16 Julho 2020
O padre jesuíta Paul Jackson relembra, com carinho, o começo dos diálogos entre cristãos e muçulmanos na Índia.
A reportagem é de Joe Palathunkal, publicada por La Croix International, 14-07-2020. A tradução é de Isaque Gomes Correa.
O padre jesuíta Paul Jackson, natural da Austrália, promotor do diálogo entre cristãos e muçulmanos no sul da Ásia, morreu em 5 de julho, em Patna, capital do estado de Bihar, na região leste da Índia.
O padre jesuíta Paul Frederick Joseph Jackson, que faleceu aos 83 anos em 5 de julho, no Hospital da Sagrada Família, na cidade de Patna, viveu sua vida inteira buscando unir a Índia por meio de uma luz que ele descobriu num santo sufi do século XIV, Sharafuddin Ahmad Maneri.
Nascido em 11-06-1947 em Brisbane, na Austrália, Paul Jackson, filho único, ingressou na Companhia de Jesus em 1956 e chegou à Índia como membro da Província Jesuíta de Hazaribag, em 1961, em uma época em que o norte da Índia sofria com as consequências dos distúrbios civis de 1947 que dividiram a Índia britânica nas duas nações independentes da Índia, de maioria hindu, e do Paquistão, de maioria muçulmana.
Logo após desembarcar na Índia, Jackson ficou chocado quando um companheiro jesuíta tornou-se vítima dessa hostilidade na região tribal onde ele deveria trabalhar. Durante a Semana Santa, na terça-feira, 24-03-1964, o padre jesuíta Herman Rasschaert, da Bélgica, foi assassinado junto de centenas de outras pessoas que haviam se refugiado em uma mesquita em Gerda, na Kutungia, atual estado de Jharkhand.
O único crime de Rasshaert foi que ele tentou salvar aqueles que estavam refugiados na mesquita. De fato, quando visitei a região, o povo local me mostrou um poço onde, na época, os cadáveres foram jogados. Isso fez o território missionário no qual Jackson trabalharia soar bastante semelhante com uma descrição de E.M. Forster em Uma passagem para a Índia: “As duas chamas se aproximam e procuram unir-se, mas não conseguem, porque uma delas respira ar; a outra, pedra”.
Em pouco tempo, a missão de Jackson passou ser a de unir essas duas chamas opostas através de uma luz que emanava do místico sufi Shrafuddin Maneri, de Bihar. Ele bem pôde ter levado a sério o que Maneri escreve: “Todas as religiões são verdadeiras em suas origens, mas seus seguidores cegos introduzem ideias estranhas”.
Para expor esses seguidores cegos, antes de mais nada Jackson decidiu trabalhar entre a maior minoria religiosa da Índia quando “paredes domésticas estreitas” eras erguidas contra eles em todo o país. Nas palavras do próprio padre: “Um dos momentos mais importantes da minha vida é quando disse para mim mesmo: ‘Me deixem tentar fazer algo pelos muçulmanos’”.
Esse momento acabou sendo crucial na trajetória da Índia independente, com o jesuíta australiano decidido estudar história, na Universidade Central Jamia Millia Islamia, em Nova Déli, e o idioma urdu, na Universidade de Déli.
Para combater as forças que retratavam esta minoria religiosa como vilões, muito embora seus membros fossem vítimas, Jackson seguiu os ensinamentos de Sharafuddin Maneri, nascido em Maner, a 32 quilômetros de Patna, capital de Bihar, em 1263 depois de Cristo. Após anos de oração na floresta de Bihiya, o místico estabeleceu-se em Bihar Sharif, onde morreu em 1381.
Com um conhecimento muito bom de urdu, persa e hindi, Jackson mergulhou na chama da floresta dos bosques de Bihiya com a disciplina acadêmica jesuíta típica e com uma mente investigativa para trazer à tona aquela luz que uniria as duas comunidades religiosas opostas da Índia. Talvez as próprias palavras de Maneri levaram Jackson a agir: “Todos os homens, seja no passado, seja no presente ou no futuro, são os centros dos mistérios. Cada corpo conserva um segredo divino”.
O problema era que aqueles que manipularam os protestos haviam esquecido completamente esse ditado maneriano, então Jackson decidiu mostrá-lo com palavras e ações.
Depois de receber elogios por sua tese de doutorado, intitulada “A vida e o ensino de um santo sufi do século XIV: Sharafuddin Maneri”, elogios feitos por acadêmicos de renome como Annemarie Schimmel, da Universidade de Harvard, e K.A. Nizami, da Universidade Muçulmana de Aligarh, Paul Jackson viveu com (e para) os muçulmanos de Bihar.
Esse ativista intelectual comprometido tinha uma filosofia fundamental: a de conhecer o Islã conhecendo os muçulmanos. E, em 1976, ele já se tornara plenamente familiarizado com o Islã em geral, bem como com a vida dos muçulmanos, especialmente os muçulmanos economicamente atrasados, com os quais ele vivia e conversava. O resultado foi o volume que ele editou e publicou: “Os muçulmanos da Índia: crenças e práticas”.
