26 Mai 2020
“Será necessário refletir se queremos reproduzir um passado que ficou desgastado ou inovar para um futuro que não seja nostalgia resignada, mas uma transformação em direção a uma nova etapa da experiência humana”, escreve Manuel Castells, sociólogo espanhol, em artigo publicado por La Vanguardia, 23-05-2020. A tradução é do Cepat.
Recuperaremos o abraço. E depois? Qual será a nova normalidade? De verdade, reconstruiremos a vida e a economia tal como eram? Com todas as suas consequências destrutivas em nosso entorno e nosso interior? Com cidades congestionadas e poluídas e povos abandonados em uma natureza maltratada? Com a corrida louca para sobreviver, esquecendo-nos de como viver? Voltar ao abraço ou ao abraço ritual? Talvez tenhamos uma oportunidade histórica de escolher um caminho diferente do caminho sem sentido que havíamos entrado.
Assim como após a Segunda Guerra Mundial surgiram (em alguns países, não nos nossos) novas formas de convivência, uma economia mais produtiva e solidária, projetos de descolonização e de paz, e tantas outras promessas da humanidade, poderíamos agora reconstruir, sim, mas transformando as bases de nossa existência, em torno de novos valores que vão surgindo, principalmente entre os jovens.
Retiremos lições do que vivemos e façamos da necessidade promessa. Por exemplo, a prioridade do público, que não contradiz ao mercado, está ancorada na consciência da maioria dos cidadãos do mundo. Saúde e educação universais e gratuitas são a linha de defesa da nossa sobrevivência como espécie. Educação também porque a partir daí surgirá a capacidade mental de produzir mais com menos, inovando na organização social e na gestão institucional.
Quando faltam recursos financeiros, é preciso maximizar os recursos humanos. Em múltiplas áreas, a gestão da pandemia nos permitiu acelerar mudanças que eram limitadas a grupos de interesse. Assim, a restrição da capacidade de transporte público induz a promover a mobilidade individualizada, como bicicletas, patinetes e vias para pedestres, por meio da multiplicação de faixas especializadas.
Queremos reverter a espetacular redução da poluição atmosférica devido à queda no tráfego? Não poderíamos encurtar os prazos para a transição ao carro elétrico como prevenção à mudança climática? Queremos esquecer do teletrabalho como uma fórmula complementar ao deslocamento para o local de trabalho? Imagine a redução do tráfego e a economia de tempo, energia, poluição e espaço de escritórios que isso representa.
Além disso, para muitas empresas e profissionais da informação, seria aberta a possibilidade de se localizar nos chamados territórios esvaziados, desfrutando de uma superior qualidade de vida. Uma opção atrativa, mas que não pode ser considerada porque a maioria de nós precisa trabalhar em áreas metropolitanas. Povoados, hoje, semiabandonados estão recebendo ofertas para compra e aluguel, mesmo sem esperar que as empresas se mudem. E muitos jovens poderiam permanecer no local onde cresceram, com a possibilidade de serem educados e trabalharem a distância.
Quanto aos serviços, sejam clínicas ou bares, sempre acompanham a residência. Claro que o teletrabalho cercado por crianças em moradias desfavoráveis é socialmente inaceitável como norma. Mas a habitação pode ser ampliada, pois se trata de preço associado à concentração urbana. E a terceirização corporativa poderia estabelecer centros de trabalho nas próprias pequenas cidades, de onde seria possível teletrabalhar em relação com os centros urbanos.
Esse fenômeno já é uma tendência em alguns países. Uma tendência que deve ser aproveitada para combater o êxodo e distribuir a população e atividades no conjunto do território. É duvidoso que o transporte aéreo de massa possa ser restaurado em sua forma prévia, por muito tempo. E provavelmente, nesse tempo, boa parte das companhias aéreas desaparecerá. E mesmo que os governos as sustentem, será difícil que façam plenamente, quando tiverem que reforçar a saúde e atender às necessidades de vários setores de atividade, especialmente pequenas empresas, que geram a maioria do emprego.
É a hora do trem. Mas também da limitação de deslocamentos massivos de um lado do mundo para o outro. Isso não equivale ao fim do turismo, atividade essencial em alguns países, que será necessário sustentar com determinação. Mas será um turismo muito mais diversificado para férias, com atividades ajustadas sazonalmente. Sem dúvida, as viagens de executivos para gerenciar a economia mundial serão substituídas principalmente por videoconferências. Economia para as empresas e melhor qualidade de vida para os profissionais.
E a educação? Vamos finalmente aceitar que vivemos em um mundo de comunicação híbrida, em que o presencial continua sendo essencial, especialmente em idades mais jovens, mas que pode ser complementado de forma criativa pela interação digital com redes cada vez mais rápidas e de maior capacidade, em que a virtualidade real e a interação simultânea ampliam o campo de aprendizagem e experimentação? Claro que, nesse sentido, será necessário formar os professores (os alunos já sabem e aprendem rapidamente) e potencializar a infraestrutura digital das escolas. Mas foi assim quando tivemos que produzir milhões de livros didáticos para expandir a educação para além das elites que a recebiam.
Será necessário refletir se queremos reproduzir um passado que ficou desgastado ou inovar para um futuro que não seja nostalgia resignada, mas uma transformação em direção a uma nova etapa da experiência humana.
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Reconstrução ou transformação? Artigo de Manuel Castells - Instituto Humanitas Unisinos - IHU