07 Setembro 2020
O Papa Francisco recebeu, no dia 03 de setembro, um grupo de franceses em audiência privada, em torno da Encíclica Laudato Si’. Um encontro marcado por um profundo intercâmbio.
A reportagem é de Marie-Lucile Kubacki, publicada por La Vie, 04-09-2020. A tradução é de André Langer.
Como sinal da importância que ele deu à visita do grupo de franceses que veio dialogar sobre a Laudato Si’ em audiência privada, o Papa Francisco tinha preparado um discurso – distribuído aos participantes e jornalistas. Outro sinal da importância de sua atenção é que de repente ele desistiu desse discurso, para substituí-lo por um depoimento pessoal. O seu compromisso com a ecologia – que descreveu como um percurso – começou com a célebre Conferência de Aparecida de 2007, da qual foi um dos principais pilares, e se alimentou especialmente dos intercâmbios com os povos indígenas. Na sequência, o Papa também explicou como decidiu apressar a redação da Encíclica Laudato Si’, para que o texto estivesse pronto antes da Conferência do Clima de 2015 em Paris. Isso foi depois da sua visita às instituições europeias em Estrasburgo, quando foi recebido por Ségolène Royal, ministra da Ecologia.
Como para coroar o ciclo, foi a convite de Anne Hidalgo, prefeita reeleita de Paris, que Audrey Pulvar veio, com o objetivo de convidar o Papa para visitar a capital francesa, em dezembro, por ocasião do duplo aniversário do Acordo de Paris e da Encíclica Laudato Si’. “Não é por acaso que os dois eventos têm a mesma data de aniversário, explicou Pulvar, pois o Papa estava trabalhando na redação da Laudato Si’, mas acelerou a redação da encíclica porque ele queria influenciar o acordo de Paris”.
Durante a audiência, o Papa também apresentou seu ponto de vista sobre a Inteligência Artificial. “Ele nos disse: talvez a Inteligência Artificial possa fazer tudo no tocante à cabeça e às mãos, testemunhou Gaël Giraud, padre jesuíta e economista, mas nada no que diz respeito ao coração, que é da ordem da ternura”. O Papa também insistiu na importância do diálogo intergeracional, citando o profeta Joel: “São os velhos que sonham e os jovens que profetizam”, e chamando todos a trabalharem de mãos dadas para que cada um possa cumprir sua missão.
Certamente, os participantes não conseguiram ter uma conversa informal com Francisco, mas saíram profundamente marcados, conforme expressaram durante uma entrevista coletiva. “Encontrar o Papa é uma história pouco comum, disse a atriz Juliette Binoche. Imaginamos muitas coisas, mas na sua presença, torna-se tangível, possível, um ser humano que tenta fazer o máximo que pode, que pede para rezar por ele...”. E falar da “revelação” que foi para ele a Laudato Si': “Muitas vezes colocamos o profano de um lado e o sagrado do outro, mas para mim cada momento é sagrado, tudo é sagrado se quisermos, se revivermos esta presença entre nós, colocando de lado nossos telefones, nossos medos e nossas barreiras, mudando nossa relação com a natureza, redescobrindo a maravilha diante do que nos é dado... A ecologia é saber ser na presença uns dos outros”.
Em 2015, Valérie Cabanes também ficou profundamente comovida com a leitura da Laudato Si’. Advogada de renome internacional, especializada em direitos dos povos indígenas, há dez anos ela trava uma luta pelo reconhecimento do crime de ecocídio. E explica: “O texto do Papa virou a mesa, porque nos convida a nos reconhecer como elementos da natureza e a descer do pedestal onde pensávamos estar colocados... Eu critiquei muitas vezes a Igreja pela forma como o Cristianismo ajudou a promover o domínio do homem sobre os seres vivos usando certos versículos, como o versículo 26 do Gênesis [capítulo 1], e de repente o Papa lançou nova luz”. Durante a audiência privada, a advogada pediu a Francisco que apoiasse uma campanha internacional lançada pela fundação Stop Ecocide, para pedir aos Estados mais poderosos que apoiem a demanda das Ilhas Vanuatu e Maldivas, que estão severamente ameaçadas pelo aumento do nível das águas, de reconhecimento do crime de ecocídio. “Ele tem ouvido muitos chefes de Estado do mundo inteiro e, se intervir diplomaticamente, pode fazer a diferença”, disse ela.
Valérie Cabanès não é a única a ter sido impactada pela encíclica. Este também é o caso de Maxime de Rostolan, fundador da Fermes d'Avenir. Criado em uma família católica, ele se afastou do caminho familiar ainda adolescente antes de se interessar pela ecologia. Certo dia recebeu uma mensagem de um amigo da faculdade, Raphaël Cornu-Thénard, que estava envolvido em movimentos de evangelização – ele fundou a Anúncio e a Assembleia Mission. O diálogo entre os amigos foi retomado, e Maxime de Rostolan foi convidado no final de 2019 para dar um testemunho aos bispos franceses reunidos em Lourdes, com outros leigos comprometidos com a ecologia. “Saindo desta assembleia, um bispo veio até mim e me disse: você me virou como uma panqueca... E então decidimos continuar”. Ele descreve este encontro com o Papa como “um grande momento”, ele que vive há vários meses um caminho de reconciliação com esta Igreja e com esta religião que abandonou. “Todos estes encontros, esta encíclica e esta viagem ajudam a retomar a minha fé na Igreja”, confessa.
A história de Pablo Servigne, especialista em colapsologia, lembra a de Maxime de Rostolan. Vindo de uma família católica, ele também se afastou da Igreja na adolescência, revoltado com a instituição, até este dia de maio de 2015, quando o Papa publicou sua encíclica. “A Laudato Si' tocou meu coração por muitas razões, conta. A primeira é que o Papa enfatiza os povos indígenas, as comunidades indígenas que têm muito a nos ensinar, e isso toca as minhas raízes colombianas”. E prossegue: “Gosto muito desta antropologia invertida, porque as comunidades indígenas já viveram um fim do mundo, e nós estamos desamparados diante disso. Eles têm muito a nos ensinar, eles nos mostram que fazer ecologia é aumentar o tamanho da casa comum às dimensões da terra e da biosfera”.
Ao longo de vários anos, Pablo Servigne vem tentando popularizar as noções de colapso, de risco sistêmico e de cooperação, “para que, diz ele, não nos derrotemos nas tempestades que se avizinham”. E esta mensagem de paz e de fraternidade, que ele acreditava ser totalmente profana, ele a encontrou na Laudato Si’. Quando fala sobre seu encontro com Francisco, ele tem estas palavras fortes: “O Papa realmente deu-se conta de que estamos à beira do precipício, que é uma questão de vida ou de morte. E o altruísmo pode surgir, desde que percebamos que estamos tocando em uma questão de vida ou de morte”. Raramente a ligação entre ecologia integral e fraternidade humana foi tão claramente resumida. E isso, enquanto os rumores sobre uma encíclica sobre a fraternidade humana para a festa de São Francisco de Assis, em 4 de outubro, crescem no Vaticano (1).
1.- No dia 05-09-2020, a Sala de Imprensa do Vaticano anunciou que no dia 03 de outubro, o Papa Francisco irá até Assis, onde assinará a encíclica "Tutti fratelli. Sobre a fraternidade e amizade social". Para ler mais, clique aqui.
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“O Papa realmente deu-se conta de que estamos à beira de um precipício”, constata a delegação francesa que esteve com o Papa Francisco - Instituto Humanitas Unisinos - IHU