28 Mai 2020
É um pouco cedo para avaliar o efeito do novo sistema global do Papa Francisco sobre como a Igreja Católica deve avaliar as denúncias de abuso sexual clerical ou de encobrimento por bispos individuais, dizem advogados canônicos que falaram com o NCR.
A reportagem é de Joshua J. McElwee, publicada em National Catholic Reporter, 27-05-2020. A tradução é de Moisés Sbardelotto.
Eles também levantaram questões sobre o novo processo, estabelecido em maio de 2019, que envolve o empoderamento dos arcebispos para conduzir investigações de prelados acusados em suas regiões.
Entre suas principais preocupações com o procedimento, descritas no motu proprio de Francisco intitulado Vos estis lux mundi (“Vós sois a luz do mundo”), estão: a possível tendenciosidade que pode surgir ao pedir que um prelado investigue outro e se tem havido um nível apropriado de transparência sobre os bispos que estão sendo investigados.
Nicholas Cafardi, advogado civil e canônico, que foi membro do Conselho Nacional de Revisão dos bispos dos EUA, destacou esse último ponto.
Mencionando que o procedimento não exige que os católicos sejam necessariamente informados sobre quando um bispo está sendo investigado, Cafardi disse: “Parece-me que os fiéis têm o direito de saber se alguém é um possível perigo”.
“Você poderia pensar que agora a Igreja aprendeu a lição de que o sigilo nessas questões não funciona”, disse Cafardi, decano emérito da Faculdade de Direito da Universidade Duquesne, em Pittsburgh. “O que é feito nas trevas será visto à luz. Talvez não imediatamente, mas eventualmente.”
O Mons. Frederick Easton, ex-presidente da Canon Law Society dos EUA, disse acreditar que o novo processo não obriga à divulgação imediata de possíveis casos, a fim de proteger a reputação dos bispos acusados enquanto as investigações ainda estão em seus estágios iniciais.
Nesse ponto, disse Easton: “Você apresenta uma reclamação, mas não sabe se ela será validada”.
“O processo não quer expor as coisas no fórum público de forma prematura, mas chegará lá”, disse o padre, que atuou por 31 anos como vigário judicial da Arquidiocese de Indianápolis.
Até Francisco criar o novo processo, as investigações de abusos ou encobrimentos sobre bispos individuais só podiam ser iniciadas pelo Vaticano. Como parte do novo procedimento, os arcebispos que receberem denúncias sobre esse possível comportamento agora têm a tarefa de solicitar proativamente a autoridade de um dos vários escritórios vaticanos para conduzir as investigações.
Uma vez concluída a investigação, o arcebispo deve enviar seu relatório sobre o assunto de volta ao Vaticano para sua decisão sobre como avançar.
A Conferência dos Bispos dos EUA criou um novo sistema nacional de denúncias, disponível no ReportBishopAbuse.org, para receber denúncias de possíveis abusos ou encobrimentos de bispos. Essas denúncias, uma vez avaliadas, são enviadas ao arcebispo apropriado para revisão.
Uma seção de perguntas e respostas publicada no site de denúncia também afirma: “Algumas denúncias, como as que envolvem menores de idade, serão relatadas às forças da lei”.
Sabe-se publicamente que apenas dois bispos dos EUA estão atualmente sob investigação como parte do novo sistema: o bispo do Brooklyn, Nicholas DiMarzio, e o bispo Michael Hoeppner, de Crookston, Minnesota.
DiMarzio foi acusado em novembro de molestar de um coroinha quando era padre nos anos 1970. Ele negou veementemente a acusação, que a Congregação para a Doutrina da Fé do Vaticano autorizou o cardeal de Nova York Timothy Dolan, a investigar.
Hoeppner é acusado de gerir mal os casos de padres acusados de abuso. A Congregação para os Bispos do Vaticano autorizou o arcebispo de St. Paul e Minneapolis, Bernard Hebda, a investigar o assunto. Depois de enviar um relatório inicial para Roma em novembro, Hebda foi convidado em fevereiro a investigar mais.
Um terceiro caso possível envolvia o ex-bispo auxiliar de Cincinnati, Joseph Binzer, que foi acusado de não relatar as denúncias feitas contra um padre em sua arquidiocese e renunciou ao cargo no dia 7 de maio.
