21 Julho 2020
“A nova normalidade não é a velha normalidade. Porque não se trata de um parêntese, mas de um ponto de interrupção. Seremos capazes de aceitá-lo para reinventar a vida?”, questiona Manuel Castells, sociólogo espanhol, em artigo publicado por La Vanguardia, 18-07-2020. A tradução é do Cepat.
Não, ainda não acabou, nem terminará em um longo intervalo. E quanto mais insistimos em que já, que foi um pesadelo e que tudo voltou à vida que conhecíamos, mais tardaremos em recuperar o curso tranquilo do cotidiano. De fato, ainda não acreditamos nisso.
No melhor estudo realizado sobre os efeitos psicológicos do confinamento por uma equipe de professores de Psicologia das universidades do País Basco, Barcelona, Múrcia, Elche, Granada e a UNED [Universidade Nacional de Educação a Distância], um dos dados significativos é o sentimento de irrealidade. Sendo que 48% das mulheres (as que mais sofreram) e 38% dos homens o viveram como se não estivesse acontecendo, esperando que desaparecesse. Pois bem, com dezenas de milhares de mortes depois, ainda estamos naquele parêntese da vida que foi.
No mundo, a situação piora em vez de melhorar, com 138.000 mortes nos Estados Unidos, 74.000 no Brasil, 36.000 no México, 45.000 no Reino Unido, 35.000 na Itália, 30.000 na França, 9.000 na Alemanha, com um total de 580.000 falecidos e 13,4 milhões infectados, do que se sabe. Como o vírus se espalha segundo uma lógica de redes, quanto mais contágios, mais nós na rede e maior probabilidade de infectar outros.
E na medida em que continuamos globalizados e interdependentes, os contatos se difundem de um país para o outro. O que é o turismo senão a globalização dos contatos? Mas, ao mesmo tempo, precisamos, mais do que nunca, de uma afluência de turistas para nossa economia sobreviver em uma proporção decisiva de produção e emprego de cerca de 15%, mais seus efeitos multiplicadores.
Essa é a contradição: se confinamos, não vivemos e se não confinamos, morremos. Ou morrem nossos idosos. E cada vez mais outras faixas etárias. A idade média atual dos infectados na Espanha é de 50 anos. Bom, um meio termo terá que ser encontrado. Aí reside o cerne da questão: tentativa e erro. E todo erro é pago em vidas.
Desde que na Espanha terminou o estado de alarme, surgiram dezenas de surtos de forma crescente. E os surtos estão se tornando novas redes de contágio que na Catalunha já se espalharam por várias cidades, Lleida, l’Hospitalet de Llobregat, Badalona, Cornellà, Barcelona e sua região metropolitana. São todos turistas? De forma alguma. São todos jovens irresponsáveis se infectando, uns aos outros, com bebedeiras noturnas? Alguns, mas não a maioria. São trabalhadores temporários alojados desumanamente? Somente em alguns pontos.
Somos todos. Todos nós que não colocamos a máscara de cachecol porque não a suportamos no calor intenso do verão (que, a propósito, parece não afetar o vírus tanto como dizia uma lenda urbana), que não calculamos a distância em um metro e meio nos lugares públicos, que nos apertamos no transporte público porque é preciso ir para o trabalho, que fumamos em público sem lembrar que a fumaça carrega partículas e partículas de vírus, que não conseguimos renunciar ao abraço porque, sem isso, para que viver?
Os mais sensatos conversaremos com os outros, sem se lembrar de nossos conselhos. E, acima de tudo, esperamos, esperamos a vacina abençoada que salvará a todos. Por fim, reconhecemos a utilidade essencial da ciência, porque sem a ciência básica não há desenvolvimento possível de vacina.
Os meios de comunicação nos informam sobre cada progresso, em cada país. Sobre os chineses, Oxford, Moderna, a respeito de alguma das 12 vacinas em fase de pesquisa no Estado espanhol. Nós nos apegamos a uma data: primavera de 2021. Embora algumas empresas, especialmente as que buscam lucros aproveitando a urgência coletiva, tentem acelerar os tempos, iniciando ensaios com seres humanos mais ou menos voluntários, incluindo o exército chinês e pobres recrutados em favelas de algumas cidades. É a corrida para ver quem salva primeiro a humanidade. E a qual preço.
E depois? Depois, a vacina terá que ser verificada e aprovada em cada país. E produzida em massa. Já temos muitas empresas se juntando ao esforço, algumas delas na Catalunha. Em seguida, terá que ser distribuída, em gigantescas campanhas de vacinação com mais ou menos garantias de acordo com os países e com o medo lógico de muitas pessoas, principalmente se acreditam que isso não acontece com elas.
Lembrem-se que enquanto houver infectados, mesmo que sejam poucos, esse vírus se espalha muito rapidamente. Espera-se que não sofra muita mutação, o que não aconteceu até agora. Ainda assim, existe uma corrida contra o tempo entre as redes globais e locais de disseminação de vírus e redes de vacinação e imunização. Por isso, quando pensamos nisso, o tempo de espera se alonga e a impaciência dispara.
Como o confinamento total, parcial, pontual e reticular é a única coisa que comprovamos que pode impedir a propagação desse bicho que nos corrói, e como há uma proporção crescente de assintomáticos conforme diminui a idade do contágio, ficamos sem paciência. E fugimos das precauções, buscando pretextos. Pensando que tudo volta, que está ao virar da esquina do tempo. Sem aceitar que a vida que volta não é e nem será a vida que deixamos. A nova normalidade não é a velha normalidade. Porque não se trata de um parêntese, mas de um ponto de interrupção. Seremos capazes de aceitá-lo para reinventar a vida?
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Um insuportável parêntese. Artigo de Manuel Castells - Instituto Humanitas Unisinos - IHU