25 Março 2021
"Falamos de uma não governança, e não somente ambiental, mas social! Misturamos tudo e percebemos que é o retrato do Brasil!", escreve Helânia Pereira da Silva, doutora pela Universidade Federal do Ceará - UFC, na área de Dinâmica e Reestruturação do território e licenciada em Geografia pela Universidade Federal do Rio Grande do Norte - UFRN, em artigo publicado por EcoDebate, 24-03-2021.
Vivenciamos há séculos e em especial, nos países pobres e em desenvolvimento o descaso com a natureza, a interferência selvagem do homem sobre os ecossistemas, retirando até a última folha de nossas árvores, num desmata daqui, desmata dali, avança as queimadas; as fronteiras agrícolas; bebendo até a última gota de nossas águas limpas, trançando políticas públicas nada ecológicas, e uma governança ambiental que segue sem rumo, sufocada diante de tantas outras pautas emergenciais, como: o alastro da Covid -19 nesse país, a pobreza que segue a ponto de bala, e nem quero falar de bala agora! Perdura a formação de milícias, a guerra dos três poderes, os altos índices de desemprego; a violência doméstica e urbana; o abandono das populações indígenas; são tantos descasos que configuram o próprio abandono do nosso povo e um salve-se quem puder.
Até cabe lembrar os velhos e famosos filmes de faroeste onde giram em torno do conceito de violência, e não somente física, mas renegando as raças, a raça secundária é a vilã; existe os cavalos e seus cawboys, existe armas, um herói clássico da história representado pela raça branca, e um cenário ideal daquele velho Oeste Norte – americano ao sopro dos ventos empoeirados, poucas ou nenhuma árvore, ruas abandonadas e quem atirar primeiro, salva-se. Porém, nesse gênero fica bem claro que os personagens que causam danos à sociedade são os bandidos e aqueles que tentam impedi-los são os heróis. Processo diferente ocorre nesse vasto Brasil da politicagem e de inversão de valores e deveres! Onde nossos heróis já se perderam! Aqui os bandidos se confundem com heróis!
Pois bem, voltando ao contexto da questão socioambiental quero enfatizar que os nossos serviços ecossistêmicos – se estão se perdendo, sem ao menos serem reconhecidos; nossa floresta, nossa cultura dos povos indígenas, nossa biodiversidade são abandonadas, nossas reservas hídricas são poluídas e nosso povo é esquecido nas favelas das grandes cidades brasileiras. Sem água potável, ou fontes limpas para lavar as mãos num contexto de higiene-salvação; sem tratamento de resíduos, sem renda mínima para viverem; esquecidos em sua vielas, e poucos cômodos apertados. Injustiçados por um racismo ambiental de séculos.
Por injustiça ambiental entende-se o mecanismo pelo qual sociedades desiguais, do ponto de vista econômico e social, destinam a maior carga dos danos ambientais do desenvolvimento às populações de baixa renda, aos grupos raciais discriminados, aos povos étnicos tradicionais, as populações marginalizadas e vulneráveis. (REDE BRASILEIRA DE JUSTIÇA AMBIENTAL, 2015, p. 41). “A denúncia da desigualdade ambiental sugere uma distribuição desigual das partes de um meio ambiente injustamente dividido”. (ACSELRAD; HERCULANO e PÁDUA, 2004, p.3).
Para a superação dos riscos e conflitos ambientais sofridos pelas populações mais vulneráveis socialmente, é necessário, primeiramente, que a população tome conhecimento do risco ao qual está exposta (DUARTE, 2009; OPAS, 2004). Exemplos de injustiças ambientais no Brasil acontecem em áreas de encostas, margens de rios, em manguezais; em regiões do Sertão e Norte do país. Lugares que acomodam populações empobrecidas pela falta de políticas públicas eficazes, por não usufruírem da fatia do bolo desse país de tantas riquezas naturais. Sim! Riquezas que poderiam ser bem distribuídas entre o nosso povo, aproveitando-se dos serviços ecossistêmicos – se de forma racional e produtiva, com geração de renda para os mais pobres, e redução das injustiças ambientais Brasil à fora.
Esclarecendo um pouco mais, a Millennium Ecosystem Assessment (2005) mostra que os serviços dos ecossistemas são os benefícios que as pessoas recebem da natureza. Estes incluem serviços de provisão, como alimento e água; de regulação de enchentes, das secas, e de doenças; de suporte como a formação dos solos e os ciclos de nutrientes, e culturais, valor espiritual, valor religioso, dentre outros benefícios não-materiais.
E, quem perde com tantas injustiças? Todo o país. Àquele que já foi a 10ª economia mundial. Agora pode figurar até o final deste ano na 12ª posição. Isso mesmo! Perdemos espaço num contexto de crise sanitária, instabilidade política e crise de projeto nacional, em especial o econômico. Sendo ultrapassado por países como: o Canadá, Coreia do Sul e Rússia (Levantamento de 2021 do Instituto Brasileiro de Economia, da Fundação Getúlio Vargas – Ibre/FGV).
