24 Novembro 2020
O papa Francisco em conversa com Austen Ivereigh responde ao negacionistas da pandemia: “Alguns padres e leigos fizeram das restrições uma batalha cultural, quando na realidade tratava-se de garantir e proteger todas as vidas”.
A reportagem é de Jesús Bastante, publicada por Religión Digital, 23-11-2020. A tradução é de Wagner Fernandes de Azevedo.
Não ao “vitimismo” nem aos “padres e leigos que fizeram do confinamento e das restrições pelo coronavírus uma batalha cultural quando na realidade tratava-se de garantir e proteger todas as vidas”. O papa Francisco contrapõe aqueles que, desde a política, meios de comunicação e a Igreja, utilizaram da pandemia para gerar discursos de ódio e exclusão.
“Muita gente é vítima somente em sua imaginação”, afirmou o pontífice em “Sonhemos juntos”, livro com suas conversas durante o confinamento com o jornalista Austen Ivereigh, e que será publicado no próximo 03 de dezembro (na Espanha).
No livro, Bergoglio denuncia como alguns meios de comunicação e líderes políticos, usaram desta crise “para persuadir as pessoas de que os culpados são os estrangeiros”, que a covid-19 é uma “gripezinha” ou que as medidas sanitárias “são uma exigência injusta de um Estado intruso”.
“Há políticos que vendem estas narrativas para benefício próprio. Porém, não poderiam sair assim se alguns meios de comunicação não as divulgassem”, destaca o Papa, que também aponta a “certos meios de comunicação que se dizem católicos e pregam estar salvando a Igreja de si mesma”.
“O jornalismo que reacomoda os fatos para defender uma ideologia de ganhos econômicos é um jornalismo corrupto que desgasta o tecido social”, critica o Papa.
Deste modo, arremete contra o “vitimismo” que alguns protestos evidenciaram durante a crise do coronavírus. Assim referiu-se aos que reclamam, por exemplo, que estão obrigados a usar máscara “é uma imposição injustificada do Estado”, e “esquecem-se e são indiferentes frente a todos aqueles que, por exemplo, não contam com um seguro social ou perderam seu trabalho”.
“Trata-se de gente que é vítima somente em sua imaginação”, insiste o Papa. “Alguns grupos protestaram, negaram-se a manter o distanciamento, marcharam contra as restrições de viagem, como se estas medidas constituíssem um ataque político à autonomia ou à liberdade individual! A busca do bem comum é muito mais que a soma dos bens individuais”, acrescentou.
O Papa denuncia também que na Igreja houve exemplos desta mesma maneira de pensar. “Alguns padres e leigos deram o mau exemplo perdendo o sentido de solidariedade e fraternidade com o resto de seus irmãos. Fizeram disto uma batalha cultural quando na realidade tratava-se de garantir e proteger toda a vida”, afirmou.
“Se pensas que o aborto, a eutanásia e a pena de morte são aceitáveis, no teu coração será difícil ter preocupação com a contaminação dos rios e a destruição das florestas. E vice-versa”, acrescentou Bergoglio, que advertiu que estas problemáticas “não são problemas de uma ordem moral distinta”. No livro, destaca que “enquanto se insiste que o aborto é justificável, porém não a desertificação, ou que a eutanásia é errada, mas a contaminação dos rios é o preço do progresso econômico”, o mundo seguirá “estancado na mesma falta de integridade”.
Porém, ele enfatiza que durante a pandemia ele viu “a Igreja viva” e “foi um testemunho extraordinário”. “Como muitos padres não podiam celebrar missa com as suas comunidades, vários saíam da janela para visitar as casas para cuidar do seu rebanho ou exerciam o apostolado pelo telefone para não perder a proximidade com o povo. Alguns se animaram a fazer compras aos idosos que não podiam sair”, evidencia.
Da mesma forma, ele detalha como sua consciência de ecologia integral começou a se desenvolver e defende que se trata de “uma consciência” e “não uma ideologia”. “Comecei a ver a unidade entre ecologia e humanidade, e como o destino da humanidade está indissociavelmente ligado ao destino de nossa casa comum”, enfatiza. Dessa forma, ele alerta contra movimentos que “transformam a experiência ecológica em ideologia”.
Por outro lado, o Pontífice ataca o “câncer do clericalismo” na Igreja que se realiza quando alguém, por ser sacerdote, se sente “com direitos sobre os outros” e que é uma “perversão da vocação”.
Em outra passagem do livro, ele também se refere à “dor e vergonha” do abuso sexual. “Nos últimos anos, demos passos importantes para erradicar o abuso e construir uma cultura de cuidado que responda rapidamente a qualquer reclamação. Criar uma cultura de cuidado levará tempo, mas é um compromisso inevitável pelo qual devemos lutar com todas as nossas forças. Não mais abusos sexuais, de poder e de consciência dentro e fora da Igreja”, enfatiza.
Francisco também pede para não repetir os erros da crise financeira de 2008, “quando os governos gastaram bilhões de dólares para resgatar bancos e instituições financeiras e as pessoas tiveram que se sustentar em uma década de austeridade”.
“Se a escolha é entre salvar vidas ou salvar o sistema financeiro, o que vamos escolher? E, se estamos rumando para uma recessão global, vamos adaptar a economia às necessidades das pessoas e da criação ou vamos continuar a sacrificá-las para manter o status quo?”. Por fim, o Papa destaca “a necessidade de aumentar drasticamente a liderança das mulheres na Igreja e em toda a sociedade”.
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“Aborto, eutanásia, pena de morte ou contaminação não são problemas de ordem moral distinta”, afirma o papa Francisco - Instituto Humanitas Unisinos - IHU