09 Fevereiro 2021
Parte da pesquisa é realizada na maior Reserva Particular do Patrimônio Natural do país, a RPPN Sesc Pantanal.
A reportagem é publicada por EcoDebate, 05-02-2021.
Avaliar como os recentes incêndios, ocorridos em 2020, irão afetar as condições físicas, químicas e biológicas do ecossistema pantaneiro é o objetivo da pesquisa realizada pela Universidade Federal de Mato Grosso (UFMT), com o apoio do Polo Socioambiental Sesc Pantanal, ao longo do rio Cuiabá. Na semana em que se comemora o Dia Mundial das Áreas Úmidas (02.02), instituições atuantes no Pantanal destacam a importância do estudo na maior planície inundável do mundo para a proposição de ações de prevenção e manejo do fogo.
O projeto de pesquisa realizado em um dos limites da maior Reserva Particular do Patrimônio Natural do país, a RPPN Sesc Pantanal, é coordenado pelo Instituto de Biociências da UFMT. Conforme o pesquisador Ibraim Fantin da Cruz, doutor em Recursos Hídricos da UFMT, serão avaliadas as possíveis consequências dos incêndios sobre a estrutura e composição dos micro-organismos aquáticos, base da cadeia alimentar dos peixes e, com isso, contribuir para a gestão dos recursos hídricos e pesqueiros no Pantanal, bem como para a proposição de ações de prevenção e manejo do fogo e para as mudanças climáticas na região.
De acordo com Ibraim, a porção baixa da bacia do rio Cuiabá, localizada no Pantanal, entre os municípios de Poconé e Barão de Melgaço, foi uma das mais afetadas e é justamente onde vivem muitas comunidades tradicionais que dependem da pesca para a sua sobrevivência, além de ser uma região ecoturística.
Apesar da escassez de estudos, algumas pesquisas científicas têm apontado que a presença das cinzas dos incêndios altera a composição química do solo e, quando ocorre o escoamento superficial, após as primeiras chuvas, substâncias presentes nelas atingem as águas dos rios, contaminando-as.
Compostos nitrogenados e potássio, especialmente, ao atingir a água em altas concentrações, se tornam tóxicos às espécies aquáticas e aos organismos do solo e também afetam a qualidade da água, podendo causar mortandade ou redução da população de peixes e, possivelmente, alterar a comunidade de micro-organismos aquáticos, fundamentais para a alimentação dos peixes.
Também estão sendo investigados os impactos do fogo sobre a fauna e flora terrestres, como forma de conhecer e quantificar os prejuízos dos incêndios florestais ao Pantanal, bem como responder aos anseios e demandas da sociedade e da comunidade científica, para criar mecanismos de proteção e de subsidiar ações emergenciais e preventivas no futuro.
Ibraim explica que a pesquisa é baseada em coletas de água do rio Cuiabá realizadas em duas campanhas. A primeira coleta foi realizada antes das primeiras chuvas. A segunda ocorrerá após o início das chuvas, quando o rio Cuiabá começar a aumentar o volume de água pelo escoamento superficial da bacia. Estão sendo amostrados 30 pontos de coleta, que foram marcados através de imagens de satélite das áreas mais afetadas pelo fogo, compreendendo o trecho de cerca de 300 km do rio Cuiabá entre Santo Antônio do Leverger e Porto Jofre.
O poder regenerativo do Pantanal é considerado quase que um milagre da natureza. O pesquisador explica que a planície pantaneira funciona como uma esponja que mantém e reserva a água para distribuí-la pela planície no período de seca. Isso conserva a vida biológica. Com base nos dados que serão colhidos na pesquisa e o comportamento do clima este ano espera-se uma análise concreta do impacto dos incêndios no Pantanal.
“O que tudo indica é que as cinzas aumentaram o PH (escala numérica adimensional utilizada para especificar a acidez) e pode ter levado nutrientes para a vegetação. No entanto, é preciso esperar o resultado final da pesquisa”, comentou Ibraim.
A bióloga e gerente de Pesquisa e Meio Ambiente do Sesc Pantanal, Cristina Cuiabália, conta que a reserva vem realizando ações preventivas contra os incêndios há mais de 20 anos e, após as ocorrências no ano passado, foram intensificados diagnósticos e monitoramentos na área para analisar os impactos na fauna e flora da RPPN Sesc Pantanal.
“É importante entender como as espécies e os ambientes estão respondendo em relação ao ocorrido e, por isso, consideramos de grande relevância a integração de esforços da iniciativa privada e da comunidade científica em busca de soluções coletivas para a conservação ambiental da planície pantaneira como também para o desenvolvimento econômico sustentável do Pantanal”, observou Cuiabália.