Um porta-voz da Arquidiocese de Cincinnati disse ao NCR que o arcebispo Dennis Schnurr havia sido informado pelo Vaticano em dezembro de que os novos procedimentos de investigação de Francisco “não se aplicavam a esse assunto”. O porta-voz disse que não podia fornecer mais detalhes.
Easton disse que o seu entendimento é de que Binzer não estava sujeito a uma investigação prolongada porque reconheceu sua falha em relatar as denúncias contra o padre em questão.
“Eu julgaria que, neste caso, esse não foi um processo completo segundo o Vos estis, conforme descrito no motu proprio”, disse o monsenhor. “Eu não acho que haveria qualquer necessidade disso.”
“Eu acho que o processo foi simples porque o bispo admitiu”, disse Easton. “Às vezes, pode ser tão simples assim.”
Para alguns, a investigação de Dolan sobre DiMarzio destacou a possível tendenciosidade que pode ocorrer quando um bispo é encarregado de investigar outro. Depois que o cardeal recebeu o poder de investigar o bispo no dia 7 de janeiro, ele falou sobre o assunto em seu programa de rádio SiriusXM no dia 21 de janeiro.
Embora Dolan tenha dito que tinha que levar o assunto “a sério” e prometeu que a investigação seria conduzida por profissionais externos, o cardeal também chamou DiMarzio de “bom amigo” e disse: “Eu gosto dele”.
Respondendo à caracterização de Dolan sobre o seu relacionamento com DiMarzio, Cafardi disse: “Se Dolan considera Dom DiMarzio como um amigo tão próximo, então ele é a pessoa errada para fazer a investigação”.
“O ponto principal da investigação é que ela precisa ser confiável”, disse Cafardi. “E, se o investigador parece ser tendencioso, como essa investigação pode ser confiável?”
Easton observou que, se o Vaticano pensasse que havia motivos para questionar a imparcialidade de Dolan, ele poderia ter decidido pedir a outro bispo que investigasse DiMarzio. Mas ele acrescentou: “Do ponto de vista de um canonista, eu diria que seria lamentável se o arcebispo metropolitano falasse sobre isso, até que a investigação estivesse concluída, e ele a tivesse enviado a Roma”.
“Se ele for impedido em sua capacidade de ser um coletor e relator de fatos por causa de sua amizade com o bispo sob investigação, isso dificulta o processo”, disse Easton.
Joseph Zwilling, diretor de comunicações da Arquidiocese de Nova York, disse em um e-mail que a investigação de Dolan está em andamento, e que a arquidiocese está fornecendo “atualizações regulares” ao Vaticano sobre o assunto.
Zwilling também confirmou que Dolan encarregou o escritório internacional de advocacia de Herbert Smith Freehills para supervisionar o processo e contratou o grupo de consultoria do ex-diretor do FBI Louis Freeh para conduzir a investigação.
Easton e Cafardi disseram que tentar avaliar o impacto dos novos procedimentos de investigação de Francisco apenas um ano após sua promulgação é difícil. “Eu acho que estamos nos sentindo bem com isso”, disse Easton. “Ainda não existe nenhuma jurisprudência, até onde eu saiba.”
A Ir. Sharon Euart, das Irmãs da Misericórdia, ex-secretária geral associada da Conferência dos Bispos dos EUA e renomada canonista, também disse que o efeito do novo processo se tornou parcialmente “desigual ou difícil de ler” pela pandemia em curso, que causou a cancelamento de várias oficinas ou congressos focados na implementação da nova lei.
Euart, agora diretora executiva do Centro de Recursos para os Institutos Religiosos, disse esperar que esses eventos sejam reagendados em breve.
“Eu acho que pode ser prematuro tentar avaliar o uso do Vos estis, dados os efeitos da pandemia, a saber, escritórios fechados em Roma e em dioceses dos EUA, a necessidade contínua de clareza sobre os procedimentos e suas implicações, e a falta de oportunidade para discussões entre os bispos dos EUA desde novembro de 2019”, disse ela.
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Um ano do motu proprio “Vos estis”: especialistas questionam o processo do papa para investigar bispos - Instituto Humanitas Unisinos - IHU