15 Setembro 2020
A tragédia de Lesbos no centro do encontro que o Cardeal Jean-Claude Hollerich, presidente da Comissão dos Episcopados Católicos da Europa - Comece, teve com o Papa Francisco na semana passada. “Nos últimos anos – disse o arcebispo ao SIR – falamos belas palavras sobre os direitos humanos e os valores europeus. Há pessoas que acreditaram no que dizíamos. Mas quando chegaram ali, na fronteira com a Europa, perceberam que o que dissemos até agora foram apenas mentiras. Também precisamos prestar atenção quando falamos sobre identidade cristã da Europa porque não posso ir à igreja, orar a Deus e, sabendo que há pessoas que estão morrendo e sofrendo, não fazer nada. Não é possível".
Mapa do Mediterrâneo, em destaque: Grécia, Lesbos, Turquia e Síria. Fonte: Google Maps
“Falamos sobre os temas ordinários da Comece e, claro, o discurso se dirigiu imediatamente à situação de Lesbos. O Papa está muito preocupado com isso”. Antes de partir de Roma para Luxemburgo, o cardeal Jean-Claude Hollerich, presidente da Comissão dos Episcopados da União Europeia, concorda em falar com o SIR sobre o encontro que teve com o Papa Francisco na semana passada, nos dias em que de Lesbos chegavam as terríveis notícias do incêndio que irrompeu no campo de refugiados de Moria.
O cardeal Hollerich foi enviado a Lesbos no ano passado pelo Papa Francisco, juntamente com o cardeal Konrad Krajewski, para visitar os campos de refugiados de Moria e Kara Tepe. “Conversamos com as pessoas, entramos em suas tendas. O que mais me impressionou foi a absoluta falta de esperança das pessoas”, recorda o cardeal. “Nos últimos anos, falamos belas palavras sobre os direitos humanos e sobre os valores europeus. Há pessoas que acreditaram no que dizíamos. Mas quando eles chegaram ali, na fronteira com a Europa, perceberam que o que dissemos até agora foram apenas mentiras. Também precisamos prestar atenção quando falamos sobre identidade cristã da Europa porque não posso ir à igreja, orar a Deus e, sabendo que há pessoas que estão morrendo e sofrendo, não fazer nada. Não é possível".
A entrevista é de M. Chiara Biagioni, publicada por AgenSIR, 14-09-2020. A tradução é de Luisa Rabolini.
Lesbos é um exemplo claro que diz à Europa que a rota dos hotspot não é mais viável. Que solução vocês veem como bispos europeus?
Ficaria muito feliz se as Conferências Episcopais da Europa pudessem falar com seus governos e dizer aos líderes políticos que a Igreja espera um acolhimento. Após o gigantesco incêndio no campo de refugiados de Moria, França e Alemanha anunciaram sua disposição de receber a maioria dos 400 menores desacompanhados que a UE disse estar pronta para aceitar. Mas isso não basta. É um número quase irrisório. O problema é muito mais complexo e se não o resolvermos agora teremos tragédias ainda maiores.
Mapa com os campos de refugiados destacados em vermelho (Mapa: Wikimedia Commons/Benutzer Marsupilami)
E então? Que apelo estão gritando para a Europa as pessoas presas em campos de refugiados da Líbia, em Lesbos e em Lampedusa?
Abram as portas. Se não abrimos as portas aos refugiados, também fechamos as portas a Cristo. Se quisermos abrir as portas para Cristo, devemos também abrir as portas para os refugiados. A Comunidade de Santo Egídio, com os corredores humanitários, nos mostrou como fazê-lo. A Itália também nos deu o exemplo de saber reagir de forma muito mais cristã do que outros países. Como é possível que os países ricos do Norte não façam nada ou quase nada? Falta uma referência ao cristianismo e ao humanismo na Europa.
O senhor disse antes que com o Papa Francisco conversaram sobre os temas que estão no centro dos interesses da Comece. Que ideia o Santo Padre tem da Europa?
Creio que para ele a Europa seja a última garantia de um multilateralismo que garante um pouco mais de paz e justiça. Com isso não estou dizendo que tudo o que a União faz é bom. O que estou dizendo é que sem a União Europeia seria pior, e não apenas para a Europa, mas para o resto do mundo. Imaginemos se não houvesse a União Europeia: não haveria equilíbrio entre as grandes superpotências, Rússia, China e Estados Unidos. O mundo precisa da União Europeia. Acho que o Papa vê isso. E ele está muito preocupado.
As negociações entre o governo britânico e a UE para acordos comerciais pós-Brexit continuam nas rodadas. Como bispos europeus, o que vocês pedem?
É muito importante que a fraternidade entre os cidadãos do Reino Unido e os cidadãos da União Europeia seja mais forte que tudo que nos possa separar de um ponto de vista político. Gostaria de fazer um apelo aos políticos para que ajam para que essa irmandade possa permanecer no futuro.
Eminência, segunda-feira, 14 de setembro, na Itália, as escolas recomeçam. Na Europa a sineta já toca há algum tempo. Será um começo difícil para todos devido ao medo da epidemia. O que gostaria de dizer aos garotos?
Meu desejo é que eles possam viver plenamente. A vida é sempre bela, mesmo quando é difícil. Estamos em um momento particular que exige sacrifícios. Teremos que usar as máscaras, haverá regras que devem ser respeitadas, não será possível se encontrar sempre e com todos os amigos juntos.
Mas a vida ainda é linda. E o futuro é deles. Eu gostaria de dizer que Deus os ama e esse amor de Deus, se descoberto, é o mais importante da vida, porque quando os pontos de referência não estão mais presentes, quando as alegrias e as satisfações falham, sempre existe o amor de Deus que nos acompanha.
A Itália foi abalada pela tragédia de um jovem agredido e espancado até a morte na periferia de Roma (1).
Eles odeiam porque pensam que para resistir é preciso odiar. É sua experiência de vida. Devemos mostrar que não é verdade. Que a criminalidade destrói seu próprio futuro. Devemos dizer: chega! Dizer isso com firmeza: não, não é esse o caminho.
É verdade que enfrentamos novas formas de barbárie. Por isso procurei falar sobre virtudes aos jovens da minha diocese. Pode parecer uma palavra de outra época, mas para ser feliz é preciso saber escolher o bem e fazê-lo com todo o coração. O ódio sempre leva à morte e não apenas à morte do outro, mas também à morte de si mesmos. Mas este é um discurso que envolve a todos. Entregamos aos nossos jovens um mundo onde a economia ocupou todo o espaço. Aqueles que permaneceram à margem do desenvolvimento econômico não veem mais sentido em sua vida e no que fazem. Por isso, é necessário dizer basta também àqueles que colocam no centro de seu pensamento e ação apenas o lucro econômico e não a pessoa humana.
1. A pergunta se refere ao jovem Willy, 21, cujos pais são migrantes de Cabo Verde, radicados na Itália. Ele foi barbaramente assassinado quando defendia seu amigo do ataque de dois irmãos gêmeos, praticantes de artes marciais. Sobre o tema leia mais:
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“O que dissemos até agora sobre os valores europeus foram apenas mentiras”. Entrevista com Cardeal Hollerich - Instituto Humanitas Unisinos - IHU