21 Outubro 2016
São ecossistemas fundamentais, porque funcionam como grandes reservatórios de água. No entanto, são consideradas terras improdutivas e dentro de pouco tempo poderão desaparecer. Quintana investiga as áreas úmidas desde 1986 e adverte sobre o perigo de seu desaparecimento.
As áreas úmidas compreendem áreas de superfície terrestre que estão, de modo temporário ou permanente, inundadas. São ecossistemas híbridos – tanto terrestres como aquáticos – que oferecem uma multiplicidade de serviços de interesse social. Por exemplo, proveem água (para uso industrial, agrícola e doméstico) e alimentos (peixes), impedem enchentes e funcionam como reservatório de recursos naturais estratégicos como o carbono. No entanto, desde 1970 até hoje, estima-se que entre 65% e 74% das terras úmidas foram perdidas ou degradadas em nível mundial. Com má reputação, ao longo da história, foram considerados como terras improdutivas e fontes de pragas. Atualmente, um projeto de lei tentará promover e incentivar sua conservação, com o objetivo de regular o estreito limite que separa a produtividade e o desenvolvimento sustentável dos ambientes naturais.
Nesta oportunidade, Rubén Quintana, doutor em Ciências Biológicas (UBA), tentará explicar tudo o que sabe sobre estes ecossistemas, espaços geográficos muito particulares pelos quais se apaixonou há mais de 30 anos. Entre os dias 17 e 22 de outubro, “o ecólogo – mas não ecologista” – (que pertence ao Instituto de Pesquisa e Engenharia Ambiental da Universidade Nacional de San Martín) participará como docente de pós-graduação “Futuros”, um fórum organizado pela UNSAM e sua Fundação Funintec, para refletir sobre as novas tecnologias e os desafios ambientais que a humanidade enfrenta.
“Desde pequeno senti certa afinidade pela natureza e as problemáticas de índole biológica. Quando eu era adolescente, meus familiares pensaram que eu ia escolher engenharia agrícola ou veterinária. No entanto, sempre tive tudo muito claro. Além disso, lá pela década de 1970, quando estava terminando o ensino médio, a ecologia começou a adquirir relevância mundial. Assim que não tive outro remédio senão escolher esta bela orientação”.
A entrevista é de Pablo Esteban, publicada por Página/12, 19-10-2016. A tradução é de André Langer.
Em um artigo, você assinala que é ecólogo, mas não ecologista. A que se refere com a exceção?
Não digo isso de modo pejorativo. Considero que os ecologistas são militantes e que defendem a políticas de proteção ambiental. Creio que fazem muito bem e que é necessário que seja assim. No meu caso, sou ecólogo, porque meu trabalho é diferente: baseia-se na contribuição de informações para a resolução de problemáticas ambientais a partir de políticas públicas por intermédio da pesquisa de áreas úmidas.
Você estuda as áreas úmidas desde 1986. Toda uma vida...
Na verdade, sim. A partir da última terça parte da carreira, conheci aquela que seria minha orientadora de tese, a doutora Inés Malvarez. Ela foi uma pioneira na Argentina ao introduzir a pesquisa das áreas úmidas. Gostei tanto da sua matéria que, junto com meus companheiros de curso, decidimos encarar os primeiros projetos no Delta do Paraná, há 30 anos.
Por que representam um recurso de relevância social?
São reconhecidos como ecossistemas críticos para o ser humano, por sua grande capacidade para prover bens e serviços. De fato, em nível mundial, quase 40% dos serviços ecossistêmicos são proporcionados pelas áreas úmidas. Sobretudo, porque a água pode ser destinada para uso industrial, agrícola e doméstico. Em especial, refiro-me às áreas úmidas de água doce, já que também existem áreas úmidas marinhas. O regime hidrológico é fundamental para sua estrutura e funcionamento. Por isso, são tão sensíveis às transformações que os seres humanos podem provocar.
Também são importantes para controlar cheias...
Evidentemente. Encarregam-se de amortecer as enchentes, porque absorvem os excedentes hídricos. Também são importantes os manguezais – áreas úmidas costeiras de zonas tropicais – por sua função protetora das costas. Por exemplo, os efeitos do furacão Katrina em 2005 teriam sido suavizados na cidade de Nova Orleans se as áreas costeiras do Golfo do México tivessem estado em boas condições. Por outro lado, também são fundamentais nos processos de purificação nas bacias de água doce e funcionam como reservatórios de carbono (no caso das turfeiras, um tipo ácido de áreas úmidas).
