23 Fevereiro 2021
Um programa para que empresas brasileiras e estrangeiras apadrinhem a preservação da floresta, esta é a ideia do Adote um Parque, lançado pelo Ministério do Meio Ambiente. O governo federal estima arrecadar R$ 3,2 bilhões para a preservação ambiental. Na avaliação de Marcio Astrini, secretário executivo do Observatório do Clima, tudo não passa de um jogo de cena. “O que falta não é dinheiro, falta compromisso”, afirma em entrevista à RFI.
A reportagem é de Cristiane Capuchinho, publicada por Radio França Internacional - RFI, 22-02-2021.
O evento teve pompa e circunstância. No dia 9 de fevereiro, o ministro do Meio Ambiente, Ricardo Salles, e o presidente Jair Bolsonaro (sem partido) anunciaram a criação do Adote um Parque, um programa para atrair recursos privados nacionais e estrangeiros para a preservação de Unidades de Conservação. O pontapé inicial foi dado pelo grupo de supermercados francês Carrefour, com a presença no evento do seu CEO no Brasil, Noël Prioux, que assinou um compromisso de apadrinhamento de um parque em Rondônia por R$ 4 milhões.
O programa, de acordo com o governo federal, pretende obter R$ 3,2 bilhões para o combate a incêndios florestais, prevenção e combate ao desmatamento ilegal e recuperação de áreas degradadas nas 132 unidades de Conservação. A medida, no entanto, é vista com descrença por quem acompanha o cotidiano das políticas ambientais do país.
“É apenas uma cena de marketing, no palco e diante dos microfones este governo tenta lançar um projeto para parecer que cuida do meio ambiente, mas por trás das cortinas o que o governo faz é incentivar o desmatamento e os crimes ambientais na Amazônia”, afirma Marcio Astrini, secretário executivo do Observatório do Clima.
“Enquanto posa para fotos do Adote um Parque incentiva medidas que facilitem a exportação de madeira ilegal, o governo parou a cobrança de multas ambientais no Brasil há mais de um ano, desde outubro de 2019. O governo enviou para o Congresso projetos que estimulam tanto a grilagem de terra quanto a invasão de áreas públicas. Esses parques que o governo está colocando para adoção são os mesmos parques que o governo abandonou”, completa.
No dia seguinte ao lançamento do programa de preservação, o vice-presidente Hamilton Mourão anunciou a saída dos militares do combate ao desmatamento na Amazônia. A fiscalização ficará a cargo dos técnicos do Ibama e do ICMBio. O ano de 2020, de acordo com levantamento do Instituto Imazon, registrou recorde de desmatamento na Amazônia nos últimos dez anos: mais de 8 mil quilômetros quadrados de florestas foram destruídos em doze meses –30% mais que em 2019.
A ideia de fazer uma aliança com recursos privados para cuidar da floresta não é nova. Desde 2006, o Brasil faz concessões florestais para a iniciativa privada explorar recursos de maneira controlada e sustentável, lembra o secretário executivo do Observatório do Clima.
A questão para que isso funcione bem é a necessidade de fiscalização e aí está parte do problema. Astrini conta o caso de uma concessão na Flona do Janari, em Rondônia, onde houve uma invasão de madeireiros ilegais.
“Em 2019, o Ibama foi lá pra dar uma apreensão nesses ilegais que estavam roubando árvores dentro dessa área de concessão em que uma empresa operava legalmente. O presidente Bolsonaro em pessoa pediu para cancelar a operação de combate a madeireiros ilegais. Prejudicando a iniciativa privada que participou de um edital, estava lá pagando seus impostos. É o crime que está sendo beneficiado pelo governo”, avalia.
“Só o dinheiro não faz milagre, você precisa ter um governo que queira usar o dinheiro de forma responsável”. O Fundo Amazônia, da Noruega e Alemanha, tem atualmente R$ 3 bilhões parados. “Esse dinheiro poderia ser usado para combater queimadas, combater desmatamento na Amazônia, inclusive nesses lugares que estão sendo colocados para adoção. O governo não tem compromisso com o combate ao crime ambiental. Não falta dinheiro à administração Bolsonaro, o que falta é compromisso”, crava.
Astrini lembra do momento em que Bolsonaro sugeriu à primeira-ministra alemã, Angela Merkel, que usasse o dinheiro de ajuda à preservação da Amazônia para o reflorestamento da Alemanha. “Pega essa grana e refloreste a Alemanha, tá ok? Lá está precisando muito mais do que aqui”, disse o presidente brasileiro em agosto de 2019.
“É recorrente esse discurso do governo de que falta dinheiro quando, na verdade, o dinheiro está aí e não é utilizado porque ele não tem compromisso”, avalia o secretário executivo do Observatório do Clima.
Para Astrini, com a chegada do democrata Joe Biden ao governo norte-americano os Estados Unidos devem reforçar um ambiente político de busca por soluções à crise climática. Durante sua campanha, Biden chegou a criticar o Brasil em um debate contra Trump e propôs a criação de um fundo de US$ 20 bilhões (mais de R$ 100 bi) para a preservação da Amazônia.
Ao lado da Europa e da China, o governo norte-americano deve tomar uma postura pró agenda ambiental, com metas de redução de desmatamento e de poluição. “Do outro lado da moeda está o Brasil. O governo brasileiro virou um inimigo do clima mundial”, salienta. “ Eles estão a dois anos promovendo desmatamento e retrocessos. O maior inimigo da Amazônia está sentado no Palácio do Planalto.”
As pressões comerciais já enfrentadas pelo Brasil devem continuar. O desmatamento entrava a assinatura do acordo comercial com a União Europeia assim como a entrada do país na OCDE (Organização de Cooperação pelo Desenvolvimento Econômico). No entanto, Astrini acredita que os EUA não devem aumentar o tom da conversa por agora.
“O governo norte-americano primeiro deve convidar o Brasil e dar todas as oportunidades para que o governo assuma compromissos e faça alguma coisa. Mas a gente sabe que neste governo de onde menos se espera é que nada acontece mesmo”, afirma, descrente.
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“Maior inimigo da Amazônia está sentado no Palácio do Planalto”, denuncia Observatório do Clima - Instituto Humanitas Unisinos - IHU