Segundo os pesquisadores que estão desenvolvendo a análise sobre os impactos dos incêndios no Pantanal, a hidrologia pantaneira é complexa e influenciada pela descarga de vários rios que transbordam na planície, além da água proveniente da precipitação, imprescindível em algumas áreas de menor inundação.
A conexão dos rios com a planície, juntamente com a sazonalidade de chuvas, resulta na variação anual do nível da água (pulso de inundação), fundamental para garantir os processos ecológicos do sistema e a grande diversidade biológica, de habitats e de paisagens, o que torna o Pantanal um bioma único. Estas características levaram à proclamação deste bioma a Patrimônio Nacional pela Constituição Brasileira de 1988; Reserva da Biosfera e Patrimônio Natural da Humanidade pela Unesco (2000), e área úmida de importância internacional com quatro Sítios Ramsar, sendo a RPPN Sesc Pantanal um deles.
As áreas úmidas geram inúmeros benefícios aos seres vivos, incluindo os seres humanos. São um dos maiores estoques terrestres de carbono do planeta, atuam na redução de poluentes, amenizam processos erosivos, produzem biodiversidade e variabilidade genética e dão suporte às atividades culturais como o lazer, turismo, contemplação e como territórios de comunidades rurais e urbanas. A condição sazonal do Pantanal implica em dois períodos hidrológicos distintos, cheia e estiagem. Na época de estiagem, grande parte da planície, antes inundada, passa a ser um ambiente terrestre, onde a escassez de água pode inclusive afetar o abastecimento de comunidades que vivem na planície.
No livro “A Bacia do Rio Cuiabá – Uma abordagem Socioambiental”, publicação organizada por cientistas da UFMT e da Unemat, pesquisadores como a bióloga Daniela Maimoni de Figueiredo afirmam que as mudanças naturais e antrópicas do pulso de inundação têm efeitos grandes para a estrutura e funcionamento dos ecossistemas e afetam os benefícios prestados à paisagem e às populações humanas.
Daniela ressalta que o Pantanal depende fundamentalmente das águas oriundas dos Cerrados do Brasil Central, das Matas Chiquitanas da Bolívia e áreas do Chaco Paraguaio. É de grande diversidade de espécies, possui elevadas densidades populacionais de diversas espécies ameaçadas tais como a onça-pintada (Panthera onca) e a anta (Tapirus terrestris), além de uma grande variedade de macro-habitats que desperta o interesse de cientistas e turistas do mundo inteiro. É também o lugar de populações tradicionais adaptadas ao ritmo das águas pantaneiras.
“Diante de toda a rica complexidade, importância e beleza do Pantanal, esforços coletivos como estes têm buscado maneiras de compreender melhor a região e contribuir para a sustentabilidade nos diferentes usos da planície, para que se mantenha sua função essencial de garantir a sobrevivência humana e de outras espécies”, destaca a superintendente do Sesc Pantanal, Christiane Caetano.
As áreas úmidas são complexos ecossistemas que englobam desde as áreas marinhas e costeiras até as continentais e as artificiais. São classificados 42 diferentes tipos de zonas úmidas, entre eles lagos, manguezais, pântanos, áreas irrigadas para agricultura e reservatórios de hidrelétricas.
A definição do conceito de área úmida surgiu na Convenção de Ramsar. O tratado intergovernamental celebrado no Irã, em 1971, marcou o início das ações nacionais e internacionais para a conservação e o uso sustentável das zonas úmidas e de seus recursos naturais. Atualmente, 150 países são signatários do tratado, incluindo o Brasil.
A convenção também classificou as áreas úmidas de importância mundial, os chamados Sítios Ramsar. Existem 1.556 sítios Ramsar reconhecidos mundialmente por suas características, biodiversidade e importância estratégica para as populações locais. No Brasil, são sete sítios Ramsar.
As áreas úmidas existem em todos os tipos de ecossistemas e são importantes para a manutenção da biodiversidade. Situadas em uma interface entre a água e o solo, as áreas úmidas são ecossistemas complexos, pressionados não somente pela ação direta do homem, mas também pelos impactos sobre ecossistemas terrestres, marinhos e de água doce adjacentes.
As áreas úmidas abrigam uma enorme variedade de espécies endêmicas, mas, também, periodicamente, espécies terrestres e de águas profundas e, portanto, contribuem substancialmente para a biodiversidade ambiental. Além disso, têm papel importante no ciclo hidrológico, ampliando a capacidade de retenção de água da região onde se localiza, promovendo o múltiplo uso das águas pelos seres humanos.
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Pesquisa avalia impactos dos incêndios na condição da água do Pantanal - Instituto Humanitas Unisinos - IHU