14 Julho 2020
Liturgista beneditino diz que a suspensão do culto congregacional dá aos católicos a oportunidade de refletir sobre o verdadeiro significado da Eucaristia.
A entrevista é de Arnaud Bevilacqua, publicada por La Croix International, 11-07-2020. A tradução é de Isaque Gomes Correa.
O padre beneditino François Cassingena-Trévedy acredita que os católicos podem aprender algo essencial com o jejum forçado da Sagrada Comunhão durante a atual crise de covid-19. Nascido em Roma em 1959, o religioso cresceu na França e, em 1980, tornou-se monge da Abadia de São Martinho, de Ligugé, parte da Congregação de Solesmes. Oito anos depois, foi ordenado ao presbiterado. François é especialista em liturgia, professor universitário, regente de coral e autor prolífico. Arnaud Bevilacqua, do La Croix, conversou recentemente com o religioso beneditino sobre este longo confinamento litúrgico, imposto como forma de deter a disseminação do coronavírus, e quais as lições que podemos derivar dele.
Como o “jejum eucarístico” que temos vivido há mais de dois meses nos ajuda a reexaminar esse sacramento?
O que temos vivido, essa falta que sentimos, não nos convida a abandonar nossas igrejas, mas, pelo contrário, nos convida a considerar o que precisa ser questionado dentro de nós mesmos sobre o significado da Eucaristia. Devemos apagar de nossas cabeças a tentação de concebermos a missa como um simples dispensador do pão eucarístico. Somos cristãos em comunidade. O próprio ato de celebração conjunta é fundamental. Ela é também um compromisso físico por meio do nosso corpo, primordial no cristianismo. Precisamos cantar, ouvir, ver, sentir.
Sem a celebração eucarística, iríamos sentir falta da experiência física da comunidade, da presença real da comunidade. O cristão existe por meio dessa celebração, cujos rituais são apenas instrumentos temporários. Essa presença não se encerra na Eucaristia, mas no grande apelo da nossa fé.
Em que sentido a Eucaristia é a fonte e o cume da vida cristã?
Na Eucaristia, existe, é claro, uma dimensão espiritual, esse encontro pessoal com o Senhor. No entanto, a Eucaristia é, antes de mais nada, a vontade de nos tornar o Corpo de Cristo.
Talvez redescubramos que se trata de um alimento espiritual via presença de Cristo Ressuscitado, e que transborda e é uma exigência da vida.
A Eucaristia não é um pão sagrado da presença de Jesus, nem uma vitamina sagrada que gera emoção espiritual. Se a não participação na Eucaristia se resumir a apenas um afastamento do nosso momento com Jesus, então não creio que estejamos tendo uma relação adequada com a Eucaristia.
Eucaristia é aquela celebração comunitária que leva ao compromisso com a fé da palavra de Deus, palavra que ouvimos juntos e tentamos entender. A celebração eucarística é tanto uma culminação quanto um ponto de partida. É uma exigência da vida cristã.
Com que frequência drenamos a presença real? Como poderemos comungar com Jesus na hóstia, se não somos um pouco desafiados pela presença de Cristo em nosso irmão?
Nesse sentido, talvez não seja ruim termos sido privados da Eucaristia, a fim de nos questionar sobre uma relação que pode vir a ser bastante materialista.
Como podemos entender que Cristo nos convida a lembrar dele deste jeito, através da Eucaristia?
É fundamental nos perguntarmos sobre a intenção de Jesus, aquele que nos revela um Pai, e não um deus estoico. Jesus deu a vida e nos introduziu nesta relação com o Pai, que é o único nome legítimo de Deus.
Ouso dizer que não conheço Deus, mas o Pai. Ninguém nunca viu Deus. É o Filho que fez Deus ser conhecido e quem me vê em segredo. Ao nos apresentar a esse Pai, Jesus nos torna, todos nós, irmãos e irmãs, formando uma humanidade completamente nova e revolucionária. Eis, para mim, o significado da Eucaristia, deste pão que o Pai nos dá.
Isto requer uma conversão. Do que preciso na Eucaristia? Será um pouco de emoção espiritual, ou será a necessidade de me tornar um com meus irmãos e irmãs e de ter uma relação filial com este Pai que Jesus me revela e que, hoje, me dá o pão, como dizemos na oração do Nosso Pai?
A Eucaristia, portanto, permanece sendo um mistério sobre o qual só podemos refletir a respeito.
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Os bons frutos do ‘jejum eucarístico’ da covid-19 - Instituto Humanitas Unisinos - IHU