30 Outubro 2020
"Nas Escrituras, a dinâmica da Aliança leva acima de tudo a nos descentrarmos, a superarmos a preocupação com nós mesmos, para nos preocuparmos com o outro. Para isso, devemos fazer da pandemia uma oportunidade para “estar com os outros”, cada vez mais. Sem hesitar em traduzir isso em decisões políticas", escrevem Guy Aurenche, advogado francês, Monique Hébrard, jornalista e escritora francesa, e Jean-Pierre Rosa, filósofo e biblista francês, em artigo publicado por La Croix, 28-10-2020. A tradução é de Moisés Sbardelotto.
A pandemia não deixa de nos surpreender. No fim do confinamento, muitos de nós nos alegramos com a solidariedade que iluminou os momentos difíceis. Hoje, a epidemia recomeça, desorientando uns e outros.
Acima de tudo, há a angústia de todos aqueles cujas empresas correm o risco de fechar, o aumento do desemprego e da miséria. Mas há também um sintoma mais insidioso: a perda de confiança.
Os gestos de precaução nas relações entre as pessoas são necessários, mas podem despertar desconfiança e medo. Medo da morte, que não pode ser totalmente afastado. Medo do outro, possível portador de morte.
Um medo que corre o risco de reforçar um individualismo letal. Cada clã, cada indivíduo tende a se situar no centro. Pronto para criticar qualquer pessoa e para desconfiar de todos, começando pelos governantes e pelos cientistas.
Nessa situação, uma comunidade de cristãos, pessoas que confiam em uma palavra da vida, não pode se calar. A diferença cristã pode ajudar as pessoas, crentes ou não, a viverem este período difícil e até a torná-lo uma oportunidade?
Oferecemos três indicações entre as muitas que poderiam ser uma boa notícia nestes tempos incertos.
Trata-se de entrar em uma dinâmica de confiança. Confiança em si mesmo, no outro, em Deus. Confiança além do medo, além da morte. Confiar é apostar nessa dimensão relacional que nos constitui como seres humanos. Sem cancelar as oposições, essa confiança permite abrir um diálogo vivo entre as pessoas de convicções, opiniões ou interesses diferentes, um debate autêntico a favor do bem comum.
Não se trata de se tranquilizar invocando a paciência. Confiar ou ser “salvo” significa aceitar uma presença misteriosa que caminha conosco. Isso não suprime a provação e não oferece soluções para os males que nos atingem. Não elimina a morte nem o contágio.
Mas a vida e a política assumem outra dimensão, como afirma o Papa Francisco em sua encíclica Fratelli tutti. Não se trata de ser ingênuo. Construir um futuro comum é algo que se faz passo a passo, como um pacto ou uma aliança em que a igualdade é um fim e não um dado. Nada é decidido com antecedência como em um contrato – pessoal ou social – em que os termos são discutidos acima; pelo contrário, tudo tem que ser feito, em um diálogo confiante, mas às vezes duro.
Nas Escrituras, a dinâmica da Aliança leva acima de tudo a nos descentrarmos, a superarmos a preocupação com nós mesmos, para nos preocuparmos com o outro. Para isso, devemos fazer da pandemia uma oportunidade para “estar com os outros”, cada vez mais. Sem hesitar em traduzir isso em decisões políticas.
A origem antrópica do vírus é evidente. Ao destruir ecossistemas e a biodiversidade, tornamos o mundo hostil. Diante dessa dolorosa constatação dos limites do nosso “poder autossuficiente”, lembramos que fomos criados. Alguém chamou à vida todos os indivíduos e toda a criação. Tudo está interligado. Tudo vem d’Ele e tudo converge para Ele.
Essa visão do cosmos e da humanidade como criaturas de Deus propõe uma transcendência que torna cada ser vivente não uma criatura insignificante nem um ser dominador, mas um humilde responsável chamado à solidariedade com os outros e com a Terra.
Somos convidados a continuar a criação para não esgotar a natureza. Esse gesto inscreve a nossa existência na força de uma relação de amor cujo projeto é criador de vida e fonte de esperança.
Diante da incerteza do momento, podemos pôr em primeiro plano a figura de Jesus que falou do ser humano, foi até o seu encontro, amou os seus até o fim, iluminando com uma luz nova a nossa condição de seres finitos, criados e amados.
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Levar uma “boa notícia” cristã em tempos de pandemia - Instituto Humanitas Unisinos - IHU