Com a pesquisa sobre a vida e os escritos de Sharafuddin Maneri, Jackson descobriu que esse santo muçulmano de Bihari era, de fato, uma luz poderosa que poderia iluminar os muitos indianos preconceituosos para com o Islã e os muçulmanos. Embora todos os escritos de Maneri tenham sido abordados por Jackson, os três trabalhos a seguir se destacam.
1.- Maktubat-i-Sadi: as Cem Cartas dirigidas a Quazi Shamsuddin, governador de Bihar;
2.- Maktubat-i-Bist-o-hasht: as Vinte e Oito Cartas dirigidas a Mozaffar, príncipe de Balkh;
3.- Fawaed-i-Rukni: as Breves Notas preparadas para o discípulo de Maneri, Ruknuddin.
Mas são as Cem Cartas que Jackson traduziu meticulosamente para o inglês o que fez atrair a atenção internacional para Maneri e para o tradutor, quando foram publicadas pela editora Western Classics.
O idioma original não era urdu, persa ou hindi, como hoje entendemos. Na verdade, os trabalhos de Maneri formavam uma mistura das três línguas, juntamente com o vocabulário coloquial das pessoas comuns.
A tradução, portanto, foi uma tarefa hercúlea realizada por um australiano que fez da Índia o próprio lar, com amor e comprometimento com o povo, e que se naturalizou indiano.
Com efeito, as Cem Cartas deveriam ser consideradas como tendo sido endereçadas aos atuais governantes políticos da Índia, como Maneri o fizera, na época, ao governador de Bihar.
Mas as pérolas que Jackson colheu de Maneri transformaram-se em uma verdadeira força unificadora no momento em que ele as converteu em pedagogia para os estudantes de teologia que seriam padres no futuro. O jesuíta deu início a esta tarefa em 1983, com o Centro Regional de Teologia de Danapur, em Patna, com um currículo cientificamente planejado.
O programa chamou-se “Exposição ao Islã”; e o curso, “Experiência do Islã: entendendo-o, apreciando-o e respeitando os muçulmanos”. Os estudantes eram enviados em pares para as áreas urbanas muçulmanas de Bihar para um período de dez dias, começando na segunda-feira e retornando na quarta-feira da semana seguinte.
Jackson definia as regiões indo até elas e se apresentando aos líderes muçulmanos locais: “Digo a eles que sou um sacerdote cristão e pertenço a uma ordem religiosa chamada Companhia de Jesus. O passo seguinte é contar dos meus anos de pesquisa na Biblioteca Khuda Bakhsh, em Patna, sobre o maior santo muçulmano de Bihar, Sharafuddin Maneri”, relembrou Jackson certa vez.
Ele dava instruções por escrito a seus estudantes de teologia para que entendessem, apreciassem e respeitassem o Islã e os muçulmanos, explorando pontos comuns entre o Islã, o cristianismo e o hinduísmo, visando abrir os caminhos do diálogo.
Os próprios escritos de Jackson visavam abrir esse canal de diálogo entre o Islã e o cristianismo e remover as imagens preconceituosas dessa religião mundial e seus seguidores, assim mostrando a realidade do Islã e a vida muçulmana para a comunidade religiosa majoritária da Índia.
Todos os alunos que tiveram a experiência de viver alguns dias entre os muçulmanos de Phulwari Sharif, Bihar Sharif, Munger, Arrah e outros lugares, mais tarde refletiriam sobre o que passavam e compartilhavam o quanto a exposição desfazia os preconceitos que tinham a respeito dos muçulmanos.
Imaginemos o impacto de três décadas do programa de Jackson nos alunos e nas inúmeras pessoas com quem eles entrariam em contato como padres mais adiante. Essa é uma missão maravilhosa que o australiano cumpriu.
A esses futuros padres, Jackson dava um aviso quando os enviou, dois a dois – assim como Jesus fez com os discípulos –, aos muçulmanos de Bihar. Sem debates ou discussões, apenas perguntas para saber de seus corações e mentes e para esclarecer certos aspectos pertencentes ao Islã.
Como Jackson explicava: “Digo aos alunos que os jesuítas da corte do imperador Mughul Akbar, do século XVI, venceram todas as batalhas, mas perderam a guerra por causa da confiança inabalável na eficácia da combinação de criticar o Islã e empregar a razão para argumentar em seu próprio favor”.
Talvez esse homem que amou os muçulmanos de Bihar tinha em mente aquilo que Sharafuddin Maneri escreveu em uma das Cem Cartas: “O homem é a mais alta e mais perfeita de todas as criaturas”.
Ao mesmo tempo, Jackson ficou profundamente ferido ao ver como essas criaturas perfeitas se transformaram em misantropos ferozes nos terríveis tumultos sociais de Bihar Sharif, em abril-maio de 1981, ali mesmo onde Maneri jaz em repouso.
Jackson, o visionário que viveu para trazer uma compreensão entre as duas chamas da Índia através da sabedoria de Sharafuddin Maneri, nos deixa em uma época na qual a maior minoria religiosa do país se sente amedrontada com a ascensão do nacionalismo hindu. Mas nós temos a chama da esperança advinda da sabedoria de Maneri: “No tribunal da ignorância, ninguém, exceto os infiéis, recebe admissão”.
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O jesuíta australiano que buscou aprofundar os laços entre o islamismo e o cristianismo - Instituto Humanitas Unisinos - IHU