10 Setembro 2020
Em uma nova série de entrevistas recém-publicadas em livro na Itália, Francisco debate a sua encíclica sobre a ecologia e defende um novo paradigma econômico.
A reportagem é de Loup Besmond de Senneville, publicada por La Croix International, 09-09-2020. A tradução é de Moisés Sbardelotto.
O Papa Francisco tem estado em diálogo com vários não crentes desde que se tornou bispo de Roma, convencido de que “devemos entender o humanismo agnóstico”.
Em 2013, ele se confidenciou ao veterano jornalista italiano Eugenio Scalfari, um autoproclamado ateu. Em 2017, ele manteve conversas com o sociólogo francês Dominique Wolton, um agnóstico.
E recentemente concedeu três entrevistas a outro escritor que proclama seu agnosticismo, Carlo Petrini, um ambientalista e inventor do movimento Slow Food.
Essas breves entrevistas – realizadas entre maio de 2018 e julho de 2020 – foram publicadas na Itália nessa quarta-feira com o título “Terrafutura” (Slow Food Editore).
O papa e Petrini falam com carinho sobre a culinária das suas avós, mas também vão muito além dos temas gastronômicos.
Em primeiro lugar, o ex-arcebispo de Buenos Aires homenageia Bento XVI, especialmente a recusa do papa emérito ao proselitismo.
Francisco recorda a convicção do seu antecessor de que a Igreja deve crescer por atração, não por proselitismo.
“É por isso que eu me irrito quando dizem que Bento XVI é um conservador”, diz Francisco no novo livro. “Bento XVI foi um revolucionário! Em tantas coisas que ele fez, em tantas coisas que ele disse, ele foi um revolucionário”, insiste o papa jesuíta.
Petrini, 71 anos, debate com Francisco sobre a encíclica papal Laudato si’, de 2015, um documento “sobre o cuidado da casa comum”, que fascinou o fundador do Slow Food.
O papa lhe fala sobre as várias etapas que marcaram a sua própria “conversão ecológica”. “Para mim, a saúde do pulmão verde do mundo não era uma preocupação”. A primeira etapa ocorreu em 2007, no encontro dos bispos da América Latina (Celam) em Aparecida. Assim como Francisco também disse aos ecologistas franceses na semana passada no Vaticano, ele também conta como foi tocado, na época, pelos discursos dos povos da Amazônia.
“Lembro-me muito bem de me incomodar com aquelas atitudes e de comentar: ‘Esses brasileiros nos enlouquecem com os seus discursos!’”, admite. “Para mim, a saúde do pulmão verde do mundo não era uma preocupação, ou pelo menos eu não entendia o que isso tinha a ver com o meu papel de bispo”, continua ele em sua conversa com Petrini.
Poucos anos depois, depois de se tornar papa e começar a escrever a encíclica, foi um encontro com Ségolène Royal, então ministra da Ecologia da França, que o alertou sobre as grandes expectativas desse texto. “É importante, será um texto com um impacto muito grande, muitos de nós o esperamos”, disse Royal ao papa em 2014, às margens da visita papal às instituições europeias em Estrasburgo. “E foi lá que eu entendi pela primeira vez a centralidade do documento e a sua importância pelos temas que tocava”, revela o papa no novo livro.
Mas Francisco insiste que esse texto não deve ser reduzido a uma “encíclica verde”. “É antes uma encíclica social. Embora fale de ecologia, devemos todos partir do pressuposto de que somos os primeiros a fazer parte da ecologia”, afirma.
O papa então pede que a sociedade redescubra “a beleza da natureza”. “Você sabe qual é a principal despesa das famílias em todo o mundo, depois da alimentação e do vestuário?”, pergunta ele a Petrini. “Cosméticos. E a quarta? Animais de estimação. Não é curioso?” “Há um mundanismo que caracteriza esta era e nos leva a apreciar uma beleza artificial, efêmera e leve”, continua.
Nesse sentido, Francisco é solidário ao movimento desencadeado pela ativista sueca Greta Thunberg. “O bonito é que esse movimento despertou as consciências dos jovens, que até então estavam um pouco à margem desse debate e da participação política”, diz o papa.
Ao longo das entrevistas, ele frequentemente relaciona a necessidade de proteger a “casa comum” e a luta contra um sistema econômico que parece ter enlouquecido.
Todas essas questões ganham ainda maior destaque com a pandemia. Por essa razão, Francisco fala de uma humanidade “pisoteada”. “Pisoteada por este vírus e por tantos vírus que fizemos crescer”, disse ele em comentários retirados de uma entrevista concedida em julho passado. “São vírus injustos: uma economia de mercado selvagem, uma injustiça social violenta, em que as pessoas morrem como animais”, lamenta.
Um pouco mais adiante, ele expressa uma séria preocupação com a ascensão do populismo, “que oprime a alma”, insiste.
Esse é realmente um dos pontos focais do novo livro. “Qual é a solução mais fácil proposta hoje? Populismo!”, observa Francisco. “E o que o populismo faz? Promove uma ideia, agarra as pessoas com uma ideia, semeia o medo – por exemplo, o medo dos migrantes vem do populismo –, e alguns discursos de certos líderes políticos de alguns países que eu escuto estão realmente indo na direção de um populismo perigoso”, alerta.
O papa argentino afirma que a rejeição aos migrantes parece ser um sintoma do populismo na Europa. “O que esperamos desse fechamento de portas? Vivemos em uma Europa que já não tem filhos, que se fecha violentamente à imigração e que se esquece de que a sua própria história é feita de migrações há séculos”, lamenta.
O papa, então, confidencia a Petrini que ele ficou especialmente impressionado ao ler “Sindrome 1933”. Nesse livro, publicado em italiano no ano passado, o autor, Siegmund Ginzberg, traça um paralelo entre a Alemanha dos anos 1930 e o populismo de hoje.
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Laudato Si’, Greta Thunberg e Bento XVI: confidências do Papa Francisco - Instituto Humanitas Unisinos - IHU