27 Abril 2021
Digital e ambiente estiveram no centro de uma lectio magistralis de Luciano Floridi. “Não basta seguir uma carreira que leve a ser rico para que se viva em uma sociedade rica: esta é formada por muitíssimos pobres e pouquíssimos ricos.”
A reportagem é de Lucia De Ioanna, publicada em La Repubblica, 25-04-2021. A tradução é de Moisés Sbardelotto
Construir um projeto humano que una o verde de um desenvolvimento sustentável e o azul do digital, favorecendo, ao mesmo tempo, um modo de vida centrado nas relações, mais do que no consumo: esse é o coração do desafio indicado como urgente e decisivo para o futuro por Luciano Floridi, um dos mais renomados pensadores contemporâneos, capaz de interrogar os grandes pontos nodais políticos, sociais e econômicos do nosso tempo à luz da filosofia.
Professor de Filosofia e Ética da Informação na Universidade de Oxford, Floridi ministrou uma lectio magistralis, em conexão desde Oxford, sobre o tema “O verde e o azul: o projeto da humanidade para um futuro sustentável e preferível”, organizada pelo Lions Club Parma Host, com a universidade e a prefeitura da cidade, a União Parmense dos Industriais e a Gazzetta di Parma [assista abaixo, em italiano].
Se a má filosofia, “introvertida e obscura, é como um vinho decadente que faz com que você se torne abstêmio”, a boa filosofia deve olhar para as suas raízes, sair das salas de aula e de uma autorreferência estéril e antiquada, recuperando uma utilidade vital para o agir humano.
Olhando para a sociedade contemporânea, a nossa experiência é anfíbia: “Não vivemos nem online nem offline, mas onlife, em um espaço híbrido que é, ao mesmo tempo, analógico e digital. Se estou cozinhando e baixo uma receita enquanto ouço música em um velho iPad, não faz sentido me perguntar se essa experiência é online ou offline: fazer uma pergunta dessas significa estar ainda no século XX”.
Com a pandemia, a vida se deslocou marcadamente para o meio digital, conjugando-se cada vez mais como “onlife”, descolando a presença da localização: “Por exemplo, enquanto o meu corpo está localizado em casa, posso interagir em outro espaço, como neste momento”, observa Floridi. A possibilidade de agir à distância representa uma mudança de época: “Até os deuses da Ilíada, para intervir nas vicissitudes humanas, tinham que passar por baixo dos muros de Tróia, presencialmente”.
Se o digital opera um processo constante de “recortar e colar”, descolando e recompondo as formas da experiência em novas constelações, tanto físicas quanto de pensamento, “outro descolamento produzido pelo digital é entre territorialidade e lei: muitas coisas que ocorrem no ciberespaço, por exemplo, dificilmente podem ser regulamentadas apenas pelo Estado”.
Em sociedade que apresenta desafios cada vez mais complexos que afetam o ambiente, o trabalho, a justiça, a imigração, “é necessário o fator C, ou seja, a capacidade de agir valendo-se de coordenação, colaboração e cooperação. Mas, paradoxalmente, quanto pior você está, mais você precisa dos outros com os quais está inclinado a colaborar. Por outro lado, quanto mais uma sociedade cresce, mais cai a colaboração, até se chegar a acreditar que pode ser suficiente um pouco menos de coordenação”.
Nesse sentido, o problema climático, que apresenta o máximo grau de complexidade, exige o máximo grau de colaboração para ser enfrentado: “Sem colaboração, todos os esforços são inúteis”.
Para governar uma transição que, pela rapidez com que se realiza, não tem precedentes na história da humanidade, já que nem mesmo a revolução agrícola e a industrial produziram mudanças tão rápidas quanto as desencadeadas pela transformação digital, “é preciso ter um visão e uma boa governança. Parte da nossa crise atual, incluindo os populismos, deriva de um fracasso da governança das nossas sociedades da informação”.
Enquanto o planejamento moderno se ocupa quase exclusivamente em facilitar o planejamento individual, observa o filósofo, ele perde de vista o objetivo de construir um projeto social e humano: “Não basta seguir uma carreira que leve a ser rico para que se viva em uma sociedade rica: esta é feita de muitíssimos pobres e pouquíssimos ricos. Unindo-se a um grupo colaborativo, é possível ter ambições maiores do que aquelas que podemos ter se permanecemos separados em muitos átomos: devemos recuperar o sabor forte do ‘nós’, que o ‘eu’, como palavra, não pode ter”.
O projeto humano deve cuidar do mundo e, para fazer isso, “deve descolar o capitalismo do consumismo: não podemos pensar em um futuro em que destruiremos três planetas por ano, porque nós não os temos. Devemos inventar um consumismos não capitalista, mas do cuidado. Precisamos de agentes muito poderosos que cumpram o seu papel de bons cidadãos: não basta cuidar dos próprios interesses gerando lucro: não é mais assim. É preciso cuidar da felicidade não só individual, mas também de populações inteiras, de todo o planeta”.
Se o trabalho a ser feito é muito, ele também é entusiasmante: “Aos jovens de hoje, podemos dizer que estamos diante de um dos maiores desafios que a humanidade já viu: salvar o planeta e a sociedade humana. Esse desafio é um pouco como o nosso desembarque na Normandia: há um futuro para a humanidade a ser construído de tal forma que, quando alguém olhar para trás, possa agradecer a quem o precedeu”.
O casamento entre o verde e o azul permite realizar “um planejamento social, comunitário e não individualista que serve para coordenar de forma colaborativa os esforços para resolver problemas já globais: hoje, as tecnologias nos permitem enfrentar questões complexas de uma forma muito mais construtiva do que no passado”.
Olhando para as sociedades do passado, encontramos a indicação para uma virada para redesenhar o futuro: “Quando eu era pequeno, na minha cidade da Ciociaria, não se jogava nada fora, porque não havia nada para se jogar fora. Exceto nas últimas décadas, sempre vivemos em economias circulares, mas pobres”.
Apenas há algumas décadas, “passamos para uma economia linear, rica, que, com a tecnologia analógica, fez muito bem ao ser humano, mas destruindo o ambiente. Hoje, o digital permite fazer muito mais com recursos cada vez menores: basta pensar, por exemplo, na passagem da vela, para a lâmpada elétrica e depois para a lâmpada LED”.
Graças ao azul do digital, “podemos voltar às economias circulares como no passado, mas tão ricas quanto as mais recentes, porque o LED é muito melhor do que a lâmpada, aumentando as nossas oportunidades, mas com um consumo cada vez menor. Investir no verde do digital significa investir na sustentabilidade e construir um projeto para a humanidade à altura da sua grandeza”.
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“É preciso descolar o capitalismo do consumismo para salvar o planeta”, afirma Luciano Floridi - Instituto Humanitas Unisinos - IHU