É preciso resgatar a força deste País, com uso racional da Amazônia, fazer o Nordeste progredir, eliminar as queimadas, despoluir nossos corpos hídricos, gerar emprego e renda proporcional à região; facilitar moradias dignas, e redução das desigualdades socioambientais. Levantar por fim, a bandeira dos movimentos por justiça ambiental. Pois, não se enganem, o descontrole da natureza está também interligado a esse caos do vírus pelo mundo. Assim, de forma mais urgente lutemos para controlar a pandemia que nos assola, desenfreadamente, e cujos demais temas ficam em segundo plano na urgência da vida.
Mas, não esqueçamos que também o principal vírus que dissemina a inviabilidade econômica dos países em desenvolvimento atende pelo nome de miséria científica e tecnológica. São os gurus do mito do desenvolvimento que têm uma visão quantitativa do mundo. Ignoram os processos qualitativos históricos – culturais, o progresso não linear da sociedade, as abordagens éticas, a até prescindem dos impactos ecológicos. Confundem crescimento econômico com o desenvolvimento de uma modernidade capitalista que não existe nos países pobres (RIVERO, 2002, p. 132, apud VEIGA, 2008, p. 22).
Os resultados mostram que nos últimos 50 anos, o homem modificou os ecossistemas mais rápido e extensivamente que em qualquer intervalo de tempo equivalente na história da humanidade. As mudanças ocorridas nos ecossistemas contribuíram com ganhos finais substanciais para o bem-estar humano e o desenvolvimento econômico. Porém, esses ganhos foram obtidos a um custo crescente baseado na perda no patrimônio natural, ou riqueza de um país (LIENHOOP et al., 2015, p. 01).
Portanto, governantes e sociedade, mesmo diante de um contexto de pandemia, onde os holofotes estão voltados a salvação das vidas humanas, o que é justíssimo! Não esqueçamos o valor do nosso patrimônio natural, pensemos em estratégias de salvar a nossa gente usando de forma equilibrada à natureza. Vamos gerar renda, não apenas pelo viés agroexportador, mas pela agricultura familiar, pelo beneficiamento de produtos do homem do campo, pela abertura de nossas fábricas e por um turismo que voltará a crescer no tempo pós pandêmico. Vamos pensar, juntos, estratégias para o bem – estar de uma população que sairá desolada, sofrida, entristecida, sem rumo num contexto de sobrevivência à toda essa crise vigente. Lutemos contra o vírus, seja ele biológico, ou ideológico, e não menos mortal!
ACSELRAD, H.; HERCULANO, S; PÁDUA, J. A. Justiça ambiental e cidadania. Rio de Janeiro: Relume Dumará, 2004.
BRASIL deixa grupo das 10 maiores economias do mundo. Agência Estado de São Paulo, São Paulo, 02 de março. 2021. Disponível aqui. Acesso em: 04 de março. 2021.
DUARTE, Filipe Correia. Segragação Socioespacial e Distribuição Desigual de Riscos Ambientais na Cidade de Itaocara, RJ. 2009. Monografia (Bacharelado em Ciências Sociais) -Universidade Estadual do Norte Fluminense Darcy Ribeiro, Campos dos Goytacazes (RJ), 2009.
LIENHOOP, N.; BARTKOWSKI, B.; HANSJURGENS, B. Informing biodiversity policy: The role of economic valuation, deliberative institutions and deliberative monetary valuation. Environmental Science & Policy, v. 54, p. 522-532, 2015.
MARTINEZ-ALIER. J. Justiça ambiental, sustentabilidade e valoração. Ecología política, n. 21, p. 103-134, 2001. 179.
MARTINEZ-ALIER. J. Mining conflicts, environmental justice, and valuation. Journal of Hazardous Materials, n.86, p.153-170, 2002.
________. El Ecologismo de los Pobres. Conflictos Ambientales y Lenguajes de Valoración. Icaria. Barcelona, 2005.
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REDE BRASILEIRA DE JUSTIÇA AMBIENTAL. Quem somos, 2015. Disponível em: http://www.justicaambiental.org.br. Acesso em: 19 dez. 2018.
SILVA, Helânia Pereira da. Serviços ecossistêmicos e Segurança hídrica na serra de Martins, Oeste do RN. 2020. Tese (Doutorado em Geografia) – Programa de Pós Graduação em Geografia, universidade Federal do Ceará, Fortaleza, 2020.
VEIGA, J. E. da. Desenvolvimento sustentável: o desafio do século XXI. 3. ed. Rio de Janeiro: Garamond, 2008.
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Serviços ecossistêmicos como alternativa na redução das desigualdades socioambientais. Artigo de Helânia Pereira da Silva - Instituto Humanitas Unisinos - IHU