadorias chinesas.
Contudo, a Índia precisa fazer um esforço para superar o seu intrínseco protecionismo. O país faz parte dos BRICS e também é membro da Organização de Cooperação de Xangai. Em termos estratégicos, não faz sentido a Índia ficar de fora do RCEP. As divergências entre China e Índia podem ser resolvidas no âmbito bilateral. Já houve duas cúpulas informais entre Narendra Modi e Xi Jinping. Assim, continua aberta a possibilidade dos 16 países chegarem a um acordo até a Cúpula do Vietnã, no final de 2020.
Uma outra articulação importante que ocorre no nordeste asiático é a cooperação trilateral China-Japão-Coreia do Sul, que reúne os 3 países mais avançados tecnologicamente e com maior capacidade de influenciar a região e o resto do mundo. Estes três países possuem uma cultura milenar em comum, mas também possuem um passado recente muito conflituoso, cicatrizes abertas e muitas mágoas.
Na última década, o Nordeste da Ásia alcançou um crescimento econômico sem precedentes e o comércio entre os três países se expandiu exponencialmente. Porém, conflitos antigos e problemas agudos nos laços bilaterais, dificultam a cooperação trilateral. Assim, foi realizada a Cúpula trilateral China-Japão-Coreia do Sul no dia 24 de dezembro. Com são três países onde o cristianismo é minoritário, a Cúpula foi marcada para a véspera do Natal.
Cooperação trilateral China-Japão-Coreia do Sul. Para acessar o link da imagem clique aqui.
A maioria dos estudiosos de política internacional sustenta que os EUA não estão dispostos a ver uma relação estreita entre China, Japão e Coreia do Sul, embora os três países considerem o estabelecimento de uma zona de livre comércio como uma meta significativa para o aprofundamento da cooperação. Os três países têm inimizades profundas e antigas que podem afetar amplamente os sentimentos nacionais e os EUA podem tirar proveito para aumentar a distância entre os três.
Todavia, China, Japão e Coreia do Sul estão bem cientes do ambiente geopolítico que sua cooperação trilateral enfrenta e, assim, pretendem reforçar seus laços com a Parceria Econômica Regional Abrangente (RCEP). Se a cooperação for bem-sucedida, o nordeste da Ásia poderá continuar se destacando no desenvolvimento global.
A Ásia foi o centro econômico do mundo durantes milênios, em função, especialmente, do peso dos Impérios Persa, Hindu e Chinês. A Índia e a China são os dois países mais populosos do mundo há milênios e desenvolveram grandes civilizações que deram importantes contribuições para o avanço intelectual, espiritual e material da humanidade.
No passado, o centro econômico do mundo ficava na Ásia Central, ao norte da Índia e a oeste da China, refletindo os avanços civilizacionais desfrutados no Oriente Médio e Extremo Oriente. Até 1820, a Ásia respondia por dois terços da riqueza mundial, mas foi superada rapidamente pelo Ocidente graças à Colonização da América e à Revolução Industrial e Energética que garantiu a riqueza e o poderio da Europa e dos Estados Unidos.
Em 1900, o centro econômico havia mudado para o norte da Europa, que deu um salto muito à frente do resto do mundo durante o século XIX. Na primeira metade do século XX até 1950, o centro mudou para o Atlântico Norte, refletindo a ascensão econômica e populacional dos Estados Unidos, como mostra o relatório “Urban world: Cities and the rise of the consuming class”, do McKinsey Global Institute (Junho de 2012).
Reversão no centro de gravidade econômico do mundo. Para acessar o link da imagem clique aqui.
Mas o relatório também mostra que a tendência de Ocidentalização do mundo deu um “cavalo de pau” em meados do século passado, voltou a se direcionar para o norte da Europa e agora essa tendência está se direcionando para o Oriente, em uma velocidade impressionante. O que levou séculos para se deslocar para o oeste, desde as Grandes Navegações iniciadas por Cristóvão Colombo em 1492, agora faz o caminho de volta para o leste em questão de décadas.
A McKinsey calculou onde o centro econômico ponderando o PIB nacional pelo centro geográfico de gravidade de cada país. O relatório liga a grande mudança na economia global à tendência de urbanização, observando que as economias em rápido crescimento sempre têm cidades em rápido desenvolvimento. Até 2025, prevê o relatório, dois terços do crescimento econômico mundial virão de um grupo de 600 cidades, sendo 440 delas em países em desenvolvimento. Por exemplo, o crescimento urbano da China está ocorrendo 10 vezes mais rápido do que a urbanização no Reino Unido, o primeiro país a se industrializar. A China está criando megacidades (população de 10 milhões ou mais) a uma taxa de uma por ano.
De acordo com o relatório da McKinsey, o centro de gravidade econômico vem mudando para leste na última década a uma taxa de 140 km por ano e, em 2025, terá retornado a um lugar na Ásia central, ao norte de onde foi no ano 1.000 DC. “Não é uma hipérbole dizer que estamos observando a mudança mais significativa no centro de gravidade econômico da Terra na história”, conclui o relatório.
A Ásia vai estar em foco em 2020 com a realização das Olimpíadas de Tóquio. Outra iniciativa é o grupo 17+1 que terá uma reunião em abril de 2020 em Pequim, com forte presença chinesa. Os membros do grupo 17+1 incluem 12 estados membros da UE – Estônia, Letônia, Lituânia, Polônia, República Tcheca, Eslováquia, Hungria, Romênia, Bulgária, Croácia, Eslovênia e Grécia – e cinco membros aspirantes: Sérvia, Bósnia e Herzegovina , Montenegro, Albânia e Macedônia do Norte. Assim, não há como ignorar o peso econômico e comercial do continente asiático, principalmente suas maiores nações e a liderança da China.
No dia 15 de janeiro, o presidente Donald Trump pretende assinar a primeira fase de um acordo comercial preliminar com a China (embora a ausência de Xi Jinping seja sugestiva das dificuldades do acordo) e pretende viajar a Pequim no final de 2020 para iniciar negociações sobre um acordo da segunda fase. Provavelmente a guerra comercial e tecnológico entre EUA e China vai continuar por um bom tempo. Enquanto isto, o gigante asiático vai fortalecendo sua pegada na Eurásia.
Desta forma, enquanto as disputas globais continuam, a trilateral China-Japão-Coreia do Sul e a RCEP são duas iniciativas que desempenham papel importante na economia internacional. Os 15 países da RCEP mais a Rússia e a Índia são um contrapeso ao Ocidente e estão provocando uma mudança no eixo econômico de gravidade na direção do leste da Eurásia, quer os EUA queiram ou não. A Ásia-Pacífico caminha para ser o novo centro do mundo.
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Parceria Econômica Global Abrangente (RCEP) e a trilateral China-Japão-Coreia do Sul - Instituto Humanitas Unisinos - IHU