22 Fevereiro 2018
O discurso que o Papa Francisco dirigiu aos índios em Puerto Maldonado, durante a recente visita ao Peru, é uma espécie de documento programático para o Sínodo da Amazônia, que será realizado em Roma, em 2019. "Cada cultura e cada cosmovisão que recebe o Evangelho - disse o Santo Padre - enriquecem a Igreja com a visão de uma nova faceta do rosto de Cristo [...] Ajudai os vossos bispos, ajudai os vossos missionários, e as vossas missionárias a fazerem-se um só convosco e, assim, dialogando com todos, podeis plasmar uma igreja com rosto amazônico e uma Igreja com rosto indígena".
A reportagem é de Egidio Picucci, publicada por L'Osservatore Romano, 21-22 de fevereiro 2018. A tradução é de Luisa Rabolini.
As palavras do Papa são, obviamente, válidas para todos os índios da Amazônia, incluindo os brasileiros, os mais conhecidos. Entre estes devem ser incluídos os Ticuna, a maior tribo do imenso país sul-americano e que vivem no Alto Solimões, um verde e líquido trapézio de floresta e água entre a Colômbia e o Peru, na região noroeste. Mesmo para essa área valem as palavras do Papa, especialmente as que se referem à colaboração entre leigos e missionários para dar um rosto amazônico à Igreja.
Os Ticuna já fizeram isso e continuam fazendo, porque, além de ter colaborado em massa, anteriormente, para a construção e reconstrução da igreja, hoje colaboram na catequese com os jovens missionários capuchinhos em Belém do Solimões, o seu centro político-religioso e nas aldeias próximas; deram vida a vários projetos, entre os quais o mais notável é o "Kurupira", dedicado à educação dos jovens, com os quais são enfrentados problemas inerentes à sua idade, emergências sociais, tais como a proteção ambiental, o desenvolvimento, os primeiros socorros, a educação física, cívica e moral, a luta contra as drogas e outras formas de dependência.
Um segundo projeto se refere ao festival anual ticuna que, por mais de uma semana, transforma Belém em um grande palco onde se alternam competições esportivas e tradicionais que envolvem pequenos e adultos, empenhados no regate, com a ajuda dos mais velhos, dos rituais de festas como as do Padroeiro e da moça nova, fazendo com que sejam revividas com um toque de modernidade que as torna mais atrativas.
Essas colaborações ajudam não só os jovens e suas famílias, mas também toda a aldeia, graças ao apoio da polícia, convidada a fazer um trabalho mais de prevenção do que de repressão.
Em Santo Antonio do Içá a Fraternidade Capuchinha e das Irmãs Missionárias do Coração Imaculado de Maria têm alcançado resultados significativos contra o tráfico de pessoas e abusos sexuais domésticos, triste e disseminada praga no noroeste amazônico. Os freis e as irmãs têm insistido sobre as oportunidades oferecidas pelas assembleias paroquiais, pelas reuniões de grupos pastorais, pela distribuição de panfletos em português e ticuna, com explicações bem claras e com um apelo urgente a todos para se libertarem de todas as formas de submissão e condicionamento, denunciando eventuais situações de dificuldade e de perigo físico ou moral.
E algo está nascendo; algo realmente inesperado. Tudo (re)começou a partir da escola Irmã Lua fundada pelo padre Benigno Falchi ao lado do santuário de Nossa Senhora de Fátima em Benjamin Constant, na qual nasceu o projeto Meninos de Fátima. Tudo começou com quatorze meninos, mas logo subiram para uma centena, com os quais, graças à cooperação dos pais e voluntários, se realizam atividades cada vez mais frequentes e de melhoria contínua: desenho, pintura, estudo bíblico, espiritualidade mariana com a recitação do terço; oficina de dança; aprendizagem do artesanato regional; "carnaval de Cristo" reservado para as crianças; tentativas de agregações entre tribos que melhoraram o desempenho escolar dos meninos.
Dos pequenos aos adultos o passo foi natural e decisivo. Depois de anos e anos de oração e sensibilização para a vida consagrada realizada por encontros pessoais com os meninos e as meninas, foi organizada uma semana vocacional em Belém e em algumas aldeias próximas com doze missionários e missionárias que visitaram as escolas, as casas e as capelas, a bordo de canoas impulsionadas mais por cânticos que por remos. O ar vibrava. No domingo seguinte estava agendada a ordenação do primeiro diácono permanente Ticuna, Ildefonso, cacique de longa data e atualmente líder da comunidade Católica de Bananal. A igreja estava lotada de pessoas com roupas de festa e orgulhosas de que um deles estivesse no altar, ao lado do bispo, e falasse de Jesus e da Virgem Maria em um impecável idioma ticuna. Durante a leitura do Evangelho uma criança subiu no estrado do altar, o ficou ao seu lado, olhando para ele o tempo todo da leitura até a homilia, batendo finalmente as mãos.
Em mais de cem anos de evangelização nunca tinha se visto algo similar, porque dos Ticunas nunca havia nascido nenhuma vocação ao estado religioso, nem masculino nem feminino. Apesar de terem sido feitas tantas tentativas em muitas oportunidades ... Na missa daquele dia também participaram três meninas que orientavam os cânticos à plena voz, marcando o tempo com um galho de açaí. Ninguém suspeitou de nada, mas o missionário teve que se segurar para não intervir e comunicar que aquelas três "cantoras" tão animadas e à vontade estavam começando justamente naquele dia uma forma de vida comunitária. "Tupana taetü naweme" que Deus nos abençoe, disse para si mesmo o frei Paolo Maria Braghini, enxugando uma lágrima que os presentes confundiram com uma gota de suor.
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Amazônia. A ordenação do primeiro diácono permanente de etnia Ticuna - Instituto Humanitas Unisinos - IHU