Com tantas vantagens, por que estão em risco em nível mundial? Li que o avanço da fronteira agrícola, os processos de urbanização e o aumento de projetos imobiliários são fatores centrais nesta linha.
As áreas úmidas representam um dos ecossistemas mais importantes para a humanidade, mas ao mesmo tempo são os mais vulneráveis à intervenção humana. Desde 1970 até hoje, estima-se que entre 65% e 74% das áreas úmidas foram perdidas ou degradadas em nível mundial. O problema central é que, para além da sua centralidade, sempre foram considerados terras improdutivas e fontes de pragas. Por isso, sempre tenderam a ser transformados em ecossistemas terrestres ou então aquáticos, a partir de processos de drenagem.
Na Argentina, estas mudanças se deram para viabilizar o avanço da pecuária, do desmatamento e para promover os empreendimentos urbanos. Inclusive, em alguns casos, para impulsionar o desenvolvimento de atividades agrícolas, com cultivos de arroz e soja. Isso, além da sua degradação, ocasiona um problema maior vinculado ao uso de agroquímicos, como o glifosato e a contaminação da água.
A todas estas ameaças soma-se a mudança climática e o aquecimento global.
Sim. As áreas úmidas costeiras, por exemplo, se veem afetadas pela subida dos níveis do mar, assim como também pelos aumentos de temperatura e das precipitações. São transformações que afetam seu regime hidrológico.
Que estratégias de proteção são requeridas para a sua conservação? Existe uma convenção internacional que discute este tipo de problemática?
Sim, existe um grupo que de modo específico se preocupa com as áreas úmidas. A Convenção de Ramsar [Convenção sobre as Áreas Úmidas de Importância Internacional] foi assinada em 1971 (no Irã) e nosso país [Argentina] incorporou-se no princípio dos anos 90. Seu objetivo é gerar o compromisso de todas os países para promover a sustentação e a conservação destes ecossistemas. Em âmbito nacional, existe um projeto de lei que foi aprovado nas comissões da Agricultura e do Ambiente no Senado. De forma que o próximo passo seria a sua discussão na assembleia. Há três anos, houve um projeto similar que foi aprovado na Câmara Alta, mas depois perdeu estado parlamentar.
Por quê?
Porque existem setores que presumem que uma lei deste tipo pode afetar seus interesses.
Em certos meios de comunicação, trata-se de um capítulo a mais na eterna tensão entre produtivismo e desenvolvimento sustentável...
Sim, mas se deveria ter presente que estas leis não estão interessadas em proibir atividades, mas em ordenar cursos de ação. O país necessita de um ordenamento ambiental territorial. Com efeito, seria fundamental ter bem claro um panorama completo do modo como se manejam os ecossistemas. No Delta, lá por 2013, pudemos constatar que contávamos com mais de 240 mil hectares ‘endicados’, o que representa 14% do território. Este ano, enfrentamos sérios problemas de enchentes porque a água não circula e fica bloqueada diante da presença de terraplanagens. Isto, evidentemente, também prejudica os próprios setores rurais e é o resultado da falta de planejamento. Modificam-se as infraestruturas sem critérios que considerem como determinadas geografias são sensíveis às modificações humanas.
Neste marco, se tivesse que construir uma hipótese: como acredita que será a situação das áreas úmidas dentro de 300 ou 400 anos?
A situação é crítica e o será ainda mais. Não tenho motivos para ser otimista. Como disse, temos uma convenção internacional que já tem 45 anos e as coisas não vão bem. A própria organização, durante a última reunião no Uruguai, ocupou-se de descrever o processo de degradação que estes ecossistemas enfrentam. De modo que, embora tenha havido muitos avanços no reconhecimento da importância de sua conservação, a situação não se reverte. Por isso, existe uma série incertezas sobre como este tema avançará no futuro, com uma população crescente e com novas necessidades.
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“A situação das áreas úmidas é crítica”. Entrevista com Rubén Quintana - Instituto Humanitas Unisinos - IHU