10 Julho 2020
Madalena e as outras: este é o título de uma ampla reflexão - datada de 31 de maio, dia de Pentecostes - da comunidade cristã de base de San Paolo in Roma, dedicada à Igreja, às mulheres, aos ministérios na vivência de uma história. Trata-se de um testemunho, para contar como e por que aquela Comunidade, animada por Giovanni Franzoni (falecido em 2017), após uma longa discussão, e após ouvir também teólogos, teólogas e especialistas em exegese bíblica, colocou o "sacerdócio comum" em primeiro plano , e já em meados dos anos 1970 chegou à conclusão de que as mulheres, como os homens, também podem partir o pão eucarístico, celebrar e presidir a Ceia do Senhor. Essa prática de décadas, documentada no livro, é inserida em um quadro bíblico e histórico que explica o fundamento bíblico e históricos das escolhas realizadas. Aqui estão alguns trechos da abertura do texto.
O texto foi publicado por Confronti, julho de 2020. A tradução é de Luisa Rabolini.
Tentando viver nossa experiência cristã de maneira consciente, foi "inevitável" nos depararmos também com o significado da Eucaristia, sobre "quem" pode presidi-la e, portanto, sobre o problema dos ministérios. Não apenas motivado por eventos contingentes que tocavam a própria possibilidade de existência da nossa CDB, mas também encorajados por algumas contribuições do Concílio Vaticano II e confortados pelos estudos e conclusões dos mais talentosos e talentosas especialistas da exegese bíblica e da teologia, a esse respeito chegamos a entender que, histórica e biblicamente, não são mais defensáveis a doutrina e a praxe católica oficial que excluem as mulheres, por princípio, da possibilidade de celebrar e presidir a Ceia do Senhor.
Contudo ... é fato que quase todas as Igrejas, por séculos e séculos, esqueceram o mandato de Jesus a Maria de Magdala (Migdal, em hebraico: aldeia às margens do lago Tiberíades, não muito longe de Cafarnaum); e, portanto, cometeram uma injustiça que pesou demais não apenas sobre as mulheres, mas sobre toda a Igreja - por mais que seja ciente disso há longo tempo - construída justamente e concebida como machista e patriarcal. Nesse sentido, trataremos em particular da teoria e praxe da Igreja Católica Romana que, sendo assim, é "impossibilitada" de sair da torre teológica e dogmática em que se entrincheirou, a menos que, com um sopro de coragem e sabedoria, não decida finalmente abaixar a ponte levadiça que a isola e a defende, para se abrir para as novidades que o Espírito inspira.
Vamos descrever essa torre de muros altíssimos, que não se referem apenas ao passado: até eventos eclesiais recentes o confirmam. Em Roma, em outubro de 2019, um Sínodo dos Bispos dedicado à Amazônia havia demonstrado certa audácia porque - partindo do fato de que, naquela região, comunidades eclesiais dispersas na floresta profunda são visitadas por um padre celibatário apenas uma vez a cada um ou dois anos – havia dado ao papa este conselho: “Propomos que a autoridade competente estabeleça critérios e disposições, no âmbito do n. 26 da Lumen gentium [constituição do Vaticano II sobre a Igreja], para ordenar como sacerdotes homens idôneos e reconhecidos da comunidade, que tenham um diaconato permanente fecundo e recebam uma formação adequado para o presbiterado, podendo ter uma família legitimamente constituída e estável, para dar sustentação à vida da comunidade cristã através da pregação da Palavra e da celebração dos sacramentos nas áreas mais remotas da região amazônica".
Um texto - notamos - teologicamente e sintaticamente intrincado, sinal da dificuldade de levar em conta pontos de vista bastante articulados, para que sejam admitidos ao presbiterado, embora na presença de muitas condições restritivas, diáconos já casados [viri probati, de fato]. Em vez disso, em relação às mulheres, embora elogiando sua contribuição decisiva para a vida dessas comunidades, o Sínodo nem sequer ousou pedir o diaconato. Porém, após muitas expectativas, chegou a exortação pós-sinodal Querida Amazônia de Francisco, datada de 2 de fevereiro de 2020 e publicada dez dias depois. Estamos totalmente de acordo com o documento quando, com total solidariedade e grande ternura, se coloca ao lado dos povos originários da Amazônia, para que seu ecossistema seja garantido, seus territórios protegidos e seus rios mantidos potáveis: enfim, em defesa de seu direito de viver em dignidade, protegidos das mãos de rapina que gostariam de saquear aquelas terras às custas daqueles que vivem nelas há milênios.
A Exortação defende, também, as razões dos indígenas determinados a manter sua variegada cosmogonia e sua espiritualidade. Pois bem. Infelizmente, porém, no lado eclesial, o papa não confirma essas palavras: de fato, passando por cima dos conselhos do Sínodo, "esquece" a proposta que diáconos indígenas casados possam ser consagrados presbíteros; além disso, ele não deixa explícito que também as mulheres sejam admitidas em todos os ministérios, ou pelo menos no diaconato; e por que não? Por não querer que sejam "clericalizadas", ele especifica.
Mas percebemos que, talvez, não pode ser um Sínodo dos bispos, ou um papa sozinho que possam mudar profundamente as teologias e praxes que duraram há séculos: apenas um inédito Concílio - de "padres" e "madres" e, portanto, não mais clerical - poderia fazê-lo.
De fato, não é um detalhe que está em questão: trata-se de colocar em discussão desde as bases o próprio conceito de sacerdócio ministerial (mediação necessária entre o povo e Deus) confiado aos homens, melhor se celibatários, para que possa edificar, ao contrário, uma Igreja. caracterizada por ministérios (serviços para o povo de Deus), todos abertos a mulheres e homens. Os ministérios que derivam do sacerdócio comum enraizados no batismo, como destacou de forma exemplar a Reforma. O "sacerdócio" ministerial, se exercido também por mulheres, obviamente tornaria a Igreja menos patriarcal e induziria importantes mudanças institucionais e pastorais ali; mas resolveria, em perspectiva e em profundidade, os problemas? De fato, ele é estranho ao pensamento de Jesus que nunca falou em "sacerdócio" para quem o quisesse seguir, mas em "discipulado" e "serviço" [diakonia]; aquele "sacerdócio", aliás, perpetuaria separações e cercas dentro do povo de Deus.
Seria o tempo, ao contrário, como muitos e muitas em toda a Ekklesia pensam (e nós também fazemos parte dessa corrente), para dilatar todos os "ministérios", "serviços" possíveis tanto a homens como a mulheres, se forem chamados a executá-los em e por uma comunidade. Seria uma questão de reconhecer: foi uma escolha infeliz, muito infeliz a construção, ao longo dos séculos, de uma Igreja onde o carisma da presidência da Eucaristia fosse considerado - mas no começo não era assim! - privilégio masculino.
Hoje, para superar essa barreira de ferro [do “não” às mulheres nos ministérios], portanto, se deveria fazer uma mudança profunda e radical de paradigma teológico, aceitando que o tempo da Igreja masculina seja considerado completo e fechado; e que agora, para os anos e décadas a porvir, deveríamos nos comprometer para que se abra entre as dores do parto o tempo da Igreja onde, como Pedro e os outros, também Maria Madalena e as outras possam anunciar o Evangelho na Ekklesia e presidir a Ceia do Senhor.
FECHAR
Comunique à redação erros de português, de informação ou técnicos encontrados nesta página:
E se as mulheres também partirem o pão eucarístico - Instituto Humanitas Unisinos - IHU