18 Setembro 2020
Mesmo a quilômetros de distância do epicentro do fogo, cidades do Mato Grosso do Sul têm amanhecido com o céu encoberto por fumaça e a temperatura nas alturas. O sol até saiu, mas foi difícil de enxergar.
Manhã da última sexta-feira (11) em Corumbá (MS) (Foto: Sérgio Ricardo Pacheco Granado)
A reportagem é de Maria Teresa Cruz do Projeto SOLOS e reproduzida por Congresso em Foco, 17-09-2020.
Corumbá e Ladário ficam a cerca de 206 quilômetros de distância de Porto Jôfre, onde se localiza Parque Nacional Encontro das Águas, o santuário das onças e um dos locais bastante castigados pelas queimadas deste ano. Cerca de 85% do parque já foi afetado pelo fogo. Até 13 de setembro, as queimadas consumiram 2,9 milhões de hectares do Pantanal, segundo informações de bombeiros locais e dados do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais.
Cidade vizinha a Corumbá, Ladário é conhecida como “Princesinha do Pantanal” e também sofre com a poluição causada pelas queimadas: a imagem foi feita na manhã de domingo (Foto: Sérgio Ricardo Pacheco Granado)
Outro ponto onde focos de queimadas se espalharam entre julho e agosto é a região de Barão de Melgaço onde fica o Sesc Pantanal, na Reserva Particular do Patrimônio Natural, a RPPN, no Mato Grosso. A distância entre Barão de Melgaço e o Parque Nacional é de mais de 82 quilômetros.
Se somarmos a distância da Reserva para as cidades de Corumbá e Ladário temos quase 300 quilômetros. Mas a fumaça encarou essa distância. Com as temperaturas chegando aos 40º C, a sensação térmica com a secura e a poluição do ar era de cerca de 45º C entre sexta-feira e o último domingo.
Em pesquisa feita no site de meteorologia AccuWeather, Corumbá tem nesta quarta-feira (16) condição insalubre para os habitantes. O portal explica: “partículas inaláveis finas são partículas poluentes inaláveis com um diâmetro de menos de 2,5 micrômetros que podem entrar nos pulmões e na corrente sanguínea, resultando em graves problemas de saúde. Os impactos mais graves acontecem nos pulmões e no coração. Exposição às partículas finas pode resultar em tosse ou dificuldade de respiração, agravação da asma e o desenvolvimento de doenças respiratórias crônicas”.
Visibilidade prejudicada por causa da fumaça em Corumbá (Foto: Sérgio Ricardo Pacheco Granado)
Em entrevista ao SOLOS, o pesquisador Paulo Saldiva, professor titular do Departamento de Patologia da USP, afirma que a qualidade do ar deve ser encarada como um direito fundamental e a poluição como uma afronta à dignidade humana. Saldiva é uma das principais autoridades do mundo em poluição atmosférica. Atualmente tem se dedicado a pesquisar as mortes pela covid-19.
“A poluição do ar é inescapável. É como se você pensar no Rio Tietê, em São Paulo, que é muito mais poluído que o ar da marginal. Mas você não é obrigada a nadar no rio. A poluição é desigual porque ela afeta os mais doentes, os mais velhos, os que têm menos condições de sobreviver, então afronta a dignidade humana, a questão de direitos fundamentais da pessoa. Ela é economicamente insustentável. Poluição é coisa de país pobre”, explica Saldiva, lembrando que é muito mais custoso para o sistema de saúde lidar com esses doentes do que combater a poluição.
Há mais de uma década, Saldiva e outros pesquisadores se dedicaram a investigar as queimadas de cana de açúcar, muito comuns em São Paulo, e a relação com internações nas cidades próximas por doenças respiratórias, como asma e pneumonia. Alguns desses estudos foram publicados no Journal of Epidemiology and Community Health e, entre as conclusões, está o fato de que a poluição gerada pela queima de biomassa pode ser comparável com a gerada por combustível fóssil, ou seja, por carros nas grandes cidades. Outra conclusão, essa sobre a incidência de pneumonia, concluiu que a poluição pode gerar quadros agudos da doença, predominantemente no dia de exposição aos poluentes.
Saldiva explica em que consiste a poluição particulada, e a gerada por queimadas é um exemplo, e por que ela é tão nociva. “A partícula tem um substrato sólido. Ela é um núcleo de carbono, mas não é puro. É um grafite temperado com outros produtos de combustão incompleta, que são o hidrocarboneto, metais pesados, mas depende do que estiver queimando, o tipo do hidrocarboneto varia”, pontua.
Com relação ao calor e os raios ultravioletas, Saldiva afirma que, sim, são elementos que influenciam também na condição do ar transformando a atmosfera do local em um tubo de ensaio. “Você gera compostos que são chamados de oxidantes fotoquímicos”.
O tabagismo é extremamente danoso à saúde. Mas você pode escolher fumar ou não. Agora respirar não é uma escolha. “Temos 10% de fumantes na população brasileira, ao passo que [população sob efeito da] poluição é 100%”, pontua Paulo Saldiva.
Quando uma pessoa inala um gás, ele vai chegar ao pulmão e não demora muito para sair do corpo. As partículas, pela característica sólida, vão fazer um passeio lento pelo corpo todo, provocando processos de inflamação por onde passam.
As cidades próximas de locais onde acontecem queimadas de bioma sofrem como se estivessem cheias de poluição proveniente de automóveis (Foto: Sérgio Ricardo Pacheco Granado)
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Queimadas no Pantanal transformam Corumbá em cenário de ficção científica - Instituto Humanitas Unisinos - IHU