20 Julho 2020
Neste final de semana, 18 e 19 de julho, está sendo realizada a Assembleia para a Amazônia, uma autoconvocação dos povos indígenas da Amazônia, que visa provocar uma reação que ajude a deter o etnocídio, o ecocídio e o extrativismo na Amazônia, que é agravado pela pandemia da COVID-19. Como momento preparatório, nesta sexta-feira, 17 de julho, foi realizado o Evento Grito da Selva, organizado pela Coordenação das Organizações Indígenas da Bacia Amazônica - COICA, que quer ser um posicionamento dos povos indígenas diante do momento que estamos vivendo.
A reportagem é de Luiz Miguel Modino.
A questão básica do webinar foi: Por que os povos indígenas da Amazônia são altamente vulneráveis à COVID-19? As respostas podem ser encontradas nos povos do território, que exigem o cuidado e a defesa da floresta. São homens e mulheres que têm a capacidade de falar com a natureza e que de lá lançam um grito pela Amazônia, "descobrindo todo o poder que a natureza pode nos dar", como disse Alberto Fiagama, indígena colombiano, um dos muitos sábios que tradicionalmente têm preservado e transmitido as cosmovisões dos diferentes povos de geração em geração.
Foto: Luis Miguel Modino
A sabedoria dos avós é algo que Gregorio Díaz Mirabal, coordenador geral da COICA, apreciou, destacando a importância de seu trabalho de compartilhar a cultura ancestral, em códigos que só eles conhecem e que tornam possível preservar o conhecimento indígena. Em suas palavras, ele convidou a humanidade a "escutar nosso grito pela floresta, um grito de dor, de luto, mas também de esperança e resistência, queremos denunciar e propor soluções para a Amazônia e o Planeta, deter o etnocídio e o ecocídio". Díaz Mirabal insiste na importância de uma selva viva e de pé, e é por isso que ele afirma que "não queremos a destruição de nossa Selva Mãe, não queremos mais invasões predatórias".
O coordenador da COICA pede um remédio espiritual para que haja um diálogo, soluções globais e territoriais, que as leis sejam cumpridas, denunciando que os direitos dos povos indígenas da Amazônia não estão sendo respeitados. Portanto, o líder indígena vê a necessidade de um remédio espiritual contra o esquecimento, a xenofobia, a falta de solidariedade da humanidade com a Amazônia e seus povos. Ao mesmo tempo, ele exige um diálogo para acabar com a extrema pobreza gerada por este modelo de desenvolvimento que está destruindo a Amazônia. Este diálogo deve nascer da necessidade de "respeitar os direitos da Selva Mãe e dos povos que aqui vivem", pedindo que todas as vozes da Amazônia e da humanidade sejam unidas.
Foto: Luis Miguel Modino
A Igreja Católica também quis participar deste evento preparatório para a Assembleia Mundial da Amazônia, no qual está envolvida desde o momento em que a ideia nasceu. O Vice-presidente da Rede Eclesial Pan-Amazônica - REPAM, Cardeal Pedro Barreto, destacou a importância da COICA em seu trabalho de associação dos povos amazônicos. Neste sentido, o Cardeal enfatizou o carinho do Papa Francisco pela Amazônia, algo expresso na exortação Querida Amazônia, onde aparece uma atitude de defesa dos direitos humanos, assim como a decisão da Igreja de acompanhar todos os povos indígenas desde sua grande riqueza social, cultural e ecológica.
O Cardeal peruano lembrou em suas palavras que o Irmão Francisco, como os povos originários da Amazônia se referem a ele, "escutou o grito dos povos amazônicos". Barreto reconhece a riqueza cultural dos povos amazônicos, que ele vê como "povos gratos pela sabedoria de seus avós, que enriquecem este momento difícil que estamos vivendo na Amazônia e no mundo". O vice-presidente da REPAM critica a fragilidade deste sistema tecnocrático que não tem rosto humano, bem como as torturas sofridas ao longo dos séculos pelas populações amazônicas. É por isso que ele insiste que "não podemos permitir o atual genocídio e ecocídio, temos que nos unir, para criar consciência de unidade na diversidade".
Foto: Luis Miguel Modino
A Igreja Católica é aliada dos povos indígenas, enfatizou Pedro Barreto, algo solicitado no Sínodo, onde estiveram presentes representantes destes povos, entre eles Gregorio Díaz Mirabal, presidente da COICA. Diante desta realidade, o cardeal insistiu que queremos servir, algo demonstrado pelo Papa Francisco, que apontou para a Igreja e para a humanidade uma experiência de denúncia de um sistema que exclui, no qual alguns aproveitam o sofrimento destes povos, apaziguando a necessidade de levantar a voz com este remédio espiritual de que Díaz Mirabal falou.
O Cardeal Barreto destaca a importância da Assembleia para a Amazônia como "uma expressão genuína do fato de que os povos amazônicos estão trabalhando juntos para defender, como guardiões heroicos deste bioma que é importante para a humanidade". Neste sentido, ele afirma que a sabedoria e a cultura dos povos amazônicos é importante para a humanidade, sua vida sóbria, deixando clara a necessidade de que a tecnologia esteja a serviço da vida e das culturas. O Cardeal deixa claro aos povos indígenas que "a Igreja Católica está muito atenta e os acompanha neste processo de reivindicação e em sua firme atitude de defesa de nossa casa comum". Finalmente, ele lançou um desafio à COICA, a convocação de uma assembleia mundial de povos originários de toda a humanidade, como um passo decisivo na defesa da vida e que os povos nativos sejam os protagonistas de uma nova visão que respeite a vida humana.
Foto: Luis Miguel Modino
Representantes dos povos indígenas dos países amazônicos mostraram a realidade de que seus povos estão vivendo nesta época de pandemia, uma realidade que agrava as situações de esquecimento histórico e exclusão vividas ao longo dos séculos, algo acentuado nos últimos anos pelos efeitos das atividades extrativistas dos recursos naturais. Em geral, a situação é crítica, algo em que Lisardo Cauper, do povo Siphibo, insistiu, denunciando a falta de assistência médica e o abandono total dos povos indígenas, resultado de um sistema excludente e racialmente discriminatório que a cada dia causa a morte dos povos indígenas. Diante do desejo do Estado de reativar a economia, ele exigiu o fim dos sistemas de exclusão, insistindo que "precisamos da atenção e solidariedade do mundo, porque estamos morrendo".
A Amazônia é uma região onde muitos chegam para levar seus recursos com eles, deixando para trás doenças, como denunciou Sirito-Yana Aloema, do Suriname. O líder indígena, diante da falta de direitos indígenas, chega ao ponto de dizer que o governo quer que desapareçamos da Mãe Terra. Ele insistiu que "não precisamos de dinheiro, o que precisamos é de harmonia, amor e respeito". Além disso, a necessidade de rezar todos os dias, "se rezamos para que a Mãe Terra nos salve, é por isso que temos que protegê-la e proteger as pessoas que estão cuidando de nossos pulmões".
Foto: Luis Miguel Modino
Diante da situação que estamos vivendo, Eligio da Costa Evaristo, destaca a importância do trabalho de prevenção nas comunidades, bem como fazer com que os Estados vejam que temos nossos direitos. No caso da Venezuela, onde vive, a grande ameaça é o Arco Mineiro do Orinoco. Estas situações não são novas, pois existem doenças estruturais na Amazônia, resultado da pressão de empresas vindas de fora, como denunciou Julio Cesar Lopez, da Colômbia. Entre elas estão a contaminação, a colonização, famílias que são pagas por grandes empresários para ir e viver na Amazônia, madeireiros, pecuária extensiva, infra-estrutura, sobretudo estradas, incluindo algumas ilegais, caça furtiva, violência de diferentes grupos armados, tráfico de drogas, barragens, racismo com os indígenas, que ele define como pandemias estruturais. Ele exige poder viver na Amazônia, onde não chegamos por interesse econômico. Não é tolerável que pessoas de fora queiram impor o que tem que ser feito na Amazônia, elas têm que falar com os atores nos territórios amazônicos.
A falta de registro dos casos COVID-19 é algo que tem estado presente na Amazônia desde o início, algo que se tornou ainda mais visível no Brasil, como apontou Valeria Payer Kaxuyana. As organizações indígenas denunciaram desde o início que a COVID-19 atacaria seriamente os povos indígenas, o que foi comprovado pelo alto índice de infectados e mortos, muito mais alto do que a média geral. Isto é agravado pelo discurso de um governo que legaliza incêndios e invasões de territórios, que promove a xenofobia, ao ponto de denunciar que "este governo não nos quer vivos, ele faz tudo para nos matar". Diante desta situação, ele afirma que "vamos continuar lutando contra esta política genocida que foi instalada no governo brasileiro".
Foto: Luis Miguel Modino
A mesma situação é vivida na Bolívia, onde Tomás Candia denuncia que "o governo não escuta, não está fazendo nada pelos povos indígenas, ninguém nos escuta". Neste tempo de pandemia, "a mineração não para e está destruindo nosso território, também as estradas, os cultivadores de coca e o tráfico de drogas". Combater isso não é fácil na Bolívia, porque, como afirma o líder indígena, "em nosso país qualquer pessoa que saia para defender direitos ou a natureza é perseguida e encarcerada".
Para enfrentar este momento de pandemia, os povos originários da Amazônia estão realizando práticas tradicionais de autoproteção, de uso da medicina tradicional, de mecanismos espirituais de cura, como afirmou Robinson Lopez, que do Peru enfatizou a importância das plantas sagradas ao longo da história na cura de doenças, algo que também está se tornando evidente neste momento. A partir daí ele destaca a necessidade de entender que "a natureza é nossa Mãe, onde está a vida de todos, é para todos e pertence a todos".
Foto: Luis Miguel Modino
Neste trabalho de prevenção, a importância da mulher é fundamental, como disse Tabea Casique Coronado, especialmente com o uso de plantas medicinais. A coordenadora da área de educação da COICA denuncia que no Peru, onde ela estava falando, as crianças indígenas estão ficando sem educação, já que o Estado não aloca recursos. Esta é também a situação no Suriname, denuncia Irvin Harvey, em vista do que as comunidades são forçadas a se virar para enfrentar a COVID, muitas vezes através da medicina natural.
A COICA viu na autogestão dos recursos o caminho a seguir, demonstrando que os povos e organizações indígenas têm a capacidade de responder. Nesse sentido, Michael Jhon McGarrell, um indígena da Guiana, pediu uma maior coordenação com os governos para ajudar a garantir os recursos básicos. Este fundo de emergência criado pela COICA está respondendo a muitos pedidos das comunidades amazônicas, como lembra Adolfo Chávez, que da Bolívia denunciou a falta de vontade política dos governos em diferentes níveis, que mostram pouca sensibilidade em relação aos povos indígenas. Neste sentido, o fundo COICA permite a gestão transparente dos recursos recebidos.
No Brasil, à luta dos povos indígenas contra a COVID se une o confronto com a política de Estado, que é genocida, como afirmou Elcio Manchineri. O indígena brasileiro destaca que nesta situação o fundo de emergência da Amazônia é fundamental, o que ajuda a combater a falta de alimentos, assim como na aquisição de equipamentos para prestar primeiros socorros nas comunidades, o que pode salvar mais vidas, já que muitos pacientes levam vários dias para chegar aos hospitais de barco. Olhando para o futuro, ele insistiu na necessidade de pensar no período pós-pandêmico e nas consequências que ele terá sobre os povos indígenas, para os quais será decisivo garantir o investimento de todos os recursos em favor desses povos.
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“Os povos indígenas da Amazônia são os guardiões heroicos deste importante bioma para a humanidade”, afirma Cardeal Barreto - Instituto Humanitas Unisinos